
Foto: Thought Catalog @ Unsplash
Quando procuramos conselhos de outros escritores, ideias que partilhem para que possamos aplicar no nosso próprio processo, é raro algum deles sugerir algo tão estrondosamente novo que nos deixe embasbacados. De facto, a maioria dos conselhos versa sobre as mesmas coisas. Uma variação aqui, uma opinião ali, mas os conselhos de quem viveu para a escrita são muito semelhantes.
E quero acreditar que são semelhantes porque somos humanos. Porque existem coisas que nos unem pelo partilhar de uma mesma espécie: pequenas formas de activar uma ou outra característica, maneiras de nos predispormos a fazer isto ou aquilo. É por isso que os conselhos são os mesmos.
No entanto, e assumindo isso como verdade, porque é que não os aplicamos todos e somos todos escritores de sucesso (e noutras áreas também)? O que nos distingue, o que nos diferencia?
De facto, os conselhos são isso mesmo. Conselhos. Não são verdades absolutas, nem dogmas, nem nada que se pareça com isso. São conselhos que, mesmo que tenham resultado para a totalidade das pessoas que os usaram, isso não garante que funcionem connosco.
E por isso é que, apesar de vermos muita semelhança nos conselhos que procuramos, também vemos muitas diferenças: escrever em público, escrever sozinho; escrever todos os dias à mesma hora ou variar para efeitos de criatividade; estruturar antes uma história ou escrever seguido editando depois; enfim, uma miríade de conselhos diferentes.
Todos eles, no entanto, parecem concordar numa coisa: existe uma espécie de músculo da escrita. Não sabemos se é o cérebro ou uma parte específica dele, não sabemos se é de facto um músculo. Mas sabemos que se comporta como tal.
Porquê?
Porque exige ser treinado todos os dias, sob pena de atrofiar. Todos nós sentimos, pelo menos uma vez, a sensação de ter desaprendido algo (como escrever), quando passamos imenso tempo sem o praticar. Sentimo-nos perfeitos inadaptados a algo que sempre desempenhamos tão bem, apenas para descobrir que bastam alguns minutos, algumas repetições, e parece que nunca esquecemos nada. É o desenferrujar.
E quando voltamos a treinar esse músculo diariamente, ele começa a surpreender-nos. Já conseguimos escrever mais palavras, ou escrever durante mais horas seguidas sem um período de desconcentração. As ideias fluem de outra forma porque pensamos de forma mais clara. O músculo sobe de nível, começa a trabalhar quase de uma forma independente, mas na verdade interligada de nós e da nossa vida. E a escrita nasce.
Mas, como já fui dizendo por aqui, o treino é necessário todos os dias. Podemos falhar um ou outro, mas na generalidade dos casos devemos evitá-lo. A tendência para repetir um dia sem nada é grande. A inércia tem um poder muito forte.
Então devemos cuidar do nosso músculo da escrita. Alimentá-lo bem (lendo), e puxar por ele ao máximo, o máximo que conseguirmos. O tempo é, provavelmente, a única limitação que não conseguimos ultrapassar. A sua passagem inexorável. Mas podemos ganhar a batalha contra o tempo se pegarmos nele e o esmifrarmos ao máximo. Só depende de nós.
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