(Artigo de Opinião de Francisco Louçã, Conselheiro de Estado e Fundador do Bloco de Esquerda)
A forma mais simples de domesticar uma memória é retirar-lhe o presente e o futuro. É o que acontece com o 25 de Abril, quando é comemorado ritualmente como se fosse uma simples transição armada de cravos e a caminho da Europa, um destino mítico enfim reencontrado, uma espécie de Quinto Império renascido nos mercados. Ora, Portugal tem esta história atravessada: só a revolução instituiu a liberdade, deixando marcas na experiência coletiva, nas leis, nas relações de forças e até na esperança de um povo que se reconheceu nesse fulgor. “O melhor tempo da nossa vida”, dizia o José Afonso. Outro virá, sempre com a mesma entoação, liberdade.
Mesmo quando a pandemia instala o medo entre nós e nos aponta o próximo como o risco, nos diz que um beijo ou um abraço são a porta da doença, que o nosso corpo é o culpado, esta velha centelha de liberdade, que é responsabilidade pelos outros, abre as portas do presente à vida coletiva, não desiste de reconhecer o instinto da sociabilidade, a alegria da comunicação e a verdade das emoções. Assim será.
(foto retirada do site da Wook)
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