Rescaldo eleitoral

Os resultados são o que são e não o que gostaríamos que fossem. A abstenção continua a crescer, mas existiu uma alteração técnica, porque ao inscrever de forma automática os titulares de cartão de cidadão, aumentou exponencialmente o número de eleitores. Faltando ainda contabilizar o voto nos consulados, os números não estão completamente fechados, na prática está em causa saber o número final da abstenção e o destino do último deputado eleito, provavelmente cairá para o PS, mas ainda existe a possibilidade de cair para a CDU.
À esquerda o PS cresceu em número de votos, apesar da abstenção e número de mandatos, muito provavelmente alcançará os dez deputados. Ficou em primeiro lugar, por isso ganhou as eleições, afirmar qualquer outra coisa é falsear os números.
O BE mais que dobra a votação anterior, dobra o número de deputados, passando de um para dois. Tem um resultado muito positivo.
A CDU perde quase metade dos votos, diminui de dois para um deputado, é o grande derrotado deste acto eleitoral.
O PAN quase triplica o número de votos, faz eleger pela primeira vez um deputado, é claramente um vencedor nestas eleições. Não sendo possível extrapolar resultados de europeias para legislativas, a verdade é que em caso de repetição destes números em Outubro, o PAN poderia eleger quatro deputados em Lisboa e dois no Porto. Têm legítimas razões para sonhar.
À direita existe uma dificuldade de comparar resultados, porque PSD e CDS agora concorreram separados, em 2014 foram coligados. Mas é permitido tirar algumas ilações. Considerando a soma dos votos em ambos os partidos, tivemos ontem um crescimento pífio de 25 mil votos. Pior, ambos os partidos estão agora na oposição, quando em 2014 governavam coligados, intervencionados pela troika. O resultado que obtiveram em 2014 foi o mínimo histórico, muito pior do que o obtido nas legislativas em 2015. Por isso reclamar qualquer razoabilidade quando se está perante este cenário, é enterrar a cabeça como a avestruz. Em número de mandatos ficaram iguais, o PSD com seis deputados, o CDS com um, menos que isto é caminhar para a irrelevância.
Uma última palavra para os pequenos partidos, Aliança, Livre e Basta, teriam ontem elegido deputados se estivéssemos em eleições legislativas. Iniciativa liberal e Nós cidadãos ficariam muito perto de o conseguir em Lisboa. Veremos o que conseguem em Outubro, mas boas campanhas em Lisboa e Porto podem aumentar o número de partidos representados no parlamento.

Comments

  1. Luís Lavoura says:

    Aliança, Livre e Basta, teriam ontem elegido deputados se estivéssemos em eleições legislativas. Iniciativa liberal e Nós cidadãos ficariam muito perto de o conseguir em Lisboa.

    Para eleger um deputado em Lisboa são precisos 2% dos votos nesse distrito. A IL teve menos de 1,3%. Não ficou, de forma nenhuma, “muito perto de o conseguir”.

  2. António de Almeida says:

    Sim, tem razão, estava a calcular de forma errada o número de deputados a eleger. Mantenho que os 3 teriam elegido o seu deputado, o PAN ao contrário do que escrevi no post não teria eleito 4, mas sim 3 deputados por Lisboa. O seu a seu dono, fica mais difícil à IL eleger, mas não é impossível, aliás a meu ver, devem concentrar esforços em Lisboa e Porto…
    Obrigado pelo alerta.

    • Luís Lavoura says:

      fica mais difícil à IL eleger, a meu ver, devem concentrar esforços em Lisboa e Porto…

      Exatamente. Os resultados da Iniciativa Liberal só nos distritos de Lisboa e Porto ultrapassaram 1%; em todos os outros distritos a IL teve menos do que a sua média nacional (0,88%). Em particular, nos distritos do interior e do sul teve resultados miseráveis. Portanto, para a IL a estratégia é concentrar-se totalmente somente em Lisboa e Porto. Dispersar os seus escassos meios não faz sentido.

      • António de Almeida says:

        O próprio PAN não terá grandes chances fora de Lisboa e Porto, mas curiosamente em Setúbal poderia eleger um deputado. Nas zonas rurais a CDU aguenta melhor do que nas zonas urbanas, porque conhecendo bem Alentejo e Ribatejo, sei que o PAN e mesmo o BE têm grande dificuldade de entrar num eleitorado que sendo de esquerda, é muito conservador…

  3. Nuno M. P. Abreu says:

    Concordo globalmente com a sua análise. Objectivamente o grande perdedor da noite foi a CDU que viu voar 188 mil votos mais do que o BE aumentou – 176 mil.
    Mas há aqui um dado que não vi ainda equacionado. Em 2014, o MPT. o partido da Terra obteve 234 mil votos mais 66 mil que obteve agora o PAN.
    Não haverá que integrar estes números na equação?

    • António de Almeida says:

      Já é difícil integrar os votos do PAN na clássica divisão entre esquerda e direita, direi que são transversais. O MPT em 2014 recebeu votos em Marinho e Pinto, que agora terão sido dispersos um pouco por todo o lado, tal como em 2014 não terão tido proveniência única, mas várias origens…

      • Nuno M. P. Abreu says:

        Sinceramente penso que Marinho Pinto foi um epifenómeno politico. Penso ainda que o Partido da Terra fundado por Gonçalo Ribeiro Teles, tinha muitas semelhanças com este PAN e muitos dos eleitores que ontem votaram PAN, teriam votado antes MPT. Penso, por fim, que existe efectivamente um número significativo de eleitores que não se revê nesta dicotomia ideológica fossilizada, de esquerda/direita mas que está preocupada com o destino da inumanidade e tenha votado PAN ou se tenha abstido. De qualquer forma tenho pena que muitos se tenham dispersado por personalidades que pretendem apenas umas horas de audiência televisiva.

        • António de Almeida says:

          Concordo que a política é mais que a dicotomia esquerda/direita, que o PAN foi beber alguma coisa ao arq. Gonçalo Ribeiro Teles, sem que este no entanto alguma vez tivesse obtido êxito eleitoral. Mas sempre foi coerente e não podemos comparar a sociedade.
          Outra coisa é saber se estes fenómenos (e outros) são passageiros ou vêm para ficar. Nos anos 70 e 80 surgiram partidos verdes um pouco por toda a Europa, como resposta à preocupação pela ameaça nuclear. Com a queda do muro esses movimentos perderam relevância, mas encontraram hoje um novo nicho eleitoral. Têm espaço para crescer, veremos até onde conseguem chegar.

          • Paulo Marques says:

            Descrever a tentativa de que haja humanos no planeta no fim do século como “nicho eleitoral” é uma boa maneira de descrever a humanidade.

          • António de Almeida says:

            Nicho eleitoral não é uma expressão depreciativa, nem tão pouco jocosa, pelo não percebi a razão do seu comentário. Como não fiz juízos de valor sobre qualquer proposta ou ideologia política ao longo do post, limitei-me à análise de resultados e até afirmei no caso concreto do PAN que tem espaço para crescer no eleitorado urbano. No eleitorado rural é diferente…

          • Paulo Marques says:

            Eu não quis dizer que o António estivesse errado, e eu também não sou nenhum santo, mas é um facto que a sobrevivência não estar na lista de prioridades diz muito sobre nós.

        • …”o grande perdedor da noite foi a CDU…”
          olhe que não, Nuno Abreu, olhe que não !!

          Repare :

          CDU garante 2 ( dois ! ) lugares no Parlamento Europeu !!

          Quanto ao PAN….esperemos que não vão para o PE com PAN-tominices dos fanáticos et alii esquisitos misturados naquele saco de…gatos !

          • Acrescentando :

            Manuela Cunha
            28 de maio às 21:31 ·

            A propósito dos resultados e da campanha eleitoral ou, como a arte das sombras chinesas influencia os resultados eleitorais

            Volto a repetir que os resultados alcançados pela CDU nestas eleições para o PE, não foram os que as forças que compõem a coligação desejavam. Ficamos mais fragilizados para defender os interesses do nosso país, da nossa população e as especificidades das nossas características sociais e naturais, muito afetadas pela política da UE, nomeadamente pela PAC ( política agrícola comum).
            Não deixo também de lamentar que Os Verdes não fiquem diretamente representados no PE, deixando assim sem expressão, neste forum, as lutas ecologistas que se têm travado em Portugal. Mas sobre isso falarei amanhã.
            Do que quero mesmo falar hoje, é sobre a chamada “derrota histórica” da CDU, como dizem por aí os nossos fazedores de opinião. Fazedores de opinião que, para confirmar a sua “razão” esconderam quase durante 24h, o facto da CDU ter eleito dois deputados ao PE, e não um. Antes da meia noite do dia 26, este resultado já estava apurado, mas nos telejornais do meio dia, do dia seguinte, os nossos “amigos”, continuavam a falar da eleição de um único….e lá continuava a conversa da ” grande derrota de uns e da grande vitória de outros. Mas afinal a CDU tinha exatamente eleito dois deputados, tal como o BE!!!!! É verdade que estes últimos com mais votos….mas a diferença será assim tão gigantesca?
            Os “amigos” a que me refiro, são obviamente os “senhores” dos holofotes. É sabido que a luz, os holofotes são fundamentais na técnica das sombras chinesas, sem eles as “personagens” não teriam a dimensão, nem os contornos que têm, criando uma imagem que se distancia e transforma a realidade. Uns simples dedos e umas mãos transformam – se em coelhos, em lobos, em pássaros e transportam a pessoa que está frente ao pano para o mundo da ilusão!
            Assim fazem os nossos “amigos” dos holofotes, que dão outra forma e dimensão à realidade. Para quem está frente ao écran, quem não é bafejado pelo holofote simplesmente não existe, ou pior ainda, coloca-se o holofote em posição do golfinho virar dragão e, está feito! É assim que se contribui, decisivamente, para “fabricar” resultados eleitorais à medida.
            Mas quando o holofote se apaga, os dedos voltam a ser dedos, voltam a ter poucos centímetros de dimensão e assim desaparecem as asas da águia gigante!!!!
            Adoro sombras chinesas, mas se o sonho comanda a vida, a luta para transformar o mundo para melhor, para salvar a vida no Planeta, requer que se tenha pessoas reais e não sombras chinesas.
            Em breve veremos a diferença entre os heróis de carne e osso criados nas lutas e os de ficção fabricados pelos holofotes. Marinho Pinto foi um desses heróis de holofote, daqui por cinco anos haverá outros!

            E ainda

            o Comunicado do PEV sobre as eleições do passado dia 26 de maio :

            27/05/2019
            Considerações do Partido Ecologista Os Verdes Sobre Os Resultados Eleitorais de Ontem

            Face aos resultados eleitorais obtidos pela CDU para o Parlamento Europeu, para além da comunicação conjunta feita na própria noite, O Partido Ecologista Os Verdes tem, ainda, a tecer os seguintes comentários:

            Estes resultados, com a eleição de dois deputados para o Parlamento Europeu, não refletem as reações demonstradas pela população durante a intensa campanha que os candidatos e membros do PEV fizeram, quer em iniciativas no âmbito da CDU, quer em iniciativas e ações próprias e promovidas pelo PEV. Nestas em particular, foi demonstrado um efetivo reconhecimento pela ação que Os Verdes têm empreendido ao longo dos anos, com propostas, denúncias e lutas muito válidas, numa intervenção consequente.

            Independentemente da futura reflexão que se venha a fazer nos órgãos de direção dos Verdes, estes resultados, ficando aquém do desejado, não retiram a determinação e a urgência das lutas do Partido Ecologista Os Verdes, com as quais continuaremos comprometidos, nomeadamente ao nível do combate às alterações climáticas, à melhoria dos transportes públicos e ao investimento na ferrovia, à descarbonização da sociedade e da economia, à conservação da Natureza e defesa da água pública ou à defesa da floresta autóctone e da produção e consumo local, entre tantas outras questões.

            Os Verdes saúdam os seus candidatos que integraram as listas da CDU e que protagonizaram uma campanha exemplar. Saúdam os muitos ecologistas que deram corpo à grande campanha da CDU. Saúdam igualmente os restantes candidatos e membros e activistas do PCP, da ID e os muitos independentes que constituem este grande coletivo de intervenção que é a Coligação Democrática Unitária.

            Os Verdes saúdam ainda os cerca de 60 candidatos eleitos pelos diferentes partidos Verdes Europeus, família à qual o PEV pertence e com quem colabora regularmente.

  4. JgMenos says:

    Faltou dizer que não foi a esquerdalhada que alimentou os novos partidos.

    • António de Almeida says:

      Dois factos, face a 2014 terá crescido o número de votantes em termos absolutos. Dos novos partidos, o Livre que já existia em 2014, terá perdido cerca de 10 mil votos. A esquerda não terá crescido por aí além face a 2014, a direita também não, ficaram mais ou menos com a mesma correlação de forças, mais ponto menos ponto.
      Acontece que a direita não estando no governo, para ser alternativa teria que conseguir criar uma dinâmica, que manifestamente não é capaz de o fazer.
      As próximas legislativas serão um passeio para o PS, que muito provavelmente nem precisará fazer uma geringonça, governará sozinho com acordos à esquerda e à direita…

  5. Rui Naldinho says:

    O que importa ressalvar destas eleições, mais do que a aritmética dos números, onde pelos vistos nunca há perdedores; imagino eu o sofrimento e azia de alguns lideres políticos; foi sim a derrota do discurso moralista dos salvadores da pátria, com os seus órgãos de propaganda, do diabo ao virar da esquina, cujo rigor na carteira dos outros sempre foi seu apanágio, em contradição com o seu despesismo afortunado.
    “Pimenta no cu dos outros, para mim é refresco!”
    Não percebem, não fazem um esforço por perceber, continuam com a olhar para os restantes concidadãos, como uma espécie de “utensílios descartáveis”. O velho blá blá blá do contribuinte submergiu nas águas profundas da derrota, como aqueles submarinos comprados por Portas. E saiu derrotado, porque não basta dizer que estes são maus. Admitindo sem grandes rodeios que estes geringonços cometeram erros, alguns deles graves, mais o PS que foi poder, coloca-se a seguinte questão:

    A alternativa à direita, com ou sem Iniciativa Liberal, com ou sem Aliança, já para não falar noutros partidos mais xenófobos, era qual?
    Talvez mais do mesmo. Sempre malhar nos do costume. Não nos lembrássemos nós ainda, do período que antecedeu a Geringonça.
    Não, não estou a falar dos “famigerados funcionários públicos, que comem tudo e não deixam nada”. Estou a falar de um país com um salário mínimo de 600,00€, e foi preciso uma coligação de esquerda para lá chegarmos, ao fim de quatro anos. Sim, estamos a falar do sector privado de uma economia, onde circulam em abundância Ferraris, Porches, Mercedes, já para não falar de outras marcas “mais rascas”, de origem diversa, como se estivéssemos nas Arábias, a par do salário de 600,00€, que muitos achavam um exagero. É disso que estamos a falar.
    Tirando esta ilação básica, que poucos gostam de colocar na agenda, pode sim, inferir-se, que os jovens de hoje, na casa dos trinta anos, com um intervalo de +v- 5 anos, com cursos superiores, são muitos deles, esses mesmos salários mínimos.
    Esses jovens, despolitizados, consumistas, viajantes compulsivos, sem nunca terem tido, felizmente(?), a necessidade de lutar por nada, os pais esforçaram-se por lhes dar tudo, alguns até se hipotecaram e faliram, os abstencionistas de hoje, a par dos desempregados de longa duração, cuja luz ao fundo do túnel, se resume a esperar pela reforma tardia, ou pelo rendimento social de inserção.
    Esta é a verdadeira crueldade da natureza humana. O resto são pieguices matemáticas

  6. António de Almeida says:

    Se fossem legislativas, o Aliança, Livre e Basta teriam entrada no parlamento. Isso oferece logo uma visibilidade acrescida durante a legislatura, capaz de criar dinâmicas que fora do parlamento não se consegue. O IL e Nós cidadãos ficaram um pouco mais longe, mas não se pode descartá-los desde já.
    À esquerda o Livre pode entrar, mas tem pouco a oferecer, porque já existem PS, BE e CDU. O PCP está perante um dilema, boa parte do seu eleitorado tradicional não se revê na geringonça, vota CDU porque espera ganhos nas lutas sindicais em oposição ao governo. Estou convencido que a geringonça serviu às mil maravilhas a António Costa, foi bem aproveitada pelo BE e Catarina Martins, mas terá sido um colossal tiro no pé de Jerónimo de Sousa.
    À direita, PSD e CDS estão gastos. Considera mesmo que o problema é Rui Rio? Vamos substituir Rui Rio por Luís Montenegro? E depois Luis Montenegro por quem? E no CDS? O problema é Assunção Cristas? Quem se seguirá? Não espero que Santana Lopes, uma figura do passado, renove agora a política portuguesa, nem se o Aliança vai além do partido unipessoal, do Chega/Basta então todos sabemos o que há a esperar, mas quer a IL alcance ou não o parlamento, o espaço político à direita do PS existe, mas não se revê nestes partidos. E boa parte dele não vota…

    • “O PCP está perante um dilema, boa parte do seu eleitorado tradicional não se revê na geringonça”

      Não tenho essa certeza.

      Creio que algumas das razões se prendem com a linguagem e criatividade, com a falta de uso de novas tecnologias de comunicação e com o facto de Portugal se ter tornado um país terciário, onde a classe média e os jovens precários pagos a preço de saldo têm horror em ser misturados com “os trabalhadores” do discurso do PCP, embora os problemas sejam semelhantes. Isto de se ser “white collar workers” soará bem melhor do que se ser “blue collar workers”.

      Depois temos a questão do preconceito e do 4º poder- os orgãos de comunicação que cada vez mais projectam os seus candidatos.

      Dizer-se à exaustão que Marisa Matias não atacou ninguém e se manteve calma e foi a única cabeça de lista que falou da Europa é uma fake news. João Ferreira fez o mesmo. É mais tímido, quiçá, e não descasca favas na feira.

      E não esqueci que, quando na sic not, Jerónimo de Sousa ( e já seria tempo de ter tempo para os netos e descansar) falava no resultado negativo obtido, o jornalista lhe ter cortado a palavra, dizendo ” e mais uma vez o PCP a não admitir a derrota”, passando de imediato para outro assunto.

      Complicado, isto.
      Foi só uma achega.

  7. Sobre as europeias e a Europa, reflexão final e certeira de uma jovem mulher inteligente :

    «A extrema-direita ganha terreno numa União Europeia desgovernada, e não sobra tempo para ensaios. A leitura que fizermos agora ditará se conseguiremos criar uma estratégia, e a partir dela as alianças, que enviem a extrema-direita para o buraco da história a que pertence.

    É por isso útil recordar essa história. O período de paz que a Europa conheceu não se deve ao facto de os países terem ficado acorrentados a uma espécie de slogan chamado União Europeia. O que manteve a paz foi o contrato social que saiu da experiência devastadora da Grande Depressão e da Segunda Guerra Mundial. Esse contrato tinha cláusulas concretas: construção de um Estado social universal; proteção dos direitos laborais, com um enorme papel conquistado pelos sindicatos; controlo da Banca e dos movimentos internacionais especulativos, com o acordo de Bretton Woods; investimento público, com o New Deal. O contrato social que acabou com a extrema-direita no século passado foi uma aliança progressista entre os democratas que compreenderam que o ódio se alimenta da pobreza, da insegurança e da humilhação. E por isso a paz só pode ser garantida com estabilidade, direitos e dignidade.

    Ao longo dos anos 80 e 90, este contrato europeu progressista foi sendo enfraquecido. As privatizações, a desregulamentação financeira e a erosão de direitos conquistados foram corroendo as suas bases, à medida que uma parte dos seus fundadores – a social democracia – se aliou aos neoliberais. Os anos 2000 bateram recordes bolsistas e de lucros financeiros, mas deixaram um sabor amargo a quem viu a vida a ficar mais precária, e a distância dos de cima a aumentar.

    A crise de 2007 foi a consequência deste processo. Mas a verdadeira machadada no contrato social do pós-guerra foi dada pela austeridade e pelo programa liberal que a acompanhou. A pobreza, as desigualdades e a humilhação que causou são hoje, como foram no pós-Primeira Guerra, rastilhos para a extrema-direita.

    Responder à extrema-direita implica refazer e construir um contrato social com um plano de investimento público contra as alterações climáticas, com um Estado social forte, com direitos do trabalho e proteção dos direitos humanos. O PS engana-se quando rejeita a experiência portuguesa dos acordos à Esquerda e escolhe para aliados europeus os partidos da mesma Direita liberal que, com a austeridade, destruiu o contrato que nos protegeu contra os fascismos no passado. A mesma Direita que defendeu e impôs sanções humilhantes. A mesma Direita que transformou o Mediterrâneo numa vala comum. Essa aliança bizarra não tem nada de progressista. Essa aliança é um erro do tamanho da nossa História.»

    Mariana Mortágua

    • Paulo Marques says:

      controlo da Banca e dos movimentos internacionais especulativos, com o acordo de Bretton Woods

      É pena que a Mariana, e o BE, ainda andem agarrados a disparates monetaristas como esse, assim é complicado responder a quem paga o “investimento público contra as alterações climáticas”.

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