O brunodecarvalhização do Sporting

Fotografia: Miguel A. Lopes/EPA

Olhando para aquilo que foi a época futebolística do Sporting, a coisa não correu assim tão mal. Os leões ganharam a Taça da Liga, estão na final da Taça de Portugal, fizeram uma campanha muito digna na Liga dos Campeões, apesar do fosso que existe entre o Sporting (e qualquer equipa portuguesa) e equipas como o Barcelona ou Juventus, e por pouco não conseguiu o segundo lugar da Liga Portuguesa. Apesar de Bruno de Carvalho.

Para quem quer ser campeão, claro, tudo isto poderá saber a pouco. Ou a nada. Mas também podia ter sido muito pior. Não obstante, estes resultados não justificam, nem de perto, aquilo que ontem se passou. Nada justifica. Por isso é que o lugar das pessoas que ontem invadiram a academia de Alcochete, armados como criminosos que são, e que agrediram técnicos e jogadores, é a prisão. Algo que, muito provavelmente, não irá acontecer. O que é uma pena. O lugar dos delinquentes é na cadeia, para bem dos restantes, aqueles que vivem dentro de certos limites de civilidade, e que têm o direito a viver sem o medo constante de ser aterrorizado e espancado por grunhos acéfalos.

Mas os incidentes graves, entre adeptos e elementos ou representantes de clubes de futebol portugueses, ou entre adeptos de clubes diferentes, não são uma novidade por cá. Já vimos este filme, várias vezes, com outros protagonistas bem conhecidos. Aqui e em quase todo o lado do mundo onde se joga futebol. Porque há algo no futebol que transfigura as pessoas, umas mais que outras, e que no limite as torna imunes ao bom senso, à racionalidade e, no geral, à sanidade mental.

Porém, não tenho recordação de nada assim. Pelo menos por cá, onde os adeptos não são propriamente os homens das cavernas que enchem os estádios na Turquia, na Sérvia ou na Argentina. Não me passava pela cabeça que haveria de ver um grupo de algumas dezenas de adeptos, a entrar pela academia do Sporting como se nada fosse, para intimidar e agredir atletas e equipa técnica. Bas Dost afirma que os ferimentos que correram o mundo foram provocados com um cinto. Um cinto! Estão a imaginar um grunho a tirar o cinto das calças para bater num ídolo do seu clube, por sinal um excelente jogador que se farta de marcar golos e dar alegrias aos adeptos? Eu também não.

O que eu também não imaginava é que um dia veria um presidente de um clube de futebol a discutir com comentadores de programas televisivos. A recorrer constantemente ao insulto. A incendiar as redes sociais em prejuízo dos seus. A atacar os atletas no Facebook, após um jogo europeu contra uma equipa fortíssima como o Atlético de Madrid, antes mesmo de falar pessoalmente com eles. A fazer julgamentos sumários e a anunciar suspensões publicamente, como se a vida interna do Sporting fosse um directo da Casa dos Segredos. A criar divisões. A usar um discurso beligerante. A arrastar o bom nome do clube para a lama. Mas vi. Bruno de Carvalho fez tudo isto e muito mais. E a brunodecarvalhização que provocou no Sporting trará consigo consequências muito graves, a começar pela debandada que terá início logo após o apito final do jogo da Taça.

Por algum motivo, que claramente me ultrapassa, Bruno de Carvalho entenderá que esta é a estratégia de gestão que melhor serve o clube. Como adepto de um dos seus rivais directos, o FC Porto, lamento a ausência de um Sporting forte, que engrandeça o futebol português e a competitividade da nossa liga. Bruno de Carvalho, que muitos sócios e adeptos do Sporting ainda apoiam, poderá até ter feito coisas boas pelo clube. Mas a sua toxicidade discursiva destrói tudo em seu redor. Destrói e contamina. E quando um presidente enxovalha o clube a que preside e os atletas que o representam, ao vivo e em directo, vezes sem conta e sem o mínimo de respeito pelas pessoas fazem a instituição Sporting funcionar, que esperar dos adeptos mais fanáticos e radicais?

Comments

  1. José Almeida says:

    Despois do Apito Dourado, dos emails e das toupeiras, e agora das suspeitas no Sporting, sinto-me pegajoso e enojado. Fiz um género de eutanásia com o tabaco depois de 34 anos de vicio doentio, não será difícil desligar a TV para sempre. Fica o resto e o resto é seguramente mais que tudo. Não me vou refugiar num templo remoto na Tailândia, nem vou dizer um ‘até amanhã camaradas’, mas nisto não voltam a apanhar…..

  2. Escrevi no meu espaço:

    «Nos últimos tempos, tenho amenizado o meu próprio asco com frequentes referências a uma citação que tomei por minha e que venho repetindo “o futebol é tão só e apenas a coisa mais importante de entre aquelas que não têm importância nenhuma”.

    (…) faço juramento de não mais repetir tais palavras. O que se passa, passou hoje, é tão excessivo que faz-me recuar aos tempos do fascismo, à alienação alimentada, à agressividade sublimada e mal contida, às veementes discussões sobre tudo e sobre nada, sobre o que não deveria passar de mero entretenimento.

    Há dias, comparei Bruno de Carvalho a Trump numa comparação que parecia fazer sentido. Não faz. O que se passa é pior que isso, pois vai para além dos actores…»

  3. Rui Naldinho says:

    Subscrevo o seu texto, apenas com um reparo.

    “Olhando para aquilo que foi a época futebolística do Sporting, a coisa não correu assim tão mal.”

    Mas será mesmo assim?
    Eu discordo.
    Demos por adquirido, que sem estas hooliganadas à Portuguesa, o Sporting acabaria com maior ou menor dificuldade, por vencer a Taça de Portugal 2018, para além da já conquistada,Taça da Liga.
    Não sendo eu um “especialista” em matérias futebolísticas, acabo sempre como todo o mortal, por apanhar essas discussões, mesmo que de forma colateral. E daí o meu reparo.
    A Taça da Liga não é mais do que um sucedâneo mal parido das antigas Taças das Associações Distritais. Sim, aquelas em que os clubes aproveitavam para colocar os seus jogadores mais viris, a cumprir os castigos aplicados pela Justiça Desportiva, e que pouco o nada acrescentavam ao curriculum do clube e dos jogadores. Fazem-me lembrar até, aquelas Taças expostas nos nossos cafés de bairro ou mesmo nas aldeias, por cima das bebidas espirituosas, “embelezando as prateleiras”, e lembrando aos mais distraídos, clientes incluídos, que aquele espaço por muito barulhento que seja, também é um “centro cívico”.
    A Taça de Portugal, já um pouco diferente e com uma longa História, foi no entanto perdendo prestigio fruto do desaparecimento da antiga competição internacional, Taça dos Vencedores das Taças, cujo espírito nada tem a ver com a Liga Europa, uma espécie de competição internacional das equipas do meio da tabela, isto se consideramos que, Espanha, Itália, Alemanha, e Inglaterra, colocam no mínimo três equipas na Liga dos Campeões, quando não mesmo quatro, após as pré eliminatórias.
    É óbvio aos olhos de todos, que é melhor ser segundo classificado no campeonato, tendo acesso à Liga dos Campeões, receber uns valentes milhões de euros, do que ganhar as ditas Taças, uma delas já teve nome de cerveja, hoje é CTT, amanhã será de alguma marca de óleo alimentar, ou mesmo a Taça de Portugal.
    O Real Madrid nos últimos doze anos foi três vezes campeão europeu, e em nenhuma delas tinha sido o Campeão de Espanha. Caricato até, ganhou duas dessas finais aos clubes espanhóis que no ano anterior tinham sido os Campeões de Espanha, Valência e Atlético de Madrid, as quais deram acesso á competição em causa.
    A mudança de paradigma nas Competições internacionais de futebol, ocorridas há cerca de vinte anos, tiveram como único objectivo a receita de bilheteira dos grandes clubes, e os proventos que daí advinham à UEFA e à FIFA.
    Não me admira portanto que a corrupção, sempre existiu, tivesse aumento também. O mesmo com a violência. O mesmo com as insolvências. E não fosse o caso de uns quantos principles das Arábias resolverem comprar uns quantos clubes falidos, tudo isto já estaria bem pior.
    Ontem, Poiares Maduro afirmou que a economia associada directa ou indirectamente ao futebol, desde a hotelaria ao merchadising, passando por tudo o resto que possam imaginar, se calhar até a dita “fruta”, movimentava cerca de 3,5% do PIB na Europa.
    Não, o futebol já não é para meninos. E muito menos para solteiros e casados.

  4. ZE LOPES says:

    Rymas em Omenagem à Saga Sportinguista:

    Os sportinguistas, cansados,
    De cartas fora do baralho,
    Gritaram a plenos pulmões:
    “Ó Bruno vai para o Carvalho!”

  5. Luís Lavoura says:

    as pessoas que ontem invadiram a academia de Alcochete, armados como criminosos que são

    Não consta que estivessem armados.

    Aliás, se agrediram Bas Dost com um cinto, e se pontapearam Acuña, é porque não dispunham de armas, as quais seriam certamente mais eficientes para fazer mal.

  6. A questão de Bruno de Carvalho não é avaliada por esta época desportiva, mas sim, pelo trabalho desenvolvido desde que foi eleito em 2013. O homem chegou à liderança do clube e despediu Jesualdo Ferreira. Colocou na cadeira de sonho o sportinguista Leonardo Jardim que farto de o aturar pôs-se ao fresco no fim da época e foi para França. Foi buscar o Marco Silva-Forever, que também logo ao fim da primeira época é despedido para ir buscar o treinador que o rival não quis mais, e foi aplaudido por todos os críticos, pois agora, com o mestre da tática, o Sporting era candidato a vencer todos os títulos em Portugal. No ano seguinte o treinador não ganha nada, mas surpreendentemente vê aumentado o salário!
    Só que, passou um ano, passaram dois anos, passaram três anos, e ano após ano o Sporting está cada vez mais longe dos dois da frente. E vão cinco anos com Bruno de Carvalho sem ser campeão. E fez tudo ao contrário do que disse em campanha: apostar na formação e depois foi buscar um treinador reconhecido por não gostar de Maneis portugueses.

    Mas eu tenho recordação de um momento tão mau como o de ontem e curiosamente, com um jogador do mesmo clube. Sá Pinto, sai de casa, e de caso pensado, vai ter com Artur Jorge (selecionador nacional) ao centro de estágio e agride-o violentamente. Aconteceu alguma coisa ao Sá Pinto? Nada, até voltou a jogar pela seleção. Tudo na paz do Senhor!

    Lembro-me também bem mais recentemente de uma claque – curioso que também foi do Sporting! – que incendiou um estádio em Portugal. Aconteceu alguma coisa aqueles terroristas? Não. Na semana seguinte lá estavam, felizes e contentes em Alvalade.

    Em Portugal tomam-se medidas quando acontecem tragédias. Ontem ninguém morreu, tudo continuará na mesma. Quando algum jogador ou árbitro morrer, então aí algo vai mesmo mudar.

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