Conversas vadias 4

Mais um périplo dos  vadios pela passagem do Porto aos quartos-de-final dos Campeões Europeus, pelas emoções e pelas azias, passando pelo PCP e pelo PS, a Comunicação Social e suas (in)tolerâncias, Tancos, Sporting, Santana Lopes, o Calimerismo, O Independente e Cavaco Silva, Roquete e o vinho, confinamento e a Via Norte.

Os aventadores vadios são António Fernando Nabais (moderador/provocador), Fernando Moreira de Sá, Orlando de Sousa, José Mário Teixeira e João Mendes. Tudo com a assessoria do ausente especial Francisco Miguel Valada.

Conversas Vadias
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Conversas vadias 4
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O Homem-robot

É uma operação cirúrgica já quase rotineira, esta de colocar uma bateria e um desfribilhador debaixo da pele de um de nós.

Quando o coração já não responde, começa a ficar grande e pouco flexível e precisa de ajuda para continuar a bater, o aparelhinho encarrega-se da tarefa.

Um amigo meu foi submetido a essa operação há dois dias e pediu-me para o ir buscar ao hospital. Estive com ele umas duas horas a assistir aos testes finais médicos e informáticos para ver se tudo estava bem e poder ter alta.

Dois jovens médicos apareceram com um PC portátil, ligaram-no ao braço do meu amigo e começaram com os testes, tudo a ser visionado num ecran igual a este em que escrevo. Não se assuste, sr. Guerra, que agora vamos acelerar, e o ritmo no visor acelerava mesmo…

Os testes continuaram e antes de terminarem passaram à fase das explicações, não faça isto, não faça aquilo, durante as próximas semanas assim, nada de esforços e, por último, os documentos da garantia. Como funciona, o que deve fazer nas mais diversas situações, número de telefones para pedir auxílio em caso de…

Durante a viagem até casa dele, em Santarém, fui sempre a pensar no amigo que levava ali ao lado, afinal o coração já se teria habituado a ter uns fios a mais dentro de si?

O coração do Zé já não acelera com a paixão, nem com as emoções do dia a dia, agora acelera com uma “pilha” que, tipo gerador, arranca quando a luz vai abaixo, pode durar até oito anos conforme o trabalho, se arrancar demasiadas vezes a pilha gasta-se.

Sem nos darmos conta, a tecnologia vai ,não só tomando conta da nossa vida, mas também da nossa saúde, com as pilhas, as cabeças do fémur de metal  que fazem barulho quando as suas proprietárias se mexem.

Dentes artificiais branquíssimos, cabelo para a vida toda, um pénis do tamanho que quisermos ( não garanto), umas mamas ao pescoço de tão firmes…

Ainda ouvi a Ana, a mulher do Zé, dizer-lhe: passas a dormir no outro lado da cama. Vá lá, receei que a pilha tivesse, logo na primeira noite, um enorme desgaste…

Mr Holmes e doutor Watson

É um filme que se vê bem, com as deduções do Mr Holmes que só ele consegue fazer a partir de pormenores que só ele vê.

A “visão americana” do filme é que está a mais, há cenas de pancadaria de ferver, efeitos visuais e coisas que tais que os americanos fazem, muito menos interessantes que o ambiente de ” jogo de xadrez” para inglês ver .

Há tambem umas paixões dependuradas, mal resolvidas, em que o Mr. Holmes deixa que as emoções travem o passo ao “raciocinio” , o que quase lhe foi fatal, e o doutor Watson anda às voltas com uma noiva que o Mr. Holmes tenta afastar por todos os meios.

Tudo realizado pelo senhor Ritchie, ex da Madonna. Esta é que  anda agora a namorar com um jovem de 21 anos brasileiro, chamado Jesus, e não teve  disponibilidade para fazer uma das “almas danadas” que apimentam o filme.

Divirtam-se que isto é bom mas dura pouco!

Falando de sentimentos

Falando de sentimentos

 Ao ler o magnífico texto de Raul Iturra, “ No rasto da sexualidade caminha o amor…”, eu gostaria de deixar aqui a minha humilde opinião acerca deste e de outros sentimentos. Tenho muita dificuldade em dissecar os sentimentos (diferentes de pessoa para pessoa) isto é, em definir as incomensuráveis formas e manifestações dos sentimentos, até porque antes dos sentimentos há as emoções (diferentes de pessoa para pessoa), que lhes dão origem, e antes das emoções (diferentes de pessoa para pessoa) há as imagens (diferentes de pessoa para pessoa) resultantes dos estímulos que as provocam e aos quais cada pessoa reage de forma muito diferente, conforme o seu padrão neural.

Sem falar na apropriação do sentimento (o sentimento de si), na reflexão e na consciência que sucedem ao sentimento (diferentes de pessoa para pessoa). A emoção causada pelo apontar de uma arma, por exemplo, e o sentimento de medo, bem como a reflexão e a consciência a que leva essa emoção são muito diferentes entre um filho meu e um filho das favelas do Rio de Janeiro.

Assim sendo, os sentimentos constituem um mundo tão vasto de diferenças que me parece podermos incorrer em algum grau de estultícia, ao pretendermos dissecá-los, dimensioná-los, fraccioná-los, escaloná-los, hierarquizá-los, atribuir-lhes uma cronologia e uma metodologia intrínsecas, fora do campo neuro-científico. E mesmo aí (!?), quando o conseguiremos? Penso que nem é muito seguro abordá-los com algum grau de confiança dentro dos campos da psicologia, da filosofia e da sociologia. Há um único contexto em que me parece legítimo atrevermo-nos a abordar parcialmente e de forma particular os sentimentos e com eles lidar como matéria, contexto esse que se situa apenas no campo da arte. No seio do contexto poético, literário e musical, por exemplo. Mesmo assim, com a prudência de nos contentarmos apenas com a plumagem, as cores, a luz e o som.

Quando a “Biologia do espírito” for uma ciência incontestável dentro da neurobiologia, como espero, aí sim, podemos analisar e dissecar os sentimentos como fazemos hoje com as orações de um texto. Sem medo de que eles percam a beleza da mais nobre essência do ser humano.