A invasão da Ucrânia e o PCP na twilight zone

Não me incomoda tanto a caracterização que o PCP faz de Zelenskyy como me incomoda a caracterização que não o vejo fazer de Putin. Ou de Xi Jinping e do seu Grande Irmão tecnológico. Ou do próprio Kim, que alguns comunistas entendem não dirigir um regime brutal de absoluta negação da liberdade e da democracia. Não me recordo de ler palavras tão hostis dirigidas a qualquer um deles.

Não que os seus críticos à direita, e mesmo em parte da esquerda, tenham grande arcaboiço moral para apontar dedos. Ainda me lembro, porque não foi assim há tanto tempo, de quando Putin era “um dos nossos”. De quando dançava com Bush, trazia o bobi para a reunião com Angela Merkel e dava carta verde aos seus oligarcas, então investidores, para comprar clubes de futebol, hotéis, iates e vistos gold na Europa. De quando a bandeira do VTB esvoaçava ao lado do Banco de Inglaterra, no coração da City. Dos braços abertos com que o Ocidente os recebia, apesar da lista interminável de crimes do regime russo.

Do Xi Jinping nem se fala. Vem-me logo à cabeça o nosso presidente a babar-se, enquanto o cumprimentava na sua última visita à China. E o take over consentido da economia europeia, iniciado com a adesão à OMC, que tão bons resultados teve para países como Portugal. Em bom rigor, não há capitalismo, este capitalismo, sem a fábrica do Xi a produzir barato. A indústria da moda entraria em colapso, muitas das maiores empresas do mundo, como a Nike ou Apple, sofreriam perdas de facturação na casa dos 20%, e a transição energética, seja lá o que isso for, terminava no momento.

Quanto ao Kim, bem, o Ocidente é mais Kims de toalha de piquenique na cabeça (ai que xenófobo, filho!). São bons no petróleo, nos investimentos na bola e na lavagem de dinheiro. É malta que colabora. São fortes no chicote, e na pedrada, mas pelo menos não mandam esquartejar jornalistas em embaixadas localizadas em países estrangeiros. Tirando daquela vez. Que se saiba.

Nada disto invalida, contudo, que o PCP esteja em modo twilight zone em relação a Zelenskyy. Por norma não confio em tipos que encontro em listas como a dos Pandora Papers, ao lado de individualidades como Ihor Kolomoyskyi, mas isso não invalida o óbvio: a ameaça chama-se Vladimir Putin. Por ser um tirano e por financiar tiranetes suas fotocópias na Europa e nos EUA. Zelenskyy é o líder eleito pelo povo ucraniano, goste-se ou não dele. E o seu país foi invadido. Isto não é matéria de opinião. São factos.

O problema do PCP é outro. O de sempre. Chama-se imperialismo norte-americano. E ele existe, no doubt about that. Mas não foram os EUA, nem a NATO, quem invadiu a Ucrânia. Invadiram o Iraque, e muitos outros países, sem outro motivo que não o desejo de controlar qualquer coisa, mas a Ucrânia, essa, foi o Putin que invadiu. E que mandou matar aquela gente toda. E muita da sua também. E que abriu caminho à escassez alimentar e à subida generalizada dos preços. Que trouxe para o debate a ameaça nuclear e o direito ao genocídio. Que ocupou a Crimeia e fez do Donbas a sua proxy war. Não há whataboutism que legitime isso. Ou que apague anos de financiamento à extrema-direita que quer destruir o nosso modo de vida. E que, by the way quer perseguir e matar comunistas.

Zelenskyy pode ser considerado execrável, mas ganhou eleições livres. É o líder democraticamente eleito de um povo com direito à sua autodeterminação. Se o PCP não consegue reconhecer algo tão simples, então não é melhor que aqueles que são incapazes de reconhecer que os EUA não têm direito de inventar armas de destruição maciça para invadir, pilhar e destruir um país.

Comments

  1. Júlio Santos says:

    Todos, ao longo da nossa vida, tivemos “amigos” que, em algum momento, traíram a nossa amizade. Putinhas foi um desses amigos que se deixou fotografar ao lado dos mais importantes líderes ocidentais e, agora, apunhalou-os pelas costas. O PCP nunca traiu os seus comparsas porque sempre se subjugou a eles.

  2. Carlos Almeida says:

    “Zelenskyy pode ser considerado execrável, mas ganhou eleições livres. ”

    Que haja gente que acredita nisso, por varias razões. eu entendo. Mas enfiar a cabeça na areia e não querer perceber o que se passou na Ucrania depois de 2014, e que permitiu a este governo ganhar as eleições, é demasiado grave.

    Estou perfeitamente à vontade, porque nunca simpatizei com o PCP e o com PCUS depois do XX congresso e nem sequer com a URSS / Russia

    Mas apoiar a Ucrania é apoiar os Americanos e seus actos terroristas, na America Latina: Chile em 73, no Brasil, no Peru em 22, etc,etc

    Carlos Almeida

  3. Paulo Marques says:

    Só falta explicar que, com tanto dúvida apesar de tanta certeza injustificada em quem é apanhado a mentir, se deva continuar a confundir o povo com o tema do comunicado, e dar honras que Saddam ou Ghadafi, e bem, não tiveram. Ao menos menos que Sharon, deve ser da companhia com símbolos simpáticos, só supremacista da boca, e dos símbolos, para fora, pois claro, apesar dos relatos por essa imprensa fora. E ninguém faça caso ao apelo constante à terceira guerra mundial, como se a Rússia tivesse tirado hoje o MAD do rabo.
    O PCP devia ter menos rodriguinhos, talvez, mas está bem escaldado, como está literalmente o meio mundo anti-sanções, sobre a “construção de nações” associada com todas as suas justificações, e cujos resultados fazem de Putin um menino do coro, mesmo que, forte e fraco, tendo as costas largas do colapso do podre neoliberalismo que nada tem a oferecer. Até o genocídio se atirou sem mais em menos, quando até os comandantes da NATO, habituados a outras tácticas, estranharam o oposto, já mau que chegue evidentemente.
    O certo é que, contrário ao jurado a pés juntos, não se resolveu nem no verão, nem no natal, nem enquanto houver ucranianos (ou até polacos, quem sabe mais europeus de tão bons regimes) para colocar a Rússia, e depois a China, no seu lugar de subserviência ao capital financeiro ameaçado pelo poder militar que era suposto não ter nada a ver com isto, apesar da fuga das comunicações diplomáticas que revelam que nem o medo é recente, nem é exclusivo a única pessoa com agência mundial. E alguém avisou, e avisa, que quanto mais dura e endurece, pior fica para todos.
    Ficar preocupado com lavar os pés a um dos doidos varridos dos dois lados é um ponto de vista. Como os restantes, ficará na bruma da história duas ou três guerras para a frente.

  4. Pimba! says:

    A grande diferença é que Portugal não atribuiu Ordens da Liberdade a Putin, Xi Jinping, ou ao próprio Kim.
    Zelensky ganhou eleições “livres” (onde metade dos candidatos foram proibidos), e é o líder democraticamente eleito porque prometeu veementemente fazer a paz com a Rússia e combater a corrupção interna.
    Bom, o que veio a seguir… foi um belo nada, e nas eleiçöes antes do início da guerra o seu partido levara só 15% dos votos. Por algo foi.

    Se mais nada, Putin deu uma lufada de ar fresco político ao execrável Zelensky que embora tenha distrubuído compadrios e medalhado neonazis até Janeiro de 2022, de repente se tornou o paladino da “liberdade e democracia”…
    ou será que apenas adiou o inevitável?

    Zelensky lembra-me o Ceausescu. Era igual aos de Moscovo, mas o Ocidente amava-o, porque em 10% do tempo opunha-se a Moscovo.
    Agora é mais do mesmo, Zelensky é só um Putin sem armas nucleares. O meu desejo é que esta guerra acabe com os dois, pois säo as duas faces da mesma moeda.

    • Paulo Marques says:

      Cuidado com o que desejas, ainda pode piorar. E na América também.

  5. Carlos Almeida says:

    Como ja disse antes

    Pouco a pouco, vão aparecendo nos meios de CS alguns factos sobre os crimes cometidos pelos nazis ucranianos a seguir a 2014

    Na RTP

    Sobrevivente da “revolução Maidan” conta como se empenhou em luta subversiva

    https://www.rtp.pt/noticias/mundo/sobrevivente-da-revolucao-maidan-conta-como-se-empenhou-em-luta-subversiva_a1468670

    Claro que não estou à espera que aparecem as verdades no Canal americano CNN

  6. Carlos Almeida says:

    Quem estiver interessado em conhecer mais coisas da Ucrania, que não seja filtrado antes pelos “democratas” ocidentais

    Aqui vai no youtube

    https://youtu.be/nWr9jUxeV5A

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