Entre os adversários do Chega, há quem defenda que não se deve falar do Chega, que já chega.
Não tenho soluções. Contudo.
(Não tenho soluções, ficais já avisados, é, aliás, o título da autobiografia que nunca publicarei)
As pessoas que fazem afirmações destas têm uma crença definitiva no poder do silêncio. Nada tenho contra o silêncio, que prefiro mil vezes ao barulho, mas não consigo perceber como é que se combate um inimigo de que não se fala. Nem o demónio é ignorado na Bíblia e olhai que a Bíblia sempre é a Bíblia.
Imagine-se o comandante de um exército, rodeado pelos seus conselheiros, mapas espalhados pela mesa de campanha, alguns cachimbos, semblantes gravíssimos, cenhos franzidos. Um conselheiro mais inexperiente arrisca:
- Talvez devêssemos atacar os ruinlandeses neste…
Não chega a acabar a frase porque sente imediatamente uma pasta com sabor a ferro na boca, percebendo que tem um dente partido. Depois de levar alguns pontapés no chão, o comandante, humano, sereno, levanta a mão:
- Vamos parar com isso, não somos assim tão selvagens.
O desgraçado levanta-se, tentando perceber o que lhe aconteceu. O comandante, olhando para um infinito próximo, explica:
- Aqui não se fala dessa gente, porque, se falarmos, eles passam a existir. Isso quer dizer que deixarão tanto mais de existir quanto mais não falarmos deles.
O politraumatizado ainda balbuciou:
- Mas como vamos combater?
O comandante não consegue evitar que a voz lhe saia mais elevada. Academia Militar, condecorações, vitórias várias, umas, morais, outras, por falta de comparência, anos de experiência a anular o inimigo e ainda tinha de explicar o óbvio:
- O combate faz-se calando. Nunca ouviu dizer que o calado é o melhor? E tirem-me daqui estes mapas, que ainda digo alguma coisa que não devo.
No campo dos ruinlandeses, diante do silêncio alheio, urdiam-se planos em sossego, a ventura sorria.
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