Mais um episódio da saga Não há tradução para português e não se fala mais nisso

Pulido Valente e Esteves Cardoso tentaram. Mais recentemente (há dois anos, mas só agora dei por ela), Feijó Delgado repetiu a tentativa, com um nada recomendável ‘certamente’. Tentam, tentam, mas não conseguem.

Isto já não é o que era

Portugal, pátria do fado e da saudade, da nostalgia e do sebastianismo, da tristeza e da melancolia, de repente passou a ser optimista.

E, assim, começou a nossa desgraça.

Segundo a SIC Notícias, tal fenómeno é a primeira das duas razões para o Governo britânico ter retirado Portugal da famosa “Lista verde”: “a quantidade de optimismo aumentou muito”.

Já corriam uns rumores que os britânicos andavam desagradados com os portugueses que exibiam um optimismo e uma esperança irritantes. Até as letras dos fados que escutavam em Alfama, soavam a felicidade e alegrias insuportáveis.

Se Portugal quiser ter os turistas ingleses de volta, que arrepiem caminho: lamentem, chorem, entristeçam.

E para quem quiser perceber melhor este magnífico contributo de serviço público de informação prestado pela SIC Notícias, assente em tão criativa tradução das declarações do governante inglês, é só escutar o nosso podcast “Conversas vadias” que vai para o ar na próxima Segunda-feira (07/06/2021) às 22 horas.

Até lá, por via das dúvidas, chorem e lamentem-se, se quiserem os “bifes” de volta.

O confinamento voluntário do poder político português

O que quer que aconteça na vida não se reduz nunca ao facto do seu acontecer.
— António de Castro Caeiro, ‘Epidemia’ e ‘pandemia’: manifestações de totalidade (pdf)

I believe it was inevitable
VH

nothing but an ego[‘s]-trip, yeah!
Bach

***

Em primeiro lugar, esta comparação entre Cristiano Ronaldo e o ministro das Finanças — seja ele Centeno, seja ele Leão, seja ela Alburquerque ou seja ele Gaspar — é inadmissível e ridícula. A culpa inicial é de Schäuble, sim, mas não vale a pena perpetuar o delírio: já chegam as vaidades patrocinadas pelo Expresso. Estou de acordo com Tennessee Williams, não nos devemos intrometer nas vaidades dos homens — embora o maravilhoso dramaturgo só tenha chegado a esta conclusão depois de satisfeito com a tareia dada à ego-trip de Menotti. No entanto, a vaidade de um maestro ainda é como o outro: mas um ministro, efectivamente, não é um maestro.

Passando àquilo que interessa, sabemos que é inevitável. Abre-se o Diário da República e… ei-los.

Continuai no vosso confinamento voluntário, encolhei os ombros, assobiai para o ar, tapai o sol com a peneira, escrevei Orçamentos do Estado vergonhosos, dai-nos música sobre a língua, blá, blá, blá, e, principalmente, mantei-vos no vosso buraquinho, muito escondidinhos, bem distantes da realidade, para que o vosso faz-de-conta tenha um ar bastante sincero.

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Nótula: Segue-se um desabafo em forma de nótula, com reactivação dos primeiros apontamentos para este meu texto publicado na Torpor. Por mero acaso, tropecei neste debate entre Jack Lang e Éric Zemmour. Estava tudo a correr relativamente bem, até aparecer a história do pai de Zemmour. Enquanto os intelectuais que se pronunciam sobre tradução se mantiverem preguiçosamente encostados ao bordão do traduttore tradittore, continuaremos a assistir a debates vazios, travados por quem insiste em discutir pela rama assuntos efectivamente sérios. Como podereis reparar, o “traduire, c’est trahir” de Zemmour é acompanhado por aquela expressão corporal do “não se fala mais sobre o assunto“. Como diria Finkielkraut, “cette arrogance est absolument insupportable”. Quando políticos discutem língua, já se sabe que há despistes, mas, francamente, “idiot utile” (ou “inutile”, vai dar ao mesmo) não se admite e a réplica “idiot calculé“, passados uns dias, é igualmente inaceitável.

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UE sem palavras com o coronavírus a limitar o trabalho dos intérpretes

[tradução: Nuno Bon de Sousa]

Versão portuguesa de artigo publicado no POLITICO de 30 de Abril de 2020 e actualizado hoje, 25 de Maio de 2020.

A tradução é de Nuno Bon de Sousa.

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Linguistas definham enquanto Bruxelas adopta o distanciamento social e reuniões virtuais.

Por Maïa de la Baume 30/4/2020
(actualizada em 25/5/2020)

O coronavirus turvou a clareza e aumentou o ruído na bolha de Bruxelas.

A pandemia reduziu de forma drástica o volume de interpretação oferecido pelas instituições europeias, o que levou ao cancelamento de contratos de intérpretes freelance e deixou os representantes europeus com dificuldades de expressão.

Há duas semanas, Sandra Pereira, uma eurodeputada portuguesa da extrema esquerda, comunicou numa reunião da Comissão da Indústria do Parlamento Europeu que “lamentava” não poder falar na sua língua materna “num momento em que os tradutores e intérpretes estão a ser afastados.”

Numa reunião da Comissão de Assuntos Externos do Parlamento Europeu, o Presidente, David McAllister, pediu aos eurodeputados que falassem “na sua língua materna se for uma daquelas para as quais há interpretação.” Posteriormente pediu a um eurodeputado “que falasse inglês, porque os intérpretes já cá não estão.”

Apesar do distanciamento social e da proibição de viagens, o Parlamento afirma conseguir agora fornecer interpretação em todas as 24 línguas da UE para as sessões plenárias. Inicialmente não houve interpretação de gaélico e maltês, porque os intérpretes freelance dessas línguas não se podiam deslocar a Bruxelas.

“Os intérpretes garantem o multilinguismo da UE e são essenciais para a manutenção dos trabalhos e funcionamento das instituições” – Terry Reintke, eurodeputada alemã. [Read more…]

Tradução e gratidão

Foi depois de ter enfiado – com alguma fúria e frustração, diga-se – aquele insuportável livro num raro buraco de uma das estantes grávidas de livros cá de casa que, vendo na prateleira imediatamente superior e ao nível dos olhos o título a letras de ouro de “As Minas de Salomão”, de Henry Rider Haggard, na brilhante tradução de Eça de Queirós, me ocorreu de novo aquele sentimento de gratidão que tantas vezes me ocorre ao ler um livro traduzido por alguém cujo talento literário se mostra ao nível do autor original – não quero ter o maldoso atrevimento de me interrogar se, por vezes, não o ultrapassa.

Podia aqui fazer uma lista de tradutores- escritores e tradutores -académicos a quem estou profundamente agradecido mas, dada a feliz extensão de uma tal lista e a possibilidade de, por esquecimento ou ignorância, pecar por omissão, não o farei. Mas passam-me pela memória nomes, obras, descobertas, verdadeiros prodígios de tradução e recriação literária e/ou científica. Tanto mais que, não o ignoro, o trabalho de tradução é pessimamente pago e só o amor à arte motiva os melhores a fazê-lo. As gerações mais novas talvez achem esta gratidão excessiva, mas bem sabem os mais antigos como fizeram, por necessidade, os seus estudos sem ler uma linha na nossa língua. [Read more…]

Shaolin, meu amor

Entre os meus escassos talentos conta-se o de fingir que falo mandarim na perfeição. É um talento apenas conhecido de um reduzido grupo de eleitos que têm aplaudido as minhas actuações com inexcedível simpatia, chegando mesmo a fingir um entusiasmo que eu reconheço não poder ser genuíno. Evidentemente, não falo uma palavra do autêntico e legítimo mandarim, excepto as que se podem aprender nos restaurantes chineses. Mas finjo que falo e o meu fingimento é credível. Na verdade, é mais uma performance multidisciplinar porque também gesticulo de forma lenta e cerimoniosa e uso uma panóplia de expressões faciais que me parecem muito adequadas.

Fingir que falo mandarim é uma habilidade que está ao meu alcance apenas porque vi, numa idade por assim dizer tenra, um número considerável de episódios de “Os jovens heróis de Shaolin”. Para quem não sabe, nessa série produzida em Hong Kong contavam-se as empolgantes aventuras de Hung Hei Goon, Fong Sai Yuk e Wu Wai Kin, e os seus árduos treinos no templo de Shaolin, na China do século XVIII, para virem a tornar-se mestres de Kung Fu. Estes três haveriam de converter-se em heróis, recordados durante séculos, na luta contra a Dinastia Ching, dos Manchu, que havia derrubado a Dinastia Ming, dos Han.  [Read more…]

Legendas

A legendagem de filmes – primeiro – e das emissões televisivas – depois- foi uma das raríssimas heranças positivas dos tempos “da outra senhora”. Não que a ditadura tivesse preocupações com a integridade da criação artística, como acontece hoje connosco. Longe disso. A verdade é que a legendagem funcionava – independentemente da sua qualidade – como uma última barreira de censura.

A primeira era a proibição pura e simples, a segunda os cortes – por vezes brutais – e, finalmente, a legendagem. A dois níveis: um primeiro, a adulteração das falas, um segundo decorrente da simples dificuldade, ou impossibilidade, da sua leitura dada a baixíssima literacia da maioria da população. As coisas melhoraram muito depois da queda da ditadura e chegaram a elevados níveis na qualidade de tradução. [Read more…]

Lost in translation

Relativamente à palavra do dia, vejamos aquilo que se encontra no original

EL pais ES

e aquilo que se encontra na tradução

EL pais EN

É pena. Contudo, aprendemos a lição: a versão em inglês do El País não é de fiar.

Tradução da Declaração 10.ª Avaliação da ‘Troika’ (CE, BCE e FMI) – 16-Dez-2013

Transformou-se em tradição no ‘Aventar’. A intenção é preencher a habitual e lamentável lacuna do governo e da comunicação social do País em proporcionar aos portugueses os textos, em língua portuguesa, de documentos relevantes sobre a austeridade na vida dos cidadãos, bem como as condições socioeconómicas e o desenvolvimento da nossa sociedade.

É importante salientar o ignóbil topete da ‘troika’ ao tentar chantagear o Tribunal Constitucional, na linha da ingerência da soberania de um País que cometida por organizações supranacionais a que Portugal está vinculado tornam a atitude ainda mais abjecta.

Os actos de comunicação de governo, temperado de demagogia (Portas), de incertezas (Maria Luís Albuquerque) e silêncio cúmplice (Carlos Moedas), foram comentários superficiais sobre a 10.ª avaliação que, no tom e ligeireza com que foram expressos, estão longe de corresponder ao direito de acesso à informação dos cidadãos, limitando-se a curtos espaços televisivos e notícias breves na imprensa em geral. [Read more…]

Não há tradução para português e não se fala mais nisso

De vez em quando, tão certo como dois e dois serem quatro, aparecem as objecções à TRR, emerge a enigmática figura da letra C em aflição e em aflito, projecta-se o espectro da corrente mais extremada do “anti-AO” (*) e intervêm os adeptos do “não há tradução” e do “não há palavra em português”. Dizer-se “não há palavra para X em português” ou “Y é intraduzível” é, amiúde, uma forma requintada de impressionar os indígenas e de disfarçar uma momentânea preguiça ou uma quebra de ânimo, preferindo-se o impressionante requinte ao taxativo “não sei” ou aos matizados “não me lembro” e “não me ocorre”.

Confesso que não estava à espera de ler Miguel Esteves Cardoso a achar que não há tradução para termo tão prosaico como fairness (felizmente, apesar de utilizar o termo propinas em inglês, Esteves Cardoso não o remeteu para o catálogo da intraduzibilidade). Por exemplo, há uns anos, depois de quatro shallows, Vasco Pulido Valente lá acabou por se lembrar de superficial. Esqueceu-se foi o jornalista de lhe recordar que, afinal, sempre havia tradução. Contudo, para nosso descanso, no título da entrevista, adoptou-se a versão portuguesa.

(*) Em meu entender, José Mário Costa atribui uma imerecida relevância a inócuo artigo que escrevi no Público, em Junho de 2011 (acrescento que, na versão em linha, há dois parágrafos, nos quais discorro acerca da introdução de 1949 do Was ist Metaphysik?, de Heidegger, escrito vinte anos antes). Aliás, certamente por lapso ou distracção (o depoimento tem vinte e seis notas), José Mário Costa esqueceu-se de indicar o artigo. Felizmente, o artigo, aludido, mas não referido, decerto por lapso ou distracção de José Mário Costa, pode ser encontrado através do Google. Basta procurar “greve na CP para comboios em todo o país” e aparecem quer a notícia, quer o artigo, quer a alusão sem referência de José Mário Costa.

Actualização (08/10/2013): Hiperligação em “não sei”.

Como vai ser a tradução do WordPress para português?

Participe na sondagem para não ficar indiferente  sobre este desacordo que nem pára nem arranca.

Tradução da Declaração da ‘Troika’ – 7.ª avaliação

Declaração da Troika relativa à 7.ª avaliação do programa aplicado a Portugal, datada de 15 de Março de 2013, foi traduzida a partir do original publicado no ‘site’ do Fundo Monetário Internacional.

Tal tradução é, publicada, no Aventar que, à semelhança de outras ocasiões, dá a conhecer a quem queira consultar um documento do qual, como é hábito, o governo português, que se saiba, não cuidou de divulgar em versão de língua portuguesa. Eis a tradução em causa:

Declaração da CE, BCE e FMI sobre a sétima missão de avaliação a Portugal [Read more…]

Em dia de traduções

O Nuno e João traduziram a 5ª actualização do Memorando.

Exercício de cidadania

Desconfio que nem 24h vão ser precisas para termos o relatório do FMI traduzido. Obrigado.

Relatório do FMI: tradução colaborativa

relatorio fmi capa

Trabalho concluído

Nos últimos dias, a opinião pública foi confrontada com a existência de um relatório elaborado por técnicos da FMI. Esse mesmo relatório poderá vir a servir de base a muitas decisões governamentais que terão implicações na vida dos portugueses. Indepententemente de se concordar com o seu conteúdo, é inaceitável que a única versão disponível esteja em inglês.

Para que todos os cidadãos possam aceder directamente ao conteúdo do relatório, o Aventar, tal como já havia feito com o Memorando da Troika, disponibiliza este espaço cívico e blogosférico, a fim de que os interessados possam contribuir para uma tradução abolutamente necessária. Se muitos traduzirem um pouco, será fácil.

Pode consultar aqui a versão final da tradução do Relatório do FMI.

A seguir mantemos o trabalho original de tradução, não revisto. Por favor consulte a versão final na ligação acima.

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e-corrúpio

Em 2020 já não haverá livros, assegura-me ao telefone um amigo tomado de fascínio por essa visão pós-moderna da nossa existência próxima. Digo-lhe que não, que haverá sempre livros. Contra-argumenta lembrando a quota de mercado que têm actualmente os e-books, e afirma, insuflado de certeza pelas garantias da propaganda da tecnologia de ponta que o subjuga, que esse mercado vai crescer, que as pessoas já não vão querer ler livros em papel, que vão lê-los nos seus formatos digitais, com tablets e essas coisas que hoje também servem para ler. Digo-lhe que haverá sempre livros porque haverá sempre leitores de livros. Diz-me que esses leitores analógicos e anacrónicos vão morrer, e gradualmente dar lugar a novas gerações de leitores nada interessados no objecto-livro – segundo ele condenado, mais que não seja, porque é demasiado caro. Insisto que haverá sempre livros, e que pessoalmente não aceito participar desse programa de matança do livro. E para o calar remato: que me deixe às minhas utopias, sendo certo que essa espantosa engenharia das possibilidades se constrói com as cabeças que pensam e com as mãos que escrevem, com os olhos postos no Mundo que é preciso fazer nascer dos escombros – ruínas produzidas pelas mesmas tecnologias de mercado que reduzem pessoas a números indexados em bases de dados de consumidores-contribuintes dos e-Estados.

Desligo o telefone e baixo-me para apanhar um desses escombros: uma lamentável tradução recente de um livro de um grande escritor, talvez realizada num prazo absurdo para uma obra literária, num e-corrúpio à moda dos tempos, talvez unicamente revista num monitor de computador, talvez sem as sempre necessárias (e anacrónicas e analógicas, bem-entendido) provas de papel com emendas a lápis, ou talvez mesmo jamais revista por um revisor profissional, o que acrescentaria custos à edição – e sobretudo retiraria receitas aos editores reféns das lógicas monopolistas abjectas das grandes superfícies e suas cadeias de intermediários que, duma assentada, acabaram com as livrarias e com os ofícios da edição. E abro o escombro (editado por uma importante chancela, como agora se diz das editoras compradas pelos grandes grupos que se têm dedicado a dar cabo da edição de livros em Portugal) nas primeiras páginas para descobrir, atónita, a certificação que dá cabo de mim: as traduções dos livros desse escritor em Portugal são todas obrigatoriamente revistas por uma senhora professora doutora que assegura a sua qualidade. Como diria a minha filha tomada de perplexidade: what the fuck?!

Acordo ortográfico e a tradução para português

No Público do passado dia 28, foi publicado um texto de Paula Blank sobre os problemas causados pelo chamado acordo ortográfico (AO90) no âmbito da tradução e revisão de textos em inglês sobre equipamento médico. Podem ler aqui.

Note-se que o texto de Paula Blank não trata propriamente das questões ortográficas, debruçando-se, antes, sobre as diferenças terminológicas e sintácticas que separam o português do Brasil do de Portugal. Essas diferenças fazem com que um técnico português tenha graves dificuldades de compreensão, quando consulta uma tradução feita por um brasileiro. Depreende-se, aliás, que um técnico brasileiro sinta as mesmas dificuldades, se for confrontado com uma tradução portuguesa. [Read more…]

Financial Times alemão apelou ao voto dos gregos no ND

Na passada quinta-feira, o Finacial Times alemão apelou, em grego, ao voto no Nova Democracia. Na sexta-feira, foi o presidente do presidente do Bundesbank dar uma entrevista conjunta ao PÚBLICO, ao El País, ao Corriere della Sera e ao Kathimerinion onde defendeu a ortodoxia económica segundo o ponto de vista alemão.

A política europeia está ainda mais baralhada do que a sua economia, o que é deveras preocupante, já que foram as erráticas políticas europeias e nacionais que até aqui nos conduziram.

Seguem-se os respectivos textos em alemão e em português (tradução livre).

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A situação dos tradutores independentes em Portugal

Michelle Hapetian é autora desta carta aberta/petição, em que denuncia a situação dos tradutores independentes em Portugal.

A situação é lamentável, não é nova, mas raramente alguém a denuncia na praça pública.

Parabéns à autora.

Vale a pena ler a carta e reflectir acerca do seu conteúdo.

E vale a pena assinar a petição.

Eu também não sei alemão

O Governo alemão chegou a um acordo para reduzir o salário mínimo dos trabalhadores qualificados naturais de países fora da União Europeia e que são contratados por empresas da Alemanha, dos atuais 66 mil euros anuais para 44.800 euros.

Escreve a Agência Financeira e a Lusa retransmite para vários jornais online repetirem. A fonte da notícia  é que não está de acordo. Até sem saber alemão lá se chega: trata-se não de salário mínimo mas do rendimento mínimo para se ter autorização de trabalho, que será mais baixo,  e também se  aumenta o tempo de estadia na Alemanha para quem está à procura de trabalho (que passa a ser de 6 meses). Além disso na Alemanha nem sequer há salário mínimo.

Eu também não sei alemão mas leio os comentários de quem sabe no artigo do Público, por exemplo, confirmo com um tradutor automático, riu-me, ah, e também não sou jornalista.

Leonard Cohen: Villanelle For Our Time

Pela amarga busca no coração

Acelerada com paixão e com dor

Levantamo-nos para jogar um papel maior.

Esta é a fé da qual partimos:

Os homens conhecerão o bem comum de novo

Pela amarga busca no coração.

Amámos o fácil e o esperto

Mas agora, com mais aguda mão e cérebro,

Levantamo-nos para jogar um papel maior.

Partem as lealdades menores

E nem raça ou credo restarão

Pela amarga busca no coração.

Não nos guiando pela carta venal

Que enganou as massas pelo ganho privado

Levantamo-nos para jogar um papel maior.

Remodelando a estreita lei e arte

Cujos símbolos são milhões de assassinados,

Pela amarga busca no coração

Levantamo-nos para jogar um papel maior.

Letra; F. R. Scott
música: Leonard Cohen

E agora, algo completamente diferente: o “ganço”

Desde há uns anos que me apercebo da decadência do serviço de tradução com que somos brindados em filmes, séries documentários, etc.

A tradução é uma actividade interpretativa e não meramente mecânica.

O que se assiste, cada vez mais, é a legendas resultantes de uma tradução meramente literal, sem preocupação interpretativa ou análise semântica sequer. E, pior, os erros de escrita, estão cada vez mais presentes. Ainda a semana passada, li numa legenda de um filme, a palavra “ganço”.

Parece-me que o que se passa nas traduções, é apenas um sinal do declínio com que se trata a palavra escrita. Sinal que se estende a anúncios e até mesmo à imprensa. E os vícios do dialecto das mensagens de telemóvel em que petizes e adolescentes são mestres, não vão ajudar muito a melhorar as coisas no futuro, não.

Um dia, a tecnologia banirá a esferográfica e o corrector ortográfico brilhará para todos nós.

Mais um caso de concorrência desleal: Aventar perde o exclusivo da tradução do memorando

Tradução do conteúdo do
MEMORANDO DE ENTENDIMENTO SOBRE AS CONDICIONALIDADES DE POLÍTICA ECONÓMICA
Nota: O idioma da versão original e oficial do Memorando em referência é o inglês. A presente versão em português corresponde a uma tradução do documento original e é da exclusiva responsabilidade do Governo português. Em caso de eventual divergência entre a versão inglesa e a portuguesa, prevalece a versão inglesa.

A desculpa final do governo demissionário por ter evitado, ou pelo menos protelado, que os portugueses pudessem ler em português um memorando de entendimento com entidades estrangeiras, foi a de o acordo só ser oficial depois de assinado. Desde 6 de Maio que o Aventar disponibilizava uma tradução, que tem sido revista a partir de sugestões de leitores.

Foi assinado o acordo a 17 de maio, e a 20 de maio publicado no site do Ministério das Finanças.

Você sabia? Eu também não.

Já que pelos vistos o que prevalece é a versão inglesa, fique com:

É o que digo: com um governo que concorre assim com a iniciativa privada não vamos a lado nenhum. Privatizem-no.

Carta do Governo para a Troika – Em Português

AVISO!

No dia 1 de Junho, foi publicado no site do FMI uma tradução do MEPF (carta do governo para a Troika), ao que tudo indica não tem diferenças para a versão que traduzimos aqui no Aventar. Pode consultar esta versão em:

 


 

Nestes últimos tempos não se tem falado de outra coisa senão do acordo com a Troika. Os partidos fazem acusações entre si, a comunicação social vai vivendo destes pequenos atritos e os pundits produzem os respectivos sound bites. Depois de analisarmos toda esta barragem de comunicação, conclui-se que a triste verdade é que ninguém parece estar interessado em deixar os portugueses pensarem por eles mesmos. Decidimos por isso avançar com a tradução da Carta do Governo, o Memorando de Política Económica e Financeira.

Para ajudar à navegação, lembrar que dos documentos da Troika, constam três memorandos:

  • Memorandum of understanding on specific economic policy conditionality (MoU) – foi o trabalho que traduzimos em primeiro lugar aqui no Aventar – foi enviado ao BCE e à CE;
  • Memorandum of Economic and Financial Policies (MEFP) – é o documento que publicamos neste post – foi enviado ao FMI;
  • Technical Memorandum of Understanding (TMU) – este documento não está ainda disponível em Português, pode-se consultar em: 20110517-TMU-en.pdf (PDF 129 kB)
    Este documento não tem tanto interesse como os dois anteriores dado que o conteúdo é quase todo composto de definições e preceitos usados pela Troika.

O documento MoU é o mais popular dos três e foi escrito pela Troika. O MEFP foi divulgado em simultâneo com o MoU e é a tal “carta” que Louçã citou no debate com Sócrates sobre a TSU (Taxa Social Única) – ver parágrafo 39. É um documento oficial onde o Governo anuncia o que vai fazer a troco do apoio financeiro. Foi entregue à Troika e é referido por diversas vezes no MoU. O MEFP mostra o futuro agreste que nos espera, bem diferente das suaves comunicações que têm sido feitas sobre o “bom acordo” que foi alcançado.


Revisão de: 2011.05.20 00:05

Índice

A. Introdução e perspectivas macro económicas
B. Redução da Dívida Pública e Défice
C. Racionalização do Sector Público
D. Proteger o Sistema Financeiro quanto a desalavancagem
E. Aumentar a competitividade através de reformas estruturais
F. Assuntos programáticos
Créditos


Formatos para download:

Disponibilizamos este documento em formato PDF:


NOTAS:

  1. Este é um trabalho em progresso só estará concluído depois de ter sido devidamente revisto. Assim pedimos aos nossos leitores para nos alertarem sobre quaisquer tipos de erros que possam encontrar. Estamos neste momento a fazer uma revisão de português e a seguir sofrerá uma revisão técnica.Podem deixar comentários, ou então escrever para aventar.blogue@gmail.com (se forem revisões mais longas preferimos que seja por mail);
  2. Pode consultar uma cópia do original em inglês aqui (PDF – 63.4kB);
  3. Tentámos seguir as convenções utilizadas no documento original.

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Alô Câmara Corporativa: o Jerónimo de Sousa fez-me uma pergunta e eu gostaria de lhe responder

Tradução do memorando? Devia haver. É o que diz o chefe. Já podem linkar a nossa tradução do programa do próximo governo.  O homem ficou embaraçado.  Não se faz ao chefe.

Da nossa parte foi só serviço público. Incómodo? Acontece.

A máquina do tempo: traduttore, traditore

 

Hoje, a nossa viagem vai fazer-se por uma região pouco conhecida e ainda menos valorizada do planeta da literatura – a tradução. Nesse mundo mágico da criação literária, onde acontecem prodígios como a «Eneida», o «D. Quixote de la Mancha», o «Hamlet» ou a «Guerra e Paz», movem-se, quase como invisíveis duendes, os tradutores que, «à force de reins et de sueur», como disse Gustave Flaubert, conseguiram que muitos milhares de milhões de leitores fossem ao longo das gerações conhecendo a Ilíada, Dante, Cervantes, Tolstoi, Kafka, o que não é proeza pequena, sobretudo se nos lembrarmos que é cometida por seres praticamente invisíveis.

Invisíveis, porque, tal como acontece com os árbitros de futebol, o melhor que pode acontecer a um tradutor é passar despercebido. Quanto melhor tiver feito o seu trabalho, menos consciência deverá o leitor ter da sua intervenção. A tradução ideal, portanto, assemelhar-se-ia a um vidro muito perfeito, transparente e limpo, através do qual se pudesse ler o original, mas na língua de chegada. Um vidro que não distorcesse as imagens. Que não se visse, a bem dizer.

 

Na maioria dos casos, a tradução empobrece o texto original. Há casos, porém, como na tradução que Blaise Cendrars fez de «A Selva», de Ferreira de Castro, ou a que Jorge Luis Borges fez de «The Wild Palms», de William Faulkner. Que são exemplos em que o vidro que se interpõe entre a língua de partida e a de chegada não está limpo nem sujo, mas sim esmerilado pelo estilo genial dos tradutores. No caso da tradução de «A Selva», com a sua ironia cáustica, Almada Negreiros, aludindo ao estilo rude e primário dos primeiros livros de Ferreira de Castro, dizia que o ideal teria sido pegar na tradução em francês, feita por Cendrars, arranjar um bom tradutor e verter então a obra para português.

Gabriel García Márquez foi ao ponto de declarar que a versão inglesa de «Cien años de soledad», feita por Gregory Rabassa, ultrapassa a sua obra em qualidade literária. Tradutor, traidor, como diz o famoso aforismo italiano: estaremos nestes casos, como o de Cendrars ou o de Rabassa, perante boas obras literárias, mas más traduções, ou apenas em face de excelentes traições?

O catalão Joaquim Mallafré coloca o problema da tradução através de uma regra de três simples: «a obra original está para o leitor da obra original, assim como a tradução para o leitor da obra traduzida» e acrescenta – «o tradutor assume o papel do autor, repetindo a mesma obra noutra língua». É uma boa maneira de ver o problema.

*

Sou um leitor compulsivo e tenho sido, ao longo da minha vida profissional, tradutor compulso – isto é, numa certa fase da minha vida, compelido pela necessidade de ganhar a vida, e noutra compulsado pelas circunstâncias – as mais de as vezes por ser necessário executar o trabalho com urgência e não haver ninguém à mão capaz de o fazer dentro do prazo exigido. Como leitor sofro muito com as más traduções, com as trapaças, com a falta de brio profissional; como tradutor, sofro com a perpétua e justificada desconfiança do meu saber. Mesmo quando se trata de um vocábulo estrangeiro milhares de vezes por mim usado, vou sempre verificar se não haverá qualquer acepção menos vulgar que me tenha escapado. Sofro, sobretudo, quando, depois de editado o trabalho, descubro erros que deveria ter evitado.

Não vou aqui referir erros de tradução, pois isso obrigar-me-ia a falar de nomes, coisa que não quero. Depois, sei em que circunstâncias muitas vezes as traduções são feitas. Prazos exíguos, pagamentos parcos e ainda por cima incertos. Até há duas décadas atrás, as traduções eram geralmente pagas à página (30 linhas de 70 caracteres = 2100 caracteres). Hoje, com o trabalho feito em computador, usa-se mais como unidade de referência os conjuntos de 2000 caracteres. Mas, de uma forma geral, continua a ser um trabalho mal pago. Isto, quanto a mim, não desculpa que se façam as traduções que por aí aparecem. Já trabalhei por todos os preços desde o zero até ao bastante bem pago. O cuidado que ponho nos meus trabalhos é sempre o mesmo. Com esta afirmação, não pretendo ser modelo de coisa nenhuma, até porque conheço muita gente que procede exactamente como eu. O pior são os outros.

Estas reflexões sobre a tradução foram-me sugeridas por um livro que acabei de ler. Não vou dizer o título, pois isso poria em cheque o tradutor. Apenas um pormenor. Na obra, um romance, aparece repetidamente um sótão que se verifica pela descrição romanesca ficar no subsolo. Como o livro é traduzido de um original norte-americano, a confusão seria entre «attic», «loft» ou «garret» e «cave» (verifiquei, depois, compulsando o original, que a palavra usada foi «cave»). Embora não fosse exactamente o que se pretendia, a palavra portuguesa «cave» serviria razoavelmente, não se verificando o clássico problema dos «falsos amigos» – o ideal seria talvez «caverna».

O que se teria passado para que uma caverna subterrânea aparecesse transformada num sótão? Muito simples: a tradução não foi feita do inglês, como expressamente se indica na ficha técnica, mas sim do castelhano. Em castelhano, cave diz-se «sótano» e «sótano» – está-se mesmo a ver, não está? – só pode ser sótão! Temos, portanto, um tradutor que por ignorância ou preguiça substitui o original por uma tradução espanhola, mas que não sabe castelhano (o português da tradução é muito razoável, no entanto). Exemplos como este, de más traduções e de trapaças como esta são às centenas.

Por tudo o que fica dito e pelo muito que aqui não cabe dizer, se entende como é difícil traduzir. E como é difícil avaliar traduções, pois já tenho deparado com traduções globalmente mal feitas onde há problemas muito bem resolvidos. O contrário também acontece. Não entendo, por isso, como por vezes são atribuídos prémios de tradução, usando talvez critérios jornalísticos (falo de prémios atribuídos por jornalistas), mas sem a intervenção de especialistas, nomeadamente universitários. Como sabem eles que as traduções estão bem feitas? Mistérios.

 

 

 

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