A propósito das crianças portuguesas que falam “brasileiro”

A também nossa Paula Sofia Luz publicou recentemente uma reportagem que deu algum brado e fez sair muitos patrioteiros de tocas mal frequentadas: “Há crianças portuguesas que só falam ‘brasileiro'”. Desde portugueses enojados a brasileiros ressabiados, juntaram-se nos comentários do jornal e das redes sociais dezenas ou centenas de idiotas de ambos os lados do Atlântico, agarrados a estereótipos e a interpretações espúrias da História, ou melhor, de um conjunto de sentimentos e de preconceitos que alguns confundem com História.

O fenómeno da influência do português do Brasil na expressão dos jovens portugueses não é novo e pode (e deve) ser discutido, excluindo qualquer laivo de superioridade ou de inferioridade e incluindo linguistas e professores de Português, sendo que, neste último caso, há um afastamento indesejável entre ambos os grupos – polemizando já um pouco, e sendo eu suspeito, há alguns linguistas que imaginam os professores como meros receptáculos, mesmo quando o assunto é o ensino de uma norma linguística, por muito que este conceito contenha algo de demasiado artificial.

Assim, se é verdade que não faz sentido censurar (em qualquer dos sentidos da palavra) os conteúdos brasileiros, é importante pensar naquilo que se chama o “cultivo da língua”, expressão difusa que se pode prestar a usos elitistas desajustados e que poderá, muitas vezes, entrar em conflito com a natural circulação de palavras e de conceitos. [Read more…]

Deixem estar a ortografia descansada

As polémicas e os debates não se fazem necessariamente a preto e branco. Na questão do chamado acordo ortográfico (AO90), acontece o mesmo: entre os que são contra e os que são a favor, existem várias posições intermédias, incluindo os que não se interessam pelo assunto.

Jorge Fiel conta uma pequena história que presenciou em Itália. Um casal de brasileiros, julgando que o GPS do carro que estava a alugar só se exprimia em português de Portugal, preferiu optar pelo inglês, “pois assim entendiam melhor.” Para a história ter um final feliz, descobriu-se que o GPS incluía, também, uma voz em português do Brasil. Problema resolvido.

É claro que não há aqui propriamente nenhuma questão ortográfica. Em primeiro lugar, os brasileiros, devido à falta de hábito de ouvir os portugueses, têm dificuldade em perceber a(s) pronúncia(s) europeia(s). Para além disso, há questões semânticas que, devido à mesma falta de hábito, tornam enunciados portugueses em objectos estranhos ao entendimento brasileiro, numa prova de que, muitas vezes, estamos separados pela mesma língua. [Read more…]

Acordo ortográfico e a tradução para português

No Público do passado dia 28, foi publicado um texto de Paula Blank sobre os problemas causados pelo chamado acordo ortográfico (AO90) no âmbito da tradução e revisão de textos em inglês sobre equipamento médico. Podem ler aqui.

Note-se que o texto de Paula Blank não trata propriamente das questões ortográficas, debruçando-se, antes, sobre as diferenças terminológicas e sintácticas que separam o português do Brasil do de Portugal. Essas diferenças fazem com que um técnico português tenha graves dificuldades de compreensão, quando consulta uma tradução feita por um brasileiro. Depreende-se, aliás, que um técnico brasileiro sinta as mesmas dificuldades, se for confrontado com uma tradução portuguesa. [Read more…]