Delírio em Torremolinos

Foi há 37 anos, em Abril de 1980, que no Parlamento português se falou sobre um grupo de centenas de estudantes, acompanhado por uma única professora (estagiária), que foram numa viagem de curso para Torremolinos. A então deputada do PS Teresa Ambrósio falava em quatro a seis jovens mortos em acidentes com motorizadas, duas jovens que se teriam suicidado, violência física, traumas psicológicos, acomodações vandalizadas, distúrbios nas ruas, roubos, em especial a supermercados, e esfaqueamentos em Algeciras.

Tudo isto para dizer que, houvesse por lá um smartphone, e o que estes jovens da classe de 2017 andaram por lá a fazer na semana passada seria reduzido a uma festa na garagem dos pais com 4 cervejas quentes a dividir por 30 e malta muito insana a cometer loucuras como praticar air guitar. E a diferença é mesmo essa. Não haver nenhum smartphone. Ou redes sociais para a miudagem se gabar do feito. Isso, os mortos, as facadas e os assaltos a supermercados (espero eu). É caso para dizer que já não se fazem rufias como antigamente.

Quem também se pronunciou sobre o delírio em Torremolinos da década de 80 foi a deputada do PCP Rosa Represas, que acrescentava que alguns jovens, alegadamente identificados com a AD, haviam presenteado as ruas espanholas com “inscrições nazis” e “cruzes suásticas”. Quase quatro décadas depois, e porque os apostos realmente se atraem, não deixa de ser curioso que Maria João Marques, cronista do blogue-que-parece-um-jornal Observador, o Poderoso, assine um texto divertidíssimo com um título que podia muito bem ter saído do gabinete de Kellyanne Conway: “Finalistas aprenderam com a geringonça”. Tem muita classe e até chega a ser bastante simpático para os estudantes e para a geringonça, pelo menos quando comparada com a colagem igualmente divertida de Rosa Represas. A diferença está nas mortes, nas facadas e na propaganda nazi. E toda a gente sabe que mortes, facadas e propaganda nazi são preocupantes e assustadoras, mas não tão preocupantes e assustadoras como António Costa e a sua demolidora máquina soviética.

O problema está longe de se resumir à estupidez de uns quantos grunhos com problemas de aceitação. Porque putos a fazer merda sempre houve e haverá em todo o lado, seja em Torremolinos ou na Escola Secundária de Freixo de Espada à Cinta. E bastam 30 ou 40 idiotas para lixar 1000, agora como em 1980. Até porque, se vamos entrar em comparações absurdas, então porque não culpar a selvajaria neoliberal, onde o mais forte destrói bancos e vidas humanas sem nunca ser responsabilizado? Será que estes jovens também se sentirão influenciados pelo clima de impunidade em que operam as máfias financeiras com os seus produtos tóxicos e paraísos fiscais? E os jovens de 1980? Terão sido influenciados pela caranguejola de Sá Carneiro? Claro que não. A esmagadora maioria destes jovens não perde um minuto do seu tempo com geringonças ou terroristas financeiros, pelo que referências a alegados ataques à propriedade privada ou à aprovação no Parlamento do prolongamento do congelamento das rendas anteriores a 1990 não são apenas estúpidas. São doentias e perturbadoras.

O problema é sermos humanos falíveis com resmas de defeitos e com propensão para armar a bandalheira. Em casa, no trabalho, no estádio de futebol e no Parlamento, haverá sempre quem queira mostrar ao mundo o que de pior tem para lhe oferecer. Em Torremolinos estavam cerca de 1000 estudantes, e não consta que os mil se tenham organizado numa turba descontrolada para partir a cidade ao meio. Da mesma forma que nem todos os adeptos de futebol são violentos, nem todos os políticos são corruptos e nem todos os empresários são vis exploradores ao serviço do mal. Os jovens continuarão a juntar-se aos milhares, das queimas aos festivais, passando por festas populares, que não há São João ou Santo António sem batatada e a eventual facada. Jovens e menos jovens, com ou sem álcool, que não são muito diferentes dos jovens e menos jovens de outros países. E a solução não está na repressão ou na autoridade salazarenta. Está na educação e no exemplo, e o exemplo que vem de cima não tem sido o melhor, pois não?

Trackbacks

  1. […] Infelizmente, e por muito assustador que tal possa parecer, o problema começa nas escolas. Temos uma classe política onde reina a corrupção, que paga favores de campanha com dinheiros públicos nas costas dos eleitores, temos jotas com doses industriais de arrebanhados, capazes de (quase) tudo para conseguir um emprego na câmara, um tacho numa empresa pública ou um lugar que lhe permita um dia “ser alguém” na estrutura, e agora temos um outro subnível, perfeito para o recrutamento de novos cordeirinhos para as juventudes partidárias, com empresas privadas a patrocinar uma eleição onde a presença de pseudo-figuras-públicas é o principal argumento de um programa/plano de acção do qual ninguém quer saber. Empresas privadas que acabam por obter ganhos substanciais, não por serem as melhores ou oferecerem o melhor serviço, mas porque literalmente compraram a associação de estudantes com brindes, viagens, tipas com excesso de cosmética e rebeldes de solário em pré-overdose por excesso de anabolizantes. A vida política portuguesa está totalmente minada, das escolas ao Parlamento, mas o problema são os 30 ou 40 pirralhos que armaram a bandalheira em Torremolinos. […]

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