Postcards from Canada #6

‘One word isn’t all I am’

 
O Congresso acabou hoje. Da parte da tarde moderei as duas sessões do segundo grupo de trabalho que organizei com o Pavel que (creio que já o disse) não pode vir. A sessão é sobre os imaginários urbanos acerca do mundo rural e a forma como os mesmos moldam os territórios locais. Há apresentações da Irlanda, do Japão, da Islândia, dos Estados Unidos, da República Checa e a minha, de Portugal. É interessante observar que os processos e as dinâmicas de reconfiguração, por um lado, e as representações sociais (urbanas principalmente) sobre o rural, são idênticos em toda a parte. É a globalização, estúpida! Claro. Ou o McRural*, como eu gosto de lhe chamar. As apresentações são interessantes e a discussão, especialmente na última sessão, mais ainda. Fico contente com isto. Gosto do meu trabalho, e de trabalhar no que gosto, já se sabe. Gosto tanto que muitas vezes (talvez demasiadas, embora ultimamente menos) ocupo os meus ‘tempos livres’ a trabalhar.
 
A seguir ao fim do Congresso, resolvo vir a pé até ao hotel, com a desculpa de que, como hoje choveu em Toronto, está mais fresco e o passeio de cerca de 20 minutos far-se-á bem. De facto, choveu em Toronto e parece que se respira melhor nas ruas e que o ar não está tão pesado. Mas foi um erro vir a pé. Primeiro porque me enganei, por incapacidade de localizar o norte onde quer que me encontre. Quando dei por mim, tinha ido justamente para norte quando deveria ter caminhado para sul. Mal me apercebo do erro, uns 4 quarteirões depois, volto para trás pela Yonge st., passando novamente a Dundas Square e caminhando em direção à Queen st East. Quando chego a esta rua apercebo-me também do outro erro: não está mais fresco em Toronto. A humidade faz, juntamente com o calor, um efeito de sauna e estou a transpirar abundantemente (como, creio, nunca transpirei na vida). Sabe-se que não devemos estar numa sauna mais de 10 minutos seguidos, ao fim dos quais devemos tomar um duche frio. Pois. No meio da Queen st East não há, infelizmente, duches e a chuva parou de cair já há umas horas.
 

Resigno-me à transpiração abundante e continuo a caminhar até ao cruzamento da Yonge com a Richmond st East. Viro à esquerda e depois logo à direita e aí está a Lombard st, onde fica o hotel. Quando chego à porta do hotel estou absolutamente encharcada em suor, incluíndo o cabelo e sinto uma espécie de tonturas. Sim, aparentemente, estive na ‘sauna’ tempo demais. Chego ao quarto e tiro a roupa toda e meto-me na banheira e respiro fundo. Pouco a pouco sinto-me melhor. Mas assusto-me um pouco, confesso, com esta situação. Parece que em Nova Iorque o ‘efeito sauna’ é ainda pior do que aqui e… bom, tenho de me preparar para isso. Bebo imensa água durante todo o dia, aqui, como bebo normalmente. Mas assim mesmo, parece que não é suficiente.
 
Ao fim de um bocado sinto-me bastante melhor. O banho e o ar condicionado ajudaram, evidentemente. Da janela do quarto vejo os relâmpagos sobre a CN Tower e o cenário é incrivelmente belo. Fico para ali a olhar para aquilo, do 11º andar. A chuva cai agora abundantemente e sinto frio dentro do quarto. Desligo o ar condicionado. Além da alergia ao calor, das tonturas… não me faltava mais nada senão constipar-me! A verdade é que no interior dos edifícios, cafés, restaurantes, universidades, lojas, a temperatura é a de um frigorífico. De manhã, por exemplo, depois de ter estado a congelar num Starbucks enquanto bebia um café expresso razoável, fiquei com os óculos completamente embaciados mal abri a porta para sair!
 
Mas estava a apreciar os raios sobre os arranha-céus e a CN Tower, da janela do meu quarto. Voltemos a isso. À noite, como agora mesmo, gosto de ter as cortinas afastadas e ver as cores que toma a torre, ora branca, ora vermelha, ora azul, ora verde… Toronto é a antítese da imagem que genericamente temos sobre o mundo rural, a expressão máxima da urbanização, da modernidade, da artificialidade (bom, ainda não fui a Nova Iorque). Há, no entanto, autenticidade nisto tudo. Especialmente nos habitantes de Toronto, que são tão simpáticos, tão prestáveis, tão inclusivos e respeitadores. Em toda a parte um sorriso, um aceno, uma ajuda se é pedida, um pedido de desculpas se esbarram inadvertidamente em nós ou um muito obrigada se lhes damos passagem. Há pouco um sem abrigo pediu-me um cigarro. Tenho os cigarros mais ou menos contados mas mesmo assim, naturalmente, dei-lhe um. Agradeceu-me com um sorriso desdentado mas enorme com um muito, muito obrigada. Um povo genericamente educado, portanto, me parece o canadense e me parecem os habitantes de Toronto.
 
Na véspera da minha despedida de Toronto (embora cá volte por instantes mais à frente, se tudo correr bem) a cidade parece-me, assim, cheia de urbanidade, no sentido de civilidade e respeito pelos concidadãos, mesmo se transitórios. Durante a tarde fui à casa de banho na universidade. Do lado de dentro da porta estava um cartaz que dizia apenas ‘Trans’. Em letras mais pequenas o cartaz pedia que lhe tirassemos uma fotografia com flash ‘to shed some light on #whatmatters ‘. Usei o telemóvel, com flash, naturalmente. E contribuí agora, espero eu, um pouco para trazer luz sobre esta necessidade de não nos definirmos apenas por uma simples e única palavra, seja ela a nossa profissão, o nosso género, a funcionalidade do nosso corpo, a nossa orientação sexual, a nossa ideologia política, a nossa religião, o país de onde vimos… somos todos bem mais do que uma palavra e temos muitos e diversos companheiros de viagem. Aproveitemos, pois.
 
* se alguém estiver interessado neste conceito, é ler aqui: http://link.springer.com/chapter/10.1007%2F978-94-007-6796-6_9

Comments

  1. anónimo says:

    Neste momento, talvez fosse mais interessante para os portugueses conhecer como é que é gerida a floresta do Canadá.

    • pois, mas era um congresso mundial, talvez não seja assim tão interessante para toda a gente… mas de facto, as questões florestais não são muito abordadas nestes congressos de sociologia rural, o que é estranho… a ver se no próximo mudamos isso 🙂

  2. anónimo says:

    Por cá é um chorrilho de obscenidades, que as televisões transmitem em directo, a partir do congresso do Pontal, e que repetem em cada noticiário. É um nojo.
    É o cabecilha dos terroristas a atacar Portugal, em directo.

  3. Pena não me ter lembrado mais cedo do PATH, aqui vai o link da câmara sobre este forma diferente de andar em Toronto fugindo à meteorologia. Mas como Açoriano, que também sou por ancestralidade e residência, sei muito bem o que é esse calor húmido que nos deixa pegajosos no Canada dos grandes lagos. http://www1.toronto.ca/wps/portal/contentonly?vgnextoid=f537b454b35a2410VgnVCM10000071d60f89RCRD&vgnextchannel=04708b7a29891410VgnVCM10000071d60f89RCRD

  4. Ana Moreno says:

    Olá Elisabete, então e que resultados mais ou menos concretos e interessantes para leigos saem de um Congresso Mundial de Sociologia Rural ? 🙂
    Abraço!

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