Palavra do ano em 2017

Plutocracia“.

A reabilitação de João Franco

Num daqueles impulsos que tão bem o caracterizam, o senhor doutor Mário Soares ainda acusa o corte de subsídios desfechado sobre fundações privadas que medram com dinheiro público. Agora, numa revanche à la française, decreta a urgência da corrida a pontapés do governo saído de uma maioria eleita há pouco mais de um ano. Deve andar bem influenciado pela nova praxis imperial sediada em Bruxelas, trauteando a conveniência do encontrar de um luso-Monti  que satisfaça os apetites da tal Europa federal que continhas bem feitas, não existirá.

João Franco governou por decreto, mas com eleições marcadas para 5 de Abril de 1908. Mário Soares inverte a situação: fazem-se eleições e depois arranja-se um governo que nada tenha a ver com as ditas cujas. No tempo de D. Carlos I, governar com liberdade de imprensa e de reunião, mas através de decretos que não iam ao Parlamento, chamava-se – abusivamente, é verdade – governar “em ditadura”.

O único problema a colocar aos entusiastas de soluções expeditas gizadas pela plutocracia, consistirá no seguinte: no circo da política nacional, não existe alguém que remotamente chegue à unha negra do pé esquerdo de João Franco. Percebeu, Dr. Soares?

Um Feliz Natal SEM consumismos!

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Este cavalheiro branco e azul – lá teria de ser – é português, chama-se Kao (branco) e deseja a todos um Feliz Natal. Já agora, aproveitem para não colaborar com as plutocráticas grandes superfícies que infelizmente não vão entrar em greve. É uma época de juízo e não de desvarios.

Uma estória de brancos

 

Um diplomata estrangeiro deu-me a prova dessa revindicta. Ao aproximar-me dele, como sempre com o maior dos sorrisos, recusou-se apertar-me a mão dizendo "dont shake hands with a monarchist". Fiquei banzado mas fiz-lhe a vontade: nunca mais me verá à frente, tremendo orgulhoso que sou. Acresce que nada lhe devo e se alguém deve algo a alguém pedir-lhe-ia os livros que lhe fui emprestando ao longo dos tempos e que nunca teve a elementar educação de devolver à proveniência.

 

Nasci numa colónia e embora tenha vindo para Portugal Continental muito novo, sempre tive a plena consciência do pendor europeu para em tudo  e sobre todos ter uma lição a dar. Aos nativos africanos, a alvorada propiciada por um deus verdadeiro e as delícias do roçar do pano das calças, substituindo a nefanda tanga. Aos chineses, o necessário corte da trança ancestral, a europeização dos Chang Li que passam a ostentar o formidável Alfred  Hubert Li-Chang, convencendo-o simultaneamente a desfazer-se de lacas e charões, para usufruir plenamente do lixo Ikea e adjacentes. Enfim, é um tique que nos ficou de quinhentos anos de domínio pela graciosa mercê de colubrinas, cartas de corsário, razias "por bem", prazeirosos ópios e e assimilação do conceito de alargado concubinato em tempo de comissão. 

 

 

Este texto do Miguel, é elucidativo e sei perfeitamente a quem ele se refere, na pessoa da tal muito pouca diplomática figura. Embora não conheça o degustador de croquetes, a criatura faz decerto parte daquele exclusivo círculo de parasitas que de comenda ao peito e chauffeur na rua, gozam as delícias de uma embaixada num país solarengo, rico em gastronomias e outros fartos prazeres mundanos. Um sonho, apimentado por beldades ao alcance do lançar da rede do dinheiro fácil. E tanto mais estranha se torna a situação, quando sabemos que uma regra elementar da diplomacia internacional, consiste em manter os estritos preceitos da cortesia e boa educação que o supracitado indivíduo – de que país será? – não conhece. E mais ainda, referindo a "monarchist condition", balela vomitada num súbito ataque de aguda grosseria, pois se há coisas com que os tailandeses não transigem, é a falta de respeito para com a instituição real. Se o diplomata é de tal categoria, imagina-se então o calibre de quem o terá nomeado para esse cargo…

 

Os acontecimentos tailandeses denotam a persistente tentativa ocidental de tudo pretender formatar à medida dos interesses daquilo a que em Lourenço Marques designávamos de "cães grandes", ou seja, os que querem, mandam e podem, sem que para isso, haja uma razão que minimamente roce a racionalidade explicativa do privilégio.  A chamada União Europeia, mostrengo sem qualquer interesse que apele ao idealismo dos seus fundadores do pós-guerra, é o exemplo perfeito. Estrutura prepotente, absurda na sua sanha  de conquista de um sonhadolebensraum – que perdeu nas antigas colónias -, estabelece limites, calibra consciências e imita exactamente os chineses de outrora, que ao enfaixar os pés das garotinhas, satisfaziam um muito discutível  conceito estético, sem que o sofrimento alheio lhes causasse a mínima perturbação. Eles o querem e assim terá de ser, para poderem continuar a repartir lugares cativos, altissonantes nomes de departamentos vazios de conteúdo ou acção e o benefício da impunidade que otem que ser  obriga.

 

Mesmo na "Europa" – já agora um termo-conceito  que detesto visceralmente, pois português sou e português morrerei – , a pesporrência dos ditadores  mangas-de-alpaca que pontificam em Bruxelas e na germânica Estrasburgo, impõe ciclicamente a conveniente repetição de referendos intramuros e a Dinamarca já foi vítima desse tipo de chantagem de contornos tão mais escabrosos, porque se baseia sempre na ameaça da rendição forçada pela fome e prometida pobreza dos visados. Segui-se-á brevemente a verde e brava Irlanda. Para as sanguessugas que hoje nos surgem tão claramente nos irisdiscentes ecrãs televisivos dos noticiários das oito da noite, os desejos do clã devem ser lei geral para os comuns mortais, habilmente disfarçados aqueles, com generosas tiradas  acerca dos "caminhos do progresso", das "igualdades de direitos", ou a risível pseudo-cidadania que lhes convém. Após uma farta almoçarada debitada nas despesas de representação do organismo ou empresa que mensalmente lhes recheia os bolsos, lá discutirão entre um on the rocks e uma falhada tacada de golfe, os vai-vém dos activos e passivos on-line dos subprime e dos shares, o melhor local onde guardar os virtuais números propiciados por uma golpada além mar, ou a mais refinada branca à venda pelo fornecedor do costume que por acaso, até é colega no desporto de eleição. E chega esta gente à chefia de Estados!

 

Nós, os brancos*, parece termos um código genético particular, que num dado momento no tempo, despoleta um rol de cataclismos que como numa erupção vulcânica, incendeia, destrói e cobre de magma, comunidades outrora pacatas, felizes dos seus usos, costumes e tradições. A nossa brutal indiferença europeia a um bom dia, a um sorriso à entrada de uma loja, ao desaparecido acto de cortesia de deixar alguém passar, arrasa a reputação dos antigos conquistadores de liberdades e de mundos, amesquinhando-nos à condição
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e directos descendentes dos homens das cavernas que ainda há pouco ocupavam esta minguada península da Ásia, que a vaidade dos seus habitantes atreve a chamar "continente".

 

Liquidámos os índios na América do Norte e na sua congénere do Sul, reduzimos aquela gente à condição de ilotas que assistem sem esperança, a uma sucessão de regimes onde pontificam idiotas, criminosos de delito comum, coristas alçadas à condição de santas e vigaristas de toda a ordem e feitios. Na Ásia, quisemos "democratizar" a Índia, mantendo-lhe o sistema de castas – honra seja feita à excepção lusa nos territórios que administrou -, sugando-lhe a outrora pujante força pré-industrial que nos inundou de luxos durante séculos, ao mesmo tempo  que desenhávamos as fronteiras conflituosas que hoje ameaçam o mundo com a tragédia nuclear. Na Indochina, a estúpida e republicana França dos Iluminados, liquefez o ancestral substrato em que harmoniosamente assentavam as populações que desgraçadamente caíram sob o domínio da força das suas canhoneiras e o resultado oferecido pelo Vietname, pelo Laos ou Camboja, são afinal, o completo desmentido de uma certa ideia das luzes que afinal jamais existiu. Por onde passaram, deixaram a fome, a guerra e uma devastação jamais vista nas suas milenares sociedades e História. Na China, foi o que sabemos: durante mais de um século tudo tentámos para liquidar um império ancestral, inventando lendas e estorietas de cordel e afinal, acabámos por conseguir condescender com um regime espúrio de doutrina alemã que chacinou mais de um cento de milhões e que hoje qual vaga de tsunami, ameaça arrasar-nos com uma inundação de produtos industriais que enviam os europeus e americanos para o desemprego maciço. Para não mencionar detalhadamente os crimes que os portadores do "facho da cultura ocidental" cometeram durante a investida aos monumentais centros históricos chineses, esmagando porcelanas, reduzindo a pó preciosidades de jade, queimando ancestrais edifícios de rendilhada teca e profanando o trono imperial com o sujo traseiro do parisiense diplomata de serviço.

 

Porque ameaçava a nossa periclitante e já ultrapassada supremacia, fizemos cair o Xá. Encolhemos os ombros perante o massacre inútil de milhões de japoneses em 1945. A propósito do Iraque, houve quem batesse as palmas em louvor do massacre do adolescente Faiçal II, substituído por uma progressista cáfila de bandidos a soldo dos armeiros de Moscovo, Paris, Washington e Londres. Na China, fechámos os olhos à mortífera aplicação da assassina ideologia europeia que engendrou o maoísmo. E podíamos continuar noite adentro, indefinidamente, tal é  a lista de imundícies a apontar.

 

Agora, parece ser a vez da Tailândia, o único país da região que jamais foi colónia europeia. Um país onde os brancos foram populares e tratados como iguais, sem os constrangimentos impostos pelos complexos de inferioridade herdados da colonização.  Os brancos querem impor ao povo, as mesmas cinzentas, feias e desprezíveis criaturas que na sua versão ocidental, vemos todos os dias desfilar em páginas e páginas de roubos, escândalos, manipulações e vigarices de toda a ordem. O senhor Thaksin tem os seus irmãos de sangue em Paris, Washington, Londres, Madrid e até nesta Lisboa em que vivemos. Como eles, controla bancos, televisões e "centros de aplicações financeiras", nome etéreo para antros de falcatruas. Liquida inimigos, tem as mãos medonhamente sujas. É farinha do mesmo saco, ou vinho da mesma pipa.

 

Ah, como às vezes compreendo a revolta dos boxers!

 

 

 

 

O equívoco da plutocracia

  

 

 

 

 

 Desde que deixei de pertencer ao grupo coral da igreja de Santo António da Polana (Lourenço Marques, Moçambique), raras foram as vezes em que presenciei à celebração de uma missa. Respeitando a Igreja e as suas tradições como é normal em qualquer português consciente do importantíssimo papel por ela desempenhado durante os séculos da formação da nossa nacionalidade, confesso não ter sido bafejado pelo sopro redentor da Fé. Talvez por ignorância ou atávica preguiça, os textos sagrados foram lidos como curiosidades filosóficas, histórias exemplares para a formação da conduta da res publica, ou no pior dos casos, como frutos da superstição necessária que consolidou gentes esparsas num mundo que já foi muito maior.

 

  O discurso pronunciado há uns tempos por Bento XVI em França, carece de cuidadosa atenção. No país de todos os laicismos e de todas as superstições iluministas, o Papa procedeu a um violento e implacável ataque a este novo capitalismo dos nossos dias que parece ameaçar a própria existência da até agora vitoriosa civilização ocidental liberal. Este chamado capitalismo que desde os anos oitenta do século XX foi sendo crismado consoante o surgimento deste ou daquele grupo de manipuladores do sistema, é um perfeito mas odiado desconhecido. Não se lhe reconhecem quaisquer regras nem limites. Não é um capitalismo quantificável em obras, nem materializável em metal sonante.

É uma simples e quimérica abstracção de números e de equações ou teoremas, quantas vezes imaginários, mas  que controlam efectivamente a vida de todos, desde o mais ignoto habitante da Matabelalândia, até ao refastelado accionista do NASDAQ novaiorquino.  Longe vão os tempos dos empreendedores florentinos que se alçaram à categoria principesca pelo patrocínio do Renascimento, pela criação material que fez o mundo ocidental saltar etapas e libertar-se da tacanhez territorial de uma Europa fria, pobre, suja, feudal e sem reminiscências daquele luxo oriental que auferira durante dois milénios.

Já não existem Médicis, nem Függers e no horizonte, erguem-se os guindastes que possibilitam a construção de novos polos económicos que nada têm que ver com a produção de novidades, a promoção de postos de trabalho que tranquilizam a sociedade, ou pelo menos, que se destinem a embelezar a vida dos centros urbanos. Estas provisórias torres de aço, gigantescos Meccano que parodiam aquele famoso guindaste medieval que durante séculos foi erguendo a Catedral de Colónia, servem apenas a mera especulação. Constroem casas de minguada dimensão, sem real valor de investimento e que se inserem naquilo que o medo incutido pela insegurança, habilmente designa por condomínio.

É este mundo de medo e de condomínios que arruina a segurança física e mental de todos. Medo do vizinho que menos pode, medo do estrangeiro que connosco se cruza na rua sem em nós sequer reparar, medo do continente mais a sul, mais a leste ou a  ocidente, onde se trabalha para uma improvável perdição dos nossos.

O simples exercício de um quarto de hora de zapping televisivo, demonstra-nos a fragilidade de todo um sistema perfeitamente virtual e logicamente dispensável. Uma breve visita ao canal Bloomberg ou à CNBC,  consiste num quase paranóico exercício de masoquismo, pois a linguagem cifrada da especulação mais chã e despudorada, evidencia-se na interminável passagem de cifras, siglas, onde uma multiplicidade de termos ininteligíveis procuram conformar aquilo que para a quase totalidade dos cidadãos é absolutamente inexplicável. Consiste num mundo de fantasia alicerçada no éter das suposições de uma economia que não encontra correspondência material na realidade visível. Os serviços – ou aquilo que se imagina existir como tal -, ocupam plenamente o espaço outrora reservado aos golpes de génio de cientistas e estudiosos que mediante aturado labor, nos deram mais tempo de vida, conforto e democracia no consumo acessível para aqueles que jamais conheceram algo mais que a miserável farpela que os protegia do frio, ou a malga de sopa e o bocado de pão que enganava a fome. Longe vão os tempos dos titãs da indústria e da finança. Onde estão os Krupp, os Thyssen, os Vanderbilt, Hearst ou Citroën? Onde param as portentosas realizações sociais daquelas empresas que dentro dos seus muros incluiam creches, hospitais, escolas técnicas, primárias e laboratórios de pesquisa onde o mais humilde podia ambicionar a glória da ascensão pela simples manifestação do talento? Onde estão os herdeiros dos Luíses XIV ou Joões V que  imortalizaram na pedra os sonhos de grandeza e nos proporcionam aquilo que orgulhosamente exibimos como a nossa cultura? Onde estão aqueles Alfredos da Silva que construíram impérios, arrancaram milhares à gleba ancestral e impeliram ao estudo várias gerações que nos deram o mundo moderno de que desfrutamos despreocupadamente e de forma tão ingrata?

 

Este capitalismo dos nossos dias, não é o capitalismo do conceito que aprendemos e que muitos até reprovaram de forma violenta, acabando-o até por copiá-lo travestido de estatismo. É algo de profundamente nefasto, mesquinho e brutal no seu apetite de exploração. Trata-se de uma manipulação iconoclasta que não conhece nações nem fronteiras, que não respeita homens ou locais de trabalho e que para cúmulo da nossa previsível infelicidade, abre de par em par as até agora bem aferrolhadas portas do nosso mundo, possibilitando o ímpeto oportunista de novos comunismos ou aventureiros de ocasião, desta vez providos do ensinamento da História e dos impiedosos recursos tecnológicos que farão sentir o esmagador peso de uma inaudita opressão. É isto o que o futuro parece reservar à totalidade das nações e países, mas teremos ainda a possibilidade de o esconjurar?