De como a perspectiva nos interpela e invoca

A lamentação de Cristo, tema que apenas surge após o sec. XI sem qualquer ligação bíblica, nunca antes nos fora mostrado como Andrea Mantegna o fez, sem ser enquadrado na sua deposição da cruz amparado por várias personagens, ou ao colo de Maria.

Andrea_Mantegna_Lamentação_de_Cristo

Mantegna oferece-nos um corpo não definhado nem débil, mas forte, apesar de já exangue, depositado sobre uma laje, evidenciando as perfurações a que foi submetido nas mãos e nos pés, com os rostos de Maria, S. João Evangelista e, possivelmente, Maria Madalena, sem aflorar seus olhos, com expressões realistas de lamento em horror e incredulidade. A própria expressão facial de Cristo não é de dor ou fraqueza como era habitual evidenciar, dividindo-se entre lábios serenos e preocupação no sobrolho.

Não sabemos se a desproporção entre a cara de Cristo e os de Maria, S. João Evnagelista e Maria Madalena foram propositados ou se ficou a dever-se a incapacidade técnica de Mantegna, no entanto, apesar do realismo das expressões faciais o que nos invoca é o desenvolvimento da perspectiva do corpo que jaz, como qualquer outro humano, num contínuo crescendo de força culminando num torso pujante, em contraste com a paz dos lábios e a preocupação do sobrolho, talvez a pretender simbolizar que a vida não foi em vão nem o sofrimento o esmoreceu, antes consciente do quanto teríamos ainda de sofrer para nos aproximarmos do que pregou.

Pormenores técnicos podem ser mais particulares e desenvolvidos, mas o que sempre mais me interpelou e invocou não foi o horror da lamentação, mas a perspectiva, a perspectiva de Montagna de assim perceber e conseguir mostrar a sua visão da vida de Cristo através de um corpo que jaz.

PS: Pintura de Andrea Mantegna, “Lamentação sobre Cristo Morto” (1475?, 1478?), exposto na Pinacoteca de Brera, Milão.

Comments

  1. Atento/sempre says:

    Muito interessante… não sei se os católicos/cretes, vão gostar…

    • Sou católico, sou crente, já estive em frente a este quadro em Milão, e gostei e gosto. Porque não haveria de gostar?

  2. Bom.

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