A treta da uniformização ortográfica

O valor econômico e político da língua foi um dado importante para a unificação ortográfica. Em qualquer área em que seja usada, tanto no Brasil, como em Portugal ou na África, a língua portuguesa será grafada de uma só maneira. Isso significa que um livro editado em português pode correr todos esses países, porque a ortografia é a mesma.

Evanildo Bechara, entrevista ao Estadão, em 2012

Recentemente, um aluno brasileiro, olhando para um texto, perguntou-me o que queria dizer “dececionante”, no que foi secundado por outros dois colegas da mesma nacionalidade. Quando lhes disse que, no Brasil, se escrevia “decepcionante” conseguiram identificar a palavra.

Uma outra professora de Português contou-me que um aluno brasileiro ficou espantado com a palavra “aspeto”, uma vez que, no Brasil, a grafia, mesmo depois do alegado acordo alegadamente ortográfico, continua a ser “aspecto”, graças ao chamado “critério fonético”, aquele critério que procura uniformizar a ortografia com base na diferença da pronunciação.

A “ortografia é a mesma”? Nem a mesma, nem ortografia. É uma treta.

Ó filho, já não estamos no tempo da ortografia!

Personagens: um rapaz suficientemente cauteloso para perguntar como se deve escrever uma palavra; uma mãe suficientemente informada para desconfiar que ninguém sabe.

Rapaz: Ó mãe, ó mãe, ó mãe!

Mãe: Ai, filho, uma vez chega, até me gastas a maternidade! Diz!

Rapaz: Ó mãe, ó mãe, olha esta fotografia aqui neste blogue tão espectacular! Afinal, como é que se escreve? É ‘veredito’’? É que já vi escrito ‘veredicto’.

Mãe: Isto deve ser um daqueles problemas do acordo ortográfico, anda tudo maluco. Se isto for assim no trânsito, as pessoas ainda podem começar a confundir sentido proibido com sentido obrigatório! [Read more…]

Contacto ou contato?

Carla Moreira*

No início do ano lectivo, propus às minhas alunas de Latim a elaboração de pequenos vídeos sobre dúvidas linguísticas, ao jeito da rubrica da RTP ‘Em bom português’, de que certamente todos estão lembrados. Elas são apenas três, mas são bastante dinâmicas e alinharam. Os vídeos são gravados com telemóvel, numa sala de aula com poucas condições acústicas, as alunas têm 16 anos de idade e alguns problemas ao nível da dicção. A qualidade dos vídeos, sobretudo ao nível do som, é, portanto, muito amadora, mas o objectivo era apenas partilhá-los na página de Facebook da escola. Nunca pensámos que saltassem do mural da escola para outros murais. Mas foi exactamente isso que aconteceu com o vídeo ‘Contacto’, graças à divulgação feita pela professora Maria do Carmo Vieira. [Read more…]

Uma ortografia defectível

indefectívelNum manual de Português de 9º ano, reencontro o poema “Uma pequenina luz”, de Jorge de Sena. O manual, evidentemente, segue (ou tenta seguir) o chamado acordo ortográfico (AO90). Reparo que os vv. 21 e 28 contêm o adjectivo “indefectível”, assim mesmo, com C. Como sempre articulei aquela consoante, pareceu-me óbvio que ali se mantivesse, porque, segundo o espírito do AO90, consoante articulada é consoante grafada.

Um estranho instinto, um não sei quê, fez-me consultar, em primeiro lugar, o Dicionário da Academia das Ciências de Lisboa. Como se pode ver, pela imagem acima, o C articula-se. Na“Introdução” do referido dicionário, ficamos a saber que todas “as entradas lexicais apresentam transcrição fonética, dada entre parênteses rectos, segundo a norma culta, aproximada, de Lisboa e Centro do país […].” Fiquei mais descansado: a minha articulação era culta. [Read more…]

Francisco José Viegas, o anjinho da procissão

000z90cfO chamado acordo ortográfico (AO90) assentou em três ilusões: o “critério fonético” (traduzido na expressão “escrever como se fala”), a “simplificação” da ortografia para facilitar a aprendizagem e a uniformização ortográfica do mundo lusófono como meio de criar textos ortograficamente iguaizinhos.

Não foi necessário perder muito tempo a pensar para se chegar, rapidamente, à conclusão de que o “critério fonético” acabaria por impedir a criação de uma ortografia única, cuja inexistência, aliás, já estava patente no texto do AO90, em que se admite que ponto máximo a atingir será o da “aproximação ortográfica”, o que correspondeu a destapar de um lado e tapar do outro. Nada disto, no entanto, tem servido de impedimento para que pessoas investidas de autoridade continuem a mentir, anunciando um futuro em que deixará de haver versões diferentes do mesmo texto ou edições diversas do mesmo livro.

Defender a simplificação de qualquer conteúdo a fim de facilitar a aprendizagem é um logro que serve para desvalorizar a importância do esforço e faz parte de um programa facilitista que está na base, por sua vez, de um processo de desinvestimento na Educação. Ainda por cima, um sistema ortográfico mal concebido e, portanto, incoerente, é fonte de confusão e nunca será fácil de aprender. [Read more…]