Viagem ortográfica à Idade Média

Nas escolas, está afixado o documento que podeis ver na fotografia, com a tripla chancela da República Portuguesa, do Serviço Nacional de Saúde e da Direcção-Geral de Saúde.

Nesse mesmo documento, ao alcance de milhares de alunos, podemos ver que a mesma palavra, ao que tudo indica, surge grafada de duas maneiras diferentes: “antissética” e “anti-séptica”.

Nos documentos emanados das chancelarias medievais, também era possível assistir a este fenómeno das duplas grafias, numa época em que a ortografia era, tal como hoje, uma utopia, ou seja, um não-lugar, uma inexistência. [Read more…]

O Acordo Ortográfico da Relógio D’Água

Numa passagem por uma livraria, peguei em Pensar Sem Corrimão, de Hannah Arendt, e, como de costume, passei os olhos pela ficha técnica, em busca, também, da opção ortográfica. Pude ler o que se segue:

Espreitei a última página e encontrei isto:

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Ó filho, já não estamos no tempo da ortografia!

Personagens: um rapaz suficientemente cauteloso para perguntar como se deve escrever uma palavra; uma mãe suficientemente informada para desconfiar que ninguém sabe.

Rapaz: Ó mãe, ó mãe, ó mãe!

Mãe: Ai, filho, uma vez chega, até me gastas a maternidade! Diz!

Rapaz: Ó mãe, ó mãe, olha esta fotografia aqui neste blogue tão espectacular! Afinal, como é que se escreve? É ‘veredito’’? É que já vi escrito ‘veredicto’.

Mãe: Isto deve ser um daqueles problemas do acordo ortográfico, anda tudo maluco. Se isto for assim no trânsito, as pessoas ainda podem começar a confundir sentido proibido com sentido obrigatório! [Read more…]

O “fato” académico

Santana Lopes orgulha-se de ter assinado, em 1990, o chamado acordo ortográfico (AO90), mesmo se considera a ortografia um assunto maçador. Há cinco anos, julgando mostrar o seu conhecimento sobre o assunto, desvalorizava as críticas ao AO90, acrescentando a seguinte cereja: “Agora ‘facto’ é igual a fato (roupa).”

Em 2009, Paulo Feytor Pinto, então presidente da Associação de Professores de Português, declarava o seguinte: “Contrariamente ao muito que se diz por aí, as alterações que vão ser introduzidas são muito poucas e julgo que basta uma meia hora para os professores aprenderem as novas regras. E depois é aplicá-las.” [Read more…]

Ortografia à bruta

Deus morreu, Marx também e o Benfica não se sente muito bem, diria Woody Allen, se fosse benfiquista e não hipocondríaco. O atropelamento sofrido pelo clube da Luz em Basileia deixou sequelas e o facto de Rui Vitória ter interrompido inopinadamente uma conferência de imprensa pode ser uma manifestação dessa dor, porque, na verdade, é difícil articular quando se está magoado.

Sendo eu benfiquista, ou por ser benfiquista, como qualquer adepto de qualquer clube, tenho sempre a secreta esperança de que amanhã tudo pode melhorar e lembro-me de derrotas copiosas que até acabaram em campeonatos. Enfim, a esperança é a última a morrer, enquanto for matematicamente possível, não podemos baixar os braços e temos de levantar a cabeça. [Read more…]

Ortografia: apocalipse agora

apocaliticas

Em mais uma volta, mais uma viagem, por um manual de Português de 10º ano, descubro a pergunta acima fotografada, relativa ao soneto “O dia em que eu nasci, moura e pereça”, essa variação talvez camoniana sobre o Livro de Job.

Graças ao chamado acordo ortográfico (AO90), ali está o adjectivo “apocalíticos”. Os autores do manual, para que os alunos não tenham dúvidas, explicam, entre parêntesis, que esta palavra significa “de grande desastre”. Talvez por falta de espaço, não indicam que o adjectivo é da família de ‘apocalipse’.

E, na verdade, como poderiam indicar tal coisa, se o AO90 obriga à separação de membros da mesma família?

Mais uma volta, mais uma viagem, por alguns instrumentos que, alegadamente, ajudam o escrevente a aplicar o AO90.

A Infopédia aceita “apocalítico”, embora, pela transcrição fonética, deixe claro que se pronuncia, por assim dizer, “apocalíptico”. Ora, uma pessoa estranha: mas não impõe o AO90 que se escreva como se pronuncia? Por outro lado, a Infopédia, também aceita que se escreva “apocalíptico”. [Read more…]

Desconexão ortográfica

conectividadeUma pessoa não pode e não quer estar sempre a pensar em ortografia, mas, muitas vezes, a realidade obriga-nos a pensar nela, não porque ela (a ortografia) esteja presente, mas apenas porque temos saudades dela, por não existir.

Numa passagem pela página da Worten, descubro que um aparelho em que poderei estar interessado tem conectividade e, como se isso não bastasse, ainda tem *conetividade. Olhai, que este é o tempo da multiplicação das duplas grafias, esse milagre proporcionado pelos apóstolos da religião do chamado acordo ortográfico! Assim como Jesus transformou a água em vinho, do mesmo modo os falsos profetas transformaram uma ortografia consistente em carrascão. [Read more…]

Santana Lopes ou ortografia sem dogmas

ng3661661Ontem, Santana Lopes, cultivando cabotinamente uma pose de senador, torceu um nariz aborrecido às pessoas que levam a ortografia a sério. Enfadado, declarou que, para ele, a ortografia não é um dogma e que, portanto, alterna, ao sabor dos ventos, entre a ortografia de 1945 e a de 1990, ainda que se orgulhe de ter assinado o AO90.

Ficamos a saber mais: o especialista em língua portuguesa que lhe explicou a necessidade de se fazer um acordo chamava-se Cavaco Silva. Como se isso não bastasse, explicou que isto do AO90 é uma boa tentativa que, tal como a CPLP, falhou. Santana, sem se aperceber, clarifica: o AO90 falhou.

Entretanto, no país, há pessoas que não têm direito à mesma liberdade que o antigo primeiro-ministro: os alunos do Ensino Básico e Secundário serão prejudicados, pelo menos nos exames nacionais, se não utilizarem o acordo. Pelos vistos, o sol ortográfico, quando nasce, não é para todos. [Read more…]

Dêmos ou demos? Porto Editora aconselha a grafia de 1945

Volto a deambular, indeciso entre o choro e a gargalhada, pela página que a Porto Editora criou para responder a dúvidas frequentes sobre o alegado acordo ortográfico (AO90).

Desta vez, houve duas entradas que me chamaram a atenção: 18. Já não é obrigatório colocar acento em formas do passado como ganhámos? e 21. A forma verbal dêmos do conjuntivo deixa de ter acento?

Em ambas as respostas, os autores remetem para o texto do AO90, o que está de acordo com os objectivos da página, aparentando coerência. Na verdade, o acento nas formas referidas era obrigatório e passou a ser opcional. O leitor acentuou? Está certo. Não acentuou? Está igualmente certo.

No que respeita ao cor-de-rosa, a Porto Editora defende que se possa escrever com ou sem hífenes, contrariando o texto oficial do AO90 e socorrendo-se do VOP, ou seja, quando o chamado acordo ortográfico obriga a que se mantenha a grafia de 1945, o VOP estipula uma dupla grafia, sendo que uma delas estaria sempre errada à luz de qualquer um dos dois acordos ortográficos mais recentes.

A mesma Porto Editora, confrontada com a possibilidade de não se  usar acentos nas formas verbais acima mencionadas, recomenda, agora, que sejam acentuadas, mesmo que o AO90 seja preguiçosamente indiferente a isso. [Read more…]

Mau aspecto

Quer saber como se escreve “aspecto” segundo o AO90? Consulte o priberam e a infopédia. Já sabe como se escreve?

Coimbra não é uma lição

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Imagem roubada ao João Roque Dias

Quem tiver a oportunidade de consultar, por exemplo, documentação medieval, deparará com grandes oscilações ortográficas, visíveis no facto de as mesmas palavras surgirem grafadas de maneira diversa muitas vezes no mesmo documento escrito pela mão de um único escriba. Entretanto, passaram alguns séculos e houve milhares de pessoas a pensar sobre as questões linguísticas, pedagógicas ou didácticas, o que inclui reflexões sobre a escrita e conclusões sobre as relações complexas entre a fala e a escrita e entre ambas e a aprendizagem da língua, do conhecimento e do mundo. [Read more…]

Homem com O grande

A transformação da ortografia em transcrição fonética pode estar mais próxima do que se pensa. Já se sabia que, no Brasil, havia quem defendesse o aprofundamento daquilo a que alguns chamam “simplificação ortográfica”, tendo como base a mirífica ideia de que devemos escrever como falamos.

A Comissão de Educação do Senado Brasileiro prepara-se para apresentar a todos os países lusófonos um projecto cujas bases podem ser lidas na página Simplificando a ortografia, na esteira do movimento Acordar Melhor. Há, pelo menos, um defensor do chamado acordo ortográfico que se opõe a essa ideia. Na minha opinião, acordar melhor é estar a dormir.

Por outro lado, graças a pessoas como a Maria João Marques, já tivemos tempo para aprender que “os portugueses, nisto da língua, devem sujeitar-se à maioria brasileira, porque é do lado de lá do Atlântico que está o “poderio económico e populacional””, o que quer dizer que o Brasil dita e Portugal escreve, que é assim que os países pequenos devem fazer. Com a ajuda Presidente da República e com a a preciosa colaboração da maioria dos alegres deputados de São Bento, já não deve faltar muito para que se possa enviar uma mensagem ao objecto da paixão com a frase “És o omem da minha vida”. Ou “És o omem da minha bida“, se for do Puarto. Ainda poderão escrever “Éj o omem da minha bida.” ou “Éj o ome da minha bida”. É conforme, portantos.

As duplas grafias como falsa questão

Lúcia Vaz Pedro, cumprindo uma promessa, vem, agora, tentar esclarecer a questão das duplas grafias.

(…) a existência de uma dupla grafia para a mesma palavra confirma a democraticidade da língua, que respeita as duas pronúncias: a de Portugal e a do Brasil. Assim e de modo a resolver os casos em que uma consoante se pronuncia ou não, salvaguarda-se a possibilidade de essa palavra ser escrita de duas formas.

O uso da língua será sempre pessoal, muitas vezes ao arrepio das regras e dependendo das situações. É por isso podemos exprimir-nos de maneira diferente, conforme estejamos entre amigos ou numa reunião formal, no que se refere à produção oral do discurso. No âmbito da escrita, poderemos recorrer a abreviaturas, em apontamentos pessoais ou em mensagens de telemóvel, poderemos inventar palavras novas, na criação literária, e teremos de respeitar, também, as regras ortográficas, na maioria dos contextos em que somos obrigados a escrever.

A “democraticidade da língua” não precisa, portanto, de duplas grafias para ser confirmada. O problema das duplas grafias, ou melhor, o problema da criação de novas duplas grafias é o de aumentar o caos ortográfico, é o de conduzir à anarquia, conceito que não se deve confundir com democracia. Fica, ainda, a faltar a referência à criação de novas homografias, outra fonte de ruído na comunicação.

António Emiliano, entre outros, já explicou a importância da escrita na sociedade em que vivemos. Neste contexto, as regras ortográficas devem ser claras e não difusas (ou, se quisermos, ditatoriais e nunca democráticas, para usar conceitos que, de qualquer modo, não são chamados para as questões da língua). O uso pessoal, repito, é outra questão. [Read more…]

O Expresso emigrou

telescópio ópticoSerá que este título do Expresso constitui mais uma prova de que o prestigiado semanário está a abandonar o chamado acordo ortográfico (AO90), tal como o Francisco tinha anunciado?

Se for verdade, nota-se alguma resistência: o mês com inicial minúscula e “projecto” ainda sem C, mas aquele P do adjectivo “óptico” poderá ser um sinal de que a ortografia está prestes a recuperar o brilho perdido. Seria preferível que a recuperação se desse toda de uma vez, mas aceita-se que o jornal queira ir salvando a face. Óptico seria óptimo, portanto. [Read more…]