Por trás das palavras – Huawei, Cisco, 5G, NSA e os EUA (2)

Há muito mais do que tecnologia por trás do que se tem dito sobre a nova silver bullet das comunicações móveis.

A tecnologia 5G está a chegar ao mercado de consumo. O 3G trouxe velocidade à rede GSM, que até aí, pouco mais era do que telefonia móvel. O 4G banalizou o acesso a grandes volumes de dados. E o 5G irá trazer tempos de resposta que irão parecer instantâneos.

Se ver um filme no telemóvel ou descarregar grandes ficheiros com os dados móveis já não é um problema, o tempo de resposta aos pedidos continuou a ser longo no 4G. Todas as actividades que dependam da velocidade de reacção não poderão contar com esta tecnologia. Imagine-se, por exemplo, um cirurgião a controlar remotamente um bisturi em que seja necessário meio segundo para visualizar cada movimento.”Ups! Era só para cortar o prepúcio?…”

Além de aumentar em muito a capacidade de transferir grandes volumes de dados, o 5G propõem-se melhorar significativamente o problema da latência nas comunicações. Este parâmetro consiste no tempo que decorre entre um pedido de um serviço e o momento em que se começa a receber uma resposta. Fazendo uma analogia com um directo televisivo, é o equivalente ao tempo desde que o apresentador do telejornal coloca uma pergunta até que o reporter de rua começa a responder. O objectivo do 5G é passar dos actuais 50 milissegundos de tempo de resposta com o 4G para 1 milissegundo.

Na Web Summit deste ano, um operador de telecomunicações tinha uma demonstração em que um guarda-redes tentava defender remates mas usando uns óculos de realidade virtual. Num caso ele estava ligado por 4G e no outro estava ligado por 5G. Como esperado, com 4G, o guarda-redes só se fazia à bola depois dela já ter entrado, enquanto que com 5G ele reagia atempadamente.

Trata-se de uma tecnologia com grande potencial económico e o primeiro grande negócio, com capacidade para alterar a actual liderança do mercado, é o fornecimento da infraestrutura de rede aos operadores de telecomunicações. A Cisco, empresa norte-americana, tem mantido um domínio claro neste sector, com outras empresas a morder-lhe os calcanhares. No entanto, os operadores de telecomunicações norte-americanos preferiram rentabilizar os investimentos na tecnologia que dispunham, em vez de procurarem inovar. É o que acontece quando a entidade que deveria defender os consumidores americanos, a FCC, defende os operadores (cf. caso do cancelamento da neutralidade da Internet e do respectivo processo de consulta pública que foi completamente manipulado pelos operadores de telecomunicações, tendo mesmo assim recebido a bênção da FCC; ou ainda como a FCC permite fraca cobertura móvel por parte dos operadores).

É neste cenário de proteccionismo às empresas por parte do governo norte-americano, aliado a um atraso tecnológico relativamente a outros mercados, que se deve analisar um conjunto acções e declarações por parte da administração Trump. Este será o tema do próximo post desta série.

Adenda

Referências sobre posicionamento no mercado:

Comments

  1. Damião cruz says:

    obrigado pelo esclarecimento

  2. Paulo Marques says:

    A latência também é uma questão de treino, como provam os jogadores profissionais, mas 50 ms associados ao resto dos atrasos tem o seu impacto.

  3. Luís Lavoura says:

    Não percebo um ponto: então a Cisco tem liderança tecnológica, mas o mercado americano tem atraso tecnológico? Se a Cisco tem liderança tecnológica, que vantagem tem o governo americano em impedi-la de exercer essa liderança?

    • j. manuel cordeiro says:

      Não está escrito no post “liderança tecnológica”. O domínio de mercado decorre de outros factores,, como por exemplo ter sido em tempos o maior fornecedor da infraestrutura de rede.

      E também não está escrito que o governo norte-americano quer impedir a liderança da Cisco. Pelo contrário, como veremos em posts futuros, quer apoiá-la. No entanto,, o governo é proteccionista quanto aos operadoras de telecomunicações e isso está a matar a inovação. O próximo post detalha o tema.

Trackbacks

  1. […] post anterior falou-se, sobretudo, sobre o que traz de novo a tecnologia 5G às redes redes móveis e como a […]

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