A Arma Secreta Para Ser Escritor

Estamos habituados, ultimamente, a procurar métodos e hacks que nos permitam fazer o que pretendemos, de uma forma mais inteligente, mais produtiva ou, no limite, mais engraçada. Que dê mais gozo.

No entanto, quando o assunto é o ofício da escrita, tenho “más” notícias. A arma secreta para sermos escritores e, sobretudo, para nos tornarmos melhores escritores, é mesmo… escrever. Escrever.

José Mourinho revolucionou a forma como o futebol se treina porque decidiu que todos os exercícios, no treino, tinham de conter a bola. Ou seja, todo o treino girava à volta de… jogar futebol. Utilizando uma frase que se tornou célebre: o pianista, para ensaiar, não corre à volta do piano. Toca piano!

Ou seja, da mesma forma que os jogadores de futebol, para se tornarem melhores jogadores, têm de jogar, nós escritores temos apenas de escrever. É certo que existem ferramentas que nos ajudam nesse ofício, como ler (muito!), viver novas experiências, conversar com outras pessoas. Mas se o sonho é ser escritor, o caminho é escrever.

Uma razão forte para esta arma secreta é o facto comprovado de que nos tornamos melhores a fazer determinada coisa por efeitos de repetição. Basta fazermos um exercício de memória, pela nossa vida, para vermos como fomos melhorando em determinado trabalho, ao longo do tempo, por efeito da repetição.

Chegamos sempre ao ponto em que quase nem pensamos no que estamos a fazer. A condução é um bom exemplo disso: quantas vezes fazemos uma viagem de carro e, quando chegamos ao destino, não temos qualquer memória da viagem? Isto acontece porque o acto da condução já está entranhado em nós. Com a escrita, deverá acontecer a mesma coisa.

Mas dir-me-ão que isso é tornar o acto de escrever demasiado mecânico, sem inspiração, como se fosse um qualquer trabalho. Percebo de onde vem essa ideia, mas o facto é que, quem quer ganhar a vida a escrever, está a dizer a si mesmo que o seu “trabalho” é escrever. E isto não quererá dizer necessariamente que a criatividade desapareça, ou que a noção de escrita como arte se esfuma.

Simplesmente, a escrita é uma capacidade que melhora através da prática, através do erro. Será errado pensarmos que as grandes obras da literatura foram escritas de uma vez só. Basta olharmos para os vários diários espalhados por esse mundo fora para vermos a quantidade de anotações, rabiscos e rasurados que encontramos.

A beleza da escrita nasce da interligação entre o processo criativo e produtivo, de escrever sem limites, de dar largas à imaginação, e o processo de edição, de transformação de palavras em estado puro para um conjunto integrado de ideias cuja existência está interligada. A edição tem tanto de arte como a escrita. E, quanto melhor editamos, melhor sabemos escrever.

Além de tudo isto, o primeiro grande passo para sermos escritores é dizermos que somos. Primeiro, a nós mesmos. Depois, aos outros. Existe um estigma social sobre a escrita (e sobre a arte no geral) e temos tendência a fugir da pergunta quando questionam o que fazemos. Temos de responder “Sou escritor. Sou escritora.” Porque, na verdade, o somos. Porque estamos a correr atrás desse sonho.

No entanto, há uma condição essencial de verdade para podermos responder dessa maneira: temos de escrever. A nossa vida tem de ser escrever. Tudo o que nos rodeia serve de inspiração, liga-nos o motor invisível que constrói ideias, e a escrita pode e deve ir beber a todos os ramos da nossa vida.

Assim, escrever é a arma secreta para sermos escritores. Há profissões que têm o seu próprio curso. Nós escritores temos o nosso próprio caminho. Ninguém vai para a universidade tirar o curso de escritor. Simplesmente escrevemos, melhoramos a cada dia, aprendemos com os outros. E quando nos perguntam “O que fazes?” respondemos que somos escritores. Porque escrevemos.

Comments


  1. Amei o texto! Salvando aqui para reler. Me identifiquei demais, pois é verdade, sou uma escritora.

  2. Lourdes says:

    Sinceramente que me considero apenas “escrevinhadora”, humildemente. Escritora é o que gostaria que me considerassem no futuro. Já publiquei uns poemas, uns contos mas o livro que já está escrito….ainda está por editar. Talvez um dia tenha coragem…quem sabe?!