Notas sobre as Presidenciais 5: Deixem-se de tretas: os eleitores do Chega não são todos uns coitadinhos revoltados que não sabiam ao que iam

Não engulo a narrativa anti-sistema. Anti-sistema era o Tino de Rans. André Ventura veio do bloco central do sistema, teve um padrinho do sistema, foi recentemente acolhido pelo sistema, nos Açores, esteve ligado ao Correio da Manhã, andou no debate futebolístico, tira selfies com Luís Filipe Vieira, rodeia-se de pessoas com credenciais como ligações ao BES, aos Panama Papers, a contratos milionários com o estado, à evasão fiscal – em tempos uma das especialidades do próprio André Ventura – e a inúmeros outros esquemas, amplamente difundidos pela imprensa nacional, para não falar nos vários membros da elite endinheirada deste país que o apoiam e financiam, e agora é anti-sistema?

Vamos lá ter noção, sim?

Anti-sistema, repito, é o Tino de Rans. O Chega é do sistema, para além de herdeiro do sistema anterior, e tem ligações a todo o tipo de elites, abastadas, excêntricas e nada católicas. A única diferença entre ele e o restante sistema, é que André Ventura cruza constantemente a linha vermelha do racismo, da xenofobia, do fanatismo religioso, do ódio, enfim, uma série delas que já todos sabemos. Mas não é anti-sistema. É apenas a pior face dele. A que oprimiu Portugal durante mais de 40 anos. Aliás, o Chega é tão sistema, que o quartel general de Ventura já tem mais oficiais do CDS do que o Largo do Caldas. Tudo isto é público, tudo isto é apoiado em factos muito concretos, e nem Ventura, nem o Chega tentaram sequer o contraditório. E quem cala consente.

Dou de barato que uma pequena parte dos eleitores de Ventura tenha votado sem ter na sua posse toda a informação disponível sobre o candidato, o partido ou as propostas de ambos. Aceito que alguns dos seus votantes possam ter sido genuinamente enganados, iludidos por alguma questão fracturante que os afecta directamente, sejam problemas com a comunidade cigana, seja a tourada (o que ajuda, em parte, a explicar os resultados em Santarém e no Alentejo), seja a abandono do interior ou a má gestão da coisa pública.

Mas não me venham com tretas: quando são dos outros partidos, são todos socialistas, ou todos sociais-democratas, ou todos comunistas. No Chega, coitadinhos, vão todos ao engano. Não vão nada. That’s bullshit. Let’s look at it:

Muitos dos votos de Ventura vieram daqueles que revêm nas propostas que beneficiam a elite, como as que visam descer os impostos dos mais ricos ou facilitar despedimentos, algo que ajuda a explicar que as votações elevadas que Ventura consegue no Porto são nas duas freguesias ricas, Aldoar/Foz do Douro/Nevogilde e Lordelo do Ouro/Massarelos. O mesmo acontece em Almancil, freguesia mais rica do Algarve, no Carvalhal, freguesia que alberga as casas de férias dos milionários da Comporta, nas freguesias mais elitistas de Cascais, Alcabideche e Cascais/Estoril, no concelho de Sintra e os resultados nas freguesias mais elitistas do concelho de Lisboa também não foram nada más.

Para além da elite abastada, também os sectores mais católicos e conservadores preferem Ventura. Ou deixam-se enganar pelas encenações em igrejas, pelos chamamentos divinos ou pela continua instrumentalização do nome de Deus, o que não deixa de ser irónico, visto tratar-se do pecado de “invocar o santo nome de Deus em vão”. E não foi Ventura que os ganhou. Foi o CDS que os perdeu.

Finalmente, os fascistas. Nos últimos dias, tenho lido e ouvido grandes monólogos, que se indignam com as etiquetas colocadas no eleitorado do Chega. Como se o mesmo não acontecesse com os restantes partidos, ou não fossem muitos destes indignados os mesmos que olham para a esquerda, do PS ao MRPP, e consideram tudo extrema-esquerda de inspiração estalinista. Ficamos, desde logo, esclarecidos sobre a seriedade destas pessoas. Não obstante, é óbvio que os quase 500 mil votantes de Ventura não são todos empedernidos fascistas.

Haverá ali quem tenha sido enganado pela propaganda, em particular das classes mais pobres no interior, que não percebeu que a proposta do Chega é empobrecê-los ainda mais, subtraindo-lhes o SNS, a Educação dos filhos e os apoios sociais. E aqui, mais do que o sucesso do Chega, foi a esquerda quem falhou, ao não conseguir passar a importância de garantir serviços públicos à população.

Haverá também ali quem se limite a protestar contra Marcelo, por considerar o presidente demasiadamente encostado ao governo (e com alguma razão), e, sendo eleitorado conservador, nunca votaria na IL. Para estes, Ventura era a opção possível para o voto de protesto.

Haverá ainda quem queira apenas brincar com o fogo, e tenha decidido entregar o voto ao fascismo para pôr as forças democráticas me sentido.

Mas também há ali muito fascista. E neo-nazi. E trumpalhada negacionista. E fanáticos religiosos. E grunhos misóginos, que não percebem porque é que agora não podem tratar a mulher como um objecto sexual e faxineiro ou esperar com as suas cabeças na parede. E racistas, que lutam pelo direito a espancar negros, chineses ou brasileiros. Ignorar esta realidade é tão ou mais ingénuo do que resumir a votação do Chega ao simplismo imbecil do “são todos fachos”. E se estes últimos serão, à partida, casos perdidos, importa reflectir profundamente sobre os restantes, perceber e encontrar soluções para os seus problemas, a começar pelo interior do país, e vencer a agenda fascista pelas ideias e pelo progresso para todos não apenas para a faixa litoral. É aqui que deve estar o foco do eixo democrático. Lutar no lamaçal do Chega é, já todos percebemos, uma perda de tempo.

Comments

  1. JgMenos says:

    « racismo, da xenofobia, do fanatismo religioso, do ódio, enfim, uma série delas que já todos sabemos»

    Dizem até que vai a Santa Comba pela calada da noite a receber inspiração em vigília exotérica.
    Veremos qual o plano colonial que acabará por desvendar.

    Isto é tudo o sistema, e a arbitragem … nem se fala.

    Unidos Venceremos!
    .Ãbril Sempre!
    Amen.

    • POIS! says:

      Pois pois!

      As vigílias de Santa Comba são muito exotéricas e toda a gente as conhece e frequenta.

      Já se tentou foi comunicar esotericamente com o bandido de Santa Comba (sic) a pedir ensinamentos, e nada!

      Parece que há um tal Venturoso Enviado Escolhido a fazer interferência!

      Quanto á arbitragem, aí tem razão. Principalmente os VAR têm abusado bastante. Vários penalties a favor da Legião do Enviado que ficaram por marcar.

      Quanto ao plano colonial, sei que é arrojado: o Venturoso quer recuperar a soberania sobre todo o Império, mas devagarinho. Para começar, vai enviar um grande contingente de tropas para as Berlengas, com destacamentos nas Estelas e Farilhões. Parece que estão ameaçadas por exércitos inimigos comandados pelos marroquinos. Foram recentemente encontrados vários ipads suspeitos na posse de gaivotas espiãs.

    • British says:

      Menos

      E eu a julgar que gritarias “Viva o 28 de Maio” ?

    • José Peralta says:

      Ó “menos”

      Reparo que estás sempre de tocaia, para seres o primeiro a comentar os textos que não te convêm.

      Ora diz lá, com a “presciência que te ilumina”, (só te falta o “abat-Jour”, ou talvez não…), uma só frase, (só uma…) que seja excessiva ou mentirosa, na brilhante análise de João Mendes…

      Eu compreendo que estas “coisas”, sejam como setas, dirigidas ao teu pobre coração !

      Só o que ainda não compreendi, é se o ventura foi foi “parido ou cagado” pel chega, ou vice versa…

      E aqui está uma maneira genial que, com talento e imaginação, torna simples a compreensão de pessoas pouco “dotadas” pela inteligência !

      https://m.youtube.com/watch?v=dYGBKXOCrvw

      As melhoras, ó “menos”—e vai a um cardiologista !

    • Santiago says:

      Estou-te a reconhecer ó menos. Tu não és quele meu conhecido, militante do Chega, que é casado com uma brasileira, mas manda os imigrantes para a terra deles?

      Ou serás um outro que está constantemente a chamar mamões à esquerda, mas que foi capaz de limpar a conta bancária de um negócio que mantinha com o melhor amigo, deixando a este último um registo a negro no Banco de Portugal?

      Não deves ser. Serás por certo um outro militante do Chega da distrital de Braga que fazia contabilidades habilidosas que permitiram que dezenas de empresas fugissem aos seus encargos fiscais e que embarcou em tamanhas tramoias com a contratação de estagiários via IEFP que a Segurança Social teve que pôr um travão nesse processo por ser abusivo.

  2. estevesaires says:

    Efectivamente, foi o apoio do PS que veio permitir a divisão da direita sem problema. A direita liberal e a extremista, antes acolitada na candidatura de Marcelo, ficaram com condições para e revelarem sem pejo nem risco.
    Por seu lado, a divisão da “esquerda”, que não tinha dúvidas em considerar de conversa Marcelo um perigo, mostrou-se a táctica adequada à vitória, afinal desejada por essa falsa esquerda, de Marcelo,ou, se não era isso que queriam, a táctica da burrice extrema e nem o pretenderem ganhar espaço e projecção para as autárquicas a pode justificar pelas consequências trágicas que tem. Graças a esta táctica da esquerda, Costa fica nas suas sete quintas: à vontade para aplicar medidas fascistas, argumentando com a ameaça fascista! (parece ser esta a táctica mais moderna da burguesia em todos os países ocidentais), apoiado naturalmente pelo BE, que perdeu dois terços dos votos, e pelo PCP, que até no Alentejo fica atrás do Chega!
    Ana Gomes deixando-se enrolar nas lutas pelo poder no interior de um PS dividido, não tendo sido capaz de organizar uma candidatura que unisse o maior número possível de elementos da esquerda democrática, perdeu o carácter de uma candidatura independente e perdeu, relativamente às eleições de 2016, 50% da votação obtida por Nóvoa. Ana Gomes assumiu a responsabilidade da sua derrota e, nesse sentido, pela vitória de Marcelo, à primeira volta. Fez bem. Veremos as lições que retira.
    Assim, como se previa e foi profusamente trabalhado e divulgado pela comunicação social para que os portugueses interiorizassem bem a ideia, Marcelo foi eleito à primeira volta, com 60,07 % dos votos expressos, ou seja um quarto dos eleitores (não estamos a considerar o número de falsos inscritos, cerca de 1,1 milhões.). Durante os próximos cinco anos, vamos ter um presidente da República que representa apenas um quarto do eleitorado, mas que se sente legitimado paraexercer o poder ( ideia também insistentemente divulgada pela comunicação social).

    • Filipe Bastos says:

      “Durante os próximos cinco anos, vamos ter um presidente da República que representa apenas um quarto do eleitorado, mas que se sente legitimado para exercer o poder”

      E então? Temos um governo que representa 18% do eleitorado, mas que se sente legitimado para exercer o poder.

      Antes disso tivemos outro governo que representava 18% do eleitorado, mas que se sentia legitimado para exercer o poder.

      Antes disso tivemos um governo que representava 22% do eleitorado, mas que se sentia legitimado para exercer o poder.

      Antes disso tivemos outro governo que representava 22% do eleitorado, mas que se sentia legitimado para exercer o poder.

      Etc.

      Não tinha reparado que vive numa partidocracia, onde apenas uma minoria de carneiros são ingénuos ou estúpidos o bastante para ainda ir botando o botinho e validando a farsa?

      • José Peralta says:

        Filipe Bastos

        Não será ao contrário ?

        Não serão os restantes 82% de ingénuos ou estúpidos, os que se abstiveram e deixaram aos outros 18%, que decidam por eles, o presidente ou o governo ?

        Não será melhor, você ter esta liberdade de emitir livremente a sua opinião ?

        Ou era melhor no tempo do “manholas” de S.ta Comba, se você estivesse, por qualquer razão, “debaixo de olho” da pide (até podia não ser contra ele, mas teria dito à mesa do café, imprudente e inocente piada sobre…) e nos cadernos eleitorais aparecesse o seu nome como votante, poderia vir a ter problemas ?

      • Filipe Bastos says:

        V. teria razão se os 82% pudessem votar em algo melhor. Não podem. Por isso não votam. Este regime só nos dá tachistas, pulhas e trafulhas. Sobretudo o Centrão.

        Se for a um restaurante e as opções no menu forem caca, poia ou bosta, escolhe alguma delas?

        O sistema está viciado e podre por dentro. Os partidos são viveiros de chulos e oportunistas. Ninguém decente lá entra. Se entrar, a podridão tratará de o/a afastar.

        Dirá que há excepções. No Centrão não há, e os outros não vão ganhar. Não que sejam muito melhores: os comunas são mais honestos mas hipócritas, o Chega é um aldrabão de feira, o resto é insignificante.

        Era melhor no Estado Novo? Não, mas que tem o cu com as calças? O Botas morreu há 50 anos. Veja se avança. A falsa dicotomia ditadura / partidocracia já não pega.

        • Paulo Marques says:

          Pois não, tem legitimidade o caos. Afinal, o erro de Costa não foi o estudo de opinião, foi ter feito alguma coisa, pois não tinha legitimidade para fazer nada.
          Mas, de facto, percebe-se porque cada vez menos gente quer ir para a política, não quer aturar os Filipes.

        • POIS! says:

          Pois pois!

          O Botas morreu há 50 anos?

          A História não lhe interessa, exceto quando lhe interessa. Para servir de arma de arremesso anarco-moraleira contra os outros.

          Aliás, o regime salazaresco, segundo V. Exa. nunca existiu. No 25/4 não se passou nada. Foi como no fim da Segunda Guerra Mundial. Foi só uma troca de chulecos: saíu Hitler e entrou Adenauer e agora é a Merkel. Não se passou nada.

      • Filipe Bastos says:

        Ah, é verdade: mesmo ignorando o que escrevi acima, um governo com 18% continua a não ter legitimidade.

        82% não votaram nele. Logo, é legítimo concluir que 82% não o querem; é legítimo concluir que é ilegítimo.

    • Paulo Marques says:

      Aplicar medidas fascistas? Que o PCP aprovou? Homem, passa isso.

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