Subsídio-dependente com a boca na botija

Fotografia: Lucília Monteiro

Há uns dias, partilhei neste espaço a notícia de que a empresa de Mário Ferreira, o magnata dos barcos e de outras mil e uma coisas, era candidata a receber subsídios estatais. 

Esperei uma reacção por parte da bancada parlamentar do CHEGA, mas até hoje… nada. Sei que são contra ciganos receberem ajuda do Estado, mas é estranho que não se manifestem quando este cigano se candidata ao pote. Bem sei que, dependendo do peso da conta bancária de cada um, ou se é beneficiário de um “subsídio” ou de uma “capitalização”.

Hoje, para choque, surpresa e horror (!) – de ninguém -, é noticiado que a Douro Azul, a menina dos olhos do “trapaceiro mor”, é alvo de buscas por suspeitas de fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais no negócio da compra e venda do navio Atlântida (negócio que, segundo o antigo líder da comissão liquidatária dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, se fez com recurso a “alta corrupção”). “Houve alta corrupção que envolveu políticos em funções, o Conselho de Administração dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, o júri do concurso, o BES e o comprador”, disse João Pedro Martins, arrolado como testemunha pela defesa da ex-euro-deputada Ana Gomes, num processo movido por Mário Ferreira contra esta última por “difamação” (Ana Gomes chamou “trapaceiro mor” e “escroque” ao candidato a subsidiário e agora alegado corruptor). Neste caso, como no da “capitalização”, aguardarei pacientemente por uma reacção da seita proto-fascista, evangélica e pró-chalupice que é o partido de André Ventura. Não me desiludam e ataquem lá este cigano.

Obviamente, a notícia e as suspeitas não escandalizam ninguém. É um passo lógico – quem mais acumula tem tendência a não olhar a quaisquer meios para chegar ao fim desejado: a acumulação injustificada de riqueza. Mais cedo ou mais tarde, isto descobrir-se-ia. Mário Ferreira, sabemos, é um ás do negócio e, como tal, da falcatrua e do roubo. Foi assim que chegou ao topo e era assim que planeava manter-se lá. Até hoje.

Carta aberta a Mário Ferreira

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© Mário Ferreira

Carlos Almendra Barca Dalva

Vamos por partes? Vamos.

Parte um: o Vale do Tua só não está hoje classificado como Património Mundial (como aliás, o Douro Vinhateiro e o vizinho Vale do Côa) por obra e desgraça da barragem de Foz Tua, da EDP e dos muitos autarcas a quem a empresa chinesa tem agraciado com mimos. Uma vergonha, todos sabemos.

Parte dois: no muito pouco que vai restar de uma das mais impressionantes vias férreas da Europa, numa fracção dos seus originais 130 quilómetros vai surgir um projecto de “aproveitamento turístico“. Assumimos que a locomotiva diesel que está a ser construída em Inglaterra seria uma réplica da realidade ferroviária de Portugal ou até mesmo de Espanha ou até mesmo da Europa.
Mas não.
O “comboio” que o Mário Ferreira pretende colocar a circular ao longo de 36 quilómetros é uma “cena” (à falta de outro nome) a imitar o Faroeste americanos, como nos filmes de índios e cowboys, tal e como como nos filmes de Sábado à tarde da nossa infância.
O “comboio”  [foto acima] que o Mário Ferreira pretende colocar a circular numa região de particular beleza natureza é uma cópia do mesmo comboio-zinho que circula em parques temáticos como a Disneyland de Paris. Ora veja.

Parte três: na Europa não há nem nunca houve comboios americanos com o aspecto piroso do brinquedo que o Mário Ferreira tratou já de encomendar em Inglaterra. Ponto final.

Parte quatro: na Europa, a começar por Espanha, há largas dezenas de projectos de “turismo ferroviário”, a funcionar em linhas também com serviço comercial ou em linhas desactivadas e afectas exclusivamente ao turismo.
Sabe disso, com certeza.
Também saberá que, por exemplo, no Chemin de Fer de Provence, França, circula uma locomotiva a vapor que circulou na linha do Tua. Peça original de que Portugal abdicou há anos. O mesmo acontece na Suiça, no Chemin de Fer do Jura. Outra locomotiva ex-Portugal. Aqui mais perto, basta visitar o Museu Vasco do Caminho de Ferro. Outra locomotiva a vapor ex-Portugal. E também uma automotora diesel ex-Portugal.

Parte cinco, e era aqui que queria chegar: não há na Europa um único projecto de turismo ferroviário puxado por um comboio de parque de diversões, tal como o que o Mário Ferreira parece estar apostado em trazer para uma via férrea monumental como é a linha do Tua.
Tenha por isso a garantia, Mário Ferreira, que toda a gente irá, de facto, reparar na nova Disneyland, no seu novo “Mundo de Descobertas“. Com um sorriso nos lábios.

(ou isso ou este é um tremendo golpe publicitário)