Carlos Guimarães Pinto: Antigamente não era bom

(Carlos Guimarães Pinto, Ex-Presidente da IL-Iniciativa Liberal)
Salazar morreu pobre, dizem. Naquela casa eram todos pobres. A governanta era pobre, a cozinheira era pobre e o motorista era pobre. Salazar era tão pobre que até os seus empregados eram pobres. Também nunca roubou ou foi corrupto, como nos garante a falta de notícias e reportagens da imprensa “livre” da altura ou a falta de condenações do sistema de justiça “independente” do Estado Novo.
Salazar era um académico reconhecido de grande envergadura intelectual, dizem. De uma envergadura intelectual tão grande que nem precisou de fazer tese de doutoramento para receber esse grau. Já antes tinha sido nomeado professor ordinário da Faculdade de Direito de Coimbra sem necessidade de prestação de provas. Era de tal maneira bom que nem precisava de prestar provas da sua habilidade como académico para progredir na carreira (pelo menos o outro teve que fazer o exame a um domingo).
A democracia e a liberdade de imprensa com o escrutínio acrescido que trouxeram revelaram problemas crónicos da sociedade portuguesa: a corrupção, o domínio das elites e a falta de independência das instituições. Mas “antigamente” não era bom. Era pior. Para além da falta de democracia e liberdade de expressão, havia certamente mais corrupção, mais captura do estado pelas elites e ainda mais nepotismo, com a agravante de tudo estar suficientemente escondido para não se saber e se poder alimentar o misticismo de um regime de líderes impolutos que se mantém na cabeça de muitos até hoje.
Este misticismo no subconsciente e mesmo no discurso de alguns ajuda a manter uma ideia errada sobre os problemas estruturais do país. Esses problemas não se resolvem com homens providenciais. Resolvem-se com mudanças nas instituições que permitam que o sistema funcione qualquer que seja o líder, ou líderes, que temporariamente assume determinado cargo. Um país não pode depender tanto da qualidade dos seus líderes como Portugal hoje depende. Um país com instituições fortes, pode funcionar bem mesmo com maus líderes. Quanto mais fortes forem as instituições (imprensa livre, justiça independente, separação de poderes,…) menos importante é a qualidade dos líderes que temporariamente governam o país. Isto funciona para um país como para uma empresa ou outra organização qualquer.
O grande desafio da democracia não é eleger homens providenciais. Isso é muito difícil avaliar antes de os ver no exercício do poder e mesmo assim nem sempre a avaliação é correcta. O grande desafio da democracia é ter instituições à altura que tornem o país menos sensível a variações na qualidade dos seus líderes. Ironicamente, para se conseguir ter instituições fortes resilientes à qualidade dos seus líderes, precisaremos, temporariamente, de alguns bons líderes capazes de as implementar.

Comments

  1. Filipe Bastos says:

    O texto é do Moreira de Sá, ou é do CGP (não parece) e o Moreira de Sá apenas o (re)publicou?

    Não vejo como alguém pode duvidar que Salazar era mais sério do que a classe política pós-25 Abril: não era só mérito do primeiro, é sobretudo demérito da segunda.

    Nem é só na política. Era simplesmente outro tempo. O relaxe e as facilidades vão-nos amolecendo, as referências vão-se perdendo, a mediocridade e a falta de brio tornam-se a norma. A minha geração é inferior à dos meus pais, e esta era inferior à dos meus avós.

    Havia também corrupção? Com certeza. Mas não estava apenas mais escondida; havia mesmo menos, sobretudo de alto nível. E era menos aceite, menos normal. Até há 30 anos se notava isto: os escândalos derrubavam ministros. Hoje? A bandalheira total.

    Claro que não podemos depender de ‘homens providenciais’; mas quantos aqui admitem uma democracia mais directa?

    Quantos sequer já pensaram nisso? É tal a lavagem cerebral da partidocracia, é tão antiga a submissão ao ‘líder’, a necessidade infantil de quem mande e decida por todos, que não se vê como.

    • Fernando Moreira de Sá says:

      O texto é do Carlos Guimarães Pinto. Como todos os textos de convidados, é publicado por um de nós (o que estiver disponível no momento) e colocado como “autor convidado”. Por lapso não estava como “autor convidado”. Obrigado pelo aviso e já está correcto.

      • Francisco Miguel Valada says:

        «O texto é do Moreira de Sá, ou é do CGP (não parece) e o Moreira de Sá apenas o (re)publicou?»
        Filipe Bastos, há várias etapas suplementares no agendamento dos autores convidados e, por vezes, acontecem coisas destas. Já me aconteceu, pelo menos, duas vezes. Reitero o agradecimento do Fernando Moreira de Sá.

    • Paulo Marques says:

      Com certeza? Como sabe, vinha no jornal? Não andavam exactamente as mesmas famílias à roda do poder? Os funcionários administrativos e forças de segurança não recebiam favores?

  2. JgMenos says:

    As instituições sempre são criadas anunciando boas obras.
    São os homens que as fazem boas ou más.
    Aos homens define-os o carácter e o conhecimento.
    Quando o carácter não é critério de selecção e julgamento de quem detém o poder, não há instituição que se salve, nem instituição que o possa julgar.
    O carácter define-se por regras de moral e cidadania, não por leis.
    A invenção mais perversa foi os da política fazerem valer a proscrição de ‘julgamentos de carácter’. Antigamente não era assim.

    • Paulo Marques says:

      Proscrição, Menos? Onde? Que raio fazem os paineleiros todos os dias sempre que alguém de outro partido fala ou faz alguma coisa que seja, constantemente contradizendo-se como Marques Mentes? Elogios?

  3. Um boa maneira de esclarecer se “Salazar era um académico reconhecido de grande envergadura intelectual, dizem” é ler os discursos dele. Pode-se discordar de tudo, mas escusa-se de fazer figura de ignorante.

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