“O lugar onde eu fiquei”

“O lugar onde eu fiquei”, uma grande reportagem de Catarina Canelas, com imagem de João Franco e edição de imagem de Miguel Freitas – TVI.

Clique para ver: O lugar onde eu fiquei (parte 1)

A reabilitação de João Franco

Num daqueles impulsos que tão bem o caracterizam, o senhor doutor Mário Soares ainda acusa o corte de subsídios desfechado sobre fundações privadas que medram com dinheiro público. Agora, numa revanche à la française, decreta a urgência da corrida a pontapés do governo saído de uma maioria eleita há pouco mais de um ano. Deve andar bem influenciado pela nova praxis imperial sediada em Bruxelas, trauteando a conveniência do encontrar de um luso-Monti  que satisfaça os apetites da tal Europa federal que continhas bem feitas, não existirá.

João Franco governou por decreto, mas com eleições marcadas para 5 de Abril de 1908. Mário Soares inverte a situação: fazem-se eleições e depois arranja-se um governo que nada tenha a ver com as ditas cujas. No tempo de D. Carlos I, governar com liberdade de imprensa e de reunião, mas através de decretos que não iam ao Parlamento, chamava-se – abusivamente, é verdade – governar “em ditadura”.

O único problema a colocar aos entusiastas de soluções expeditas gizadas pela plutocracia, consistirá no seguinte: no circo da política nacional, não existe alguém que remotamente chegue à unha negra do pé esquerdo de João Franco. Percebeu, Dr. Soares?

A questão dos adiantamentos (Centenário da República)

Temos estado a analisar os principais motivos que conduziram à queda do regime monárquico. O Ultimato, o 31 de Janeiro e a questão dos tabacos foram muito importantes nesse percurso, sem esquecer os escândalos da vida pessoal do monarca, uns verdadeiros, outros inventados ou exagerados. Outra tema explorado pela propaganda republicana e pela dos monárquicos dissidentes foi a dos adiantamentos à casa real. E no que consistia isso?

Era prática corrente desde D.João VI, o ministério da Fazenda ir cobrindo despesas que a família real fazia e que excediam as verbas atribuídas, com adiantamentos em dinheiro. Como os adiantamentos de um dado ano civil não eram cobertos por descontos na verba institucionalmente atribuída no ano seguinte, o défice destes adiantamentos (realizados à margem da lei e da intervenção parlamentar) ia acumulando-se. [Read more…]

A questão dos tabacos (Centenário da República)


A antiga Fábrica de Tabacos de Xabregas

1906 foi um ano crucial no desgaste do regime monárquico. Para além da crise política que vinha de trás, a questão dos tabacos e a dos adiantamentos à casa real, embora correspondendo a factos e a erros ou atropelos da legalidade por parte dos sucessivos governos, foram aproveitados pela máquina de propaganda republicana (e não só).

Vejamos a questão dos tabacos. Não vos vou contar a história desde o princípio, de como a partir do século XVI a planta começou a ser introduzida na Europa. No século XVIII, em Portugal, o negócio do tabaco era já significativo. Uma lei de 1736, assinada por D. João V, proibia a entrada de planta estrangeira, em Portugal e em todos os territórios administrados pela Coroa. [Read more…]

A Carbonária, a «Coruja» e a conspiração do Regicídio – 1 (Centenário da República)

Com mais este terceiro texto (desdobrado em dois) sobre o tema do Regicídio encerrarei, para já, este assunto. Com a plena consciência de que muito (ou mesmo quase tudo) fica por dizer. Tendo servido de assunto a muitos livros, a questão do Regicídio não se esgota em pequenas crónicas que, como esta, apenas permitem aflorar, muito superficialmente, alguns aspectos. Nos textos anteriores, além de um enquadramento político do atentado, vimos como ele se passou.

Como disse no texto anterior, todas as reconstituições iconográficas do Regicídio são, no mínimo imprecisas. A que vemos acima é, apesar de tudo, uma das menos fantasiosas. O cenário está perfeito, é a Rua do Arsenal sem invenções. O Costa está a ser agarrado pelo cívico que lhe vai disparar um tiro na cabeça. Mas, à esquerda vemos Buíça, que tinha ficado no Terreiro Paço e ali terá sido acutilado e morto. Todavia, mesmo com este erro, talvez seja, entre as muitas dezenas de reconstituições que vi, a que menos mente.

Em todo o caso, ficou na sombra algo que nunca se esclareceu. No Terreiro do Paço, além de Buíça e de Costa, quantos mais elementos intervieram. Pela peritagem da Polícia Científica, chega-se à conclusão de que foram pelo menos cinco, os que participaram no atentado. É uma evidência que os projecteis encontrados, nos corpos, no landau, nas arcadas, foram provenientes de cinco armas diferentes, embora duas delas fossem iguais – carabinas Winchester de calibre 351.

Identificou-se também as munições de calibre 7,65, da pistola Browning do Costa. No landau, foram encontrados vestígios de projécteis de calibre 6,35 e, também no landau, a perfuração de um projéctil 5,5 do chamado tipo «Vello-dog», revólveres de pequeno calibre e fraco poder de penetração que os ciclistas usavam para afastar os cães. [Read more…]

Ainda o Regicídio (Centenário da República)

Este texto é um apêndice de um outro que aqui publiquei no dia 1 de Fevereiro. Como disse na altura, o meu intuito não é resolver o mistério do Regicídio, mas sim esclarecer sobre o que se passou na tarde daquele dia, em 1908, no Terreiro do Paço. Não porque não gostasse de desvendar esse mistério, mas porque os dados que permitiriam saber o que verdadeiramente esteve por detrás do atentado têm sido sistematicamente ocultados.

Embora se saiba, sem margem para dúvidas, que uma conjura de monárquicos, mais concretamente de gente da Dissidência Progressista, liderada por José de Alpoim e pelo visconde da Ribeira Brava, esteve na base da conspiração. Diz José Luciano de Castro, em «Documentos Políticos»: «Os dissidentes, que para a generalidade do país, são os principais responsáveis da tragédia do 1 de Fevereiro de 1908, e que, se não destruíram a monarquia foi porque não puderam».

No meu romance «A Sinfonia da Morte» encontro uma explicação plausível e na qual acredito; mas trata-se de uma ficção, onde as suposições (plausíveis ou não) são permitidas. Inclusivamente, nos chamados romances históricos, é pelos hiatos da documentação histórica que a teia da ficção passa e se constrói. Mas hoje, ainda não vos falarei da tal célula clandestina dentro da própria Carbonária, a «Coruja» que terá, segundo se julga saber, planificado o crime. Isso ficará para um outro texto. Hoje vou falar do que se passou no Terreiro do Paço em 1 de Fevereiro de 1908, cerca das 17 horas. [Read more…]

O Regicídio (Centenário da República)

Já muita coisa foi dita sobre o Regicídio de 1 de Fevereiro de 1908, data sobre a qual passa hoje o 102º aniversário. As versões do que se passou são muitas e, segundo pude apurar, raramente se aproximam da verdade. As que li nos jornais da época, contradiziam-se entre si. As próprias imagens divulgadas não são aceitáveis. Por exemplo, o desenho que vemos acima, publicado na «Ilustração Portuguesa» (e reproduzido de uma revista de Londres), não é rigoroso. A perspectiva que vemos só poderia ter sido tomada já na Rua do Arsenal. Ora, o Buíça que vemos a ser acutilado pelo oficial da Guarda, ficara ainda no Terreiro do Paço, de onde disparara, aí sendo morto.

Aliás, está errada, como todos as outras reconstituições que foram aparecendo em publicações portuguesas e estrangeiras, dezenas e dezenas de versões iconográficas do atentado. São todas elas mais ou menos fantasiosas. Ou seja, podem ter um ou outro pormenor correcto, mas logo falham, por exemplo, na localização dentro do landau dos quatro membros da família real, no posicionamento dos regicidas ou na correcção do cenário. [Read more…]

Centenário da República: o 28 de Janeiro de 1908

Vou hoje lembrar o dia 28 de Janeiro de 1908, um marco na caminhada para a proclamação da República. Porque o Partido Republicano não fora criado com o objectivo de ser mais um partido a participar nas disputas parlamentares. O objectivo dos republicanos era, desde o início, a tomada do poder, o derrube da Monarquia, a proclamação da República.

Sabendo-se isto, é evidente que o comportamento dos partidos monárquicos e do próprio rei, não foram os mais adequados. Pelo contrário – com displicência de quem nada teme, foram, dia a dia, caso a caso, escândalo a escândalo, fornecendo achas para a fogueira em que a Monarquia se iria consumir.

Os partidos do Poder estavam fragilizados. Em 1901, João Franco, seguido por 25 deputados, saíra do Partido Regenerador, criando o Partido Regenerador Liberal. No Partido Progressista dera-se também uma cisão: em 1905, José Maria Alpoim, visconde da Ribeira Brava, com mais seis deputados, saiu e criou a Dissidência Progressista. Verificando o rei D. Carlos que a rotatividade entre os partidos Progressista e Regenerador não correspondia às exigências da governação, estabeleceu em 1907 uma ditadura administrativa com João Franco à cabeça.

Neste quadro em que os partidos se digladiavam, enfraquecidos internamente, e a própria Casa Real se desacreditava com a questão dos adiantamentos, com o despesismo ostensivo de D. Carlos e com uma crónica de escândalos que o monarca alimentava, o Partido Republicano movia-se com facilidade, explorando os erros cometidos pelos adversários. E gozava de um amplo apoio popular, pois o povo vivia mal, como sempre vivera, só que agora, mercê da propaganda republicana, tomava consciência da sua miséria. Brito Camacho, dizia sobre João Franco, “havemos de obrigá-lo a transigências que rebaixam ou às violências que comprometem”. [Read more…]