Postcards from Greece #64 (Corfu)

«Maybe it’s not about the happy end, maybe it’s about the story»

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estava escrito, num grafiti muito tosco num muro velho na praça Lemonias. Só quando passei a fotografia para o computador vi que tinha cortado a palavra ‘end’. A frase ficou estranha na fotografia: ‘maybe it’s not about the happy, maybe it’s about the story’… ou, daí talvez não tenha ficado assim tão estranha, talvez faça também sentido. É o meu último dia em Corfu o dia a que se refere este postal e o dia em que ao entrar na praça Lemonias dei com o velho muro com esta frase. É também o dia antes do antepenúltimo que passarei na Grécia, pelo penos desta vez. Acordo tarde, no velho hotel e não tomo o pequeno almoço, porque já passou da hora. Arrumo as minhas coisas, tomo banho e deixo a mala na receção antes de sair para a rua. O voo para Atenas é apenas às 19h40, pelo que tenho muitas horas ainda – mas nunca as suficientes, como sempre – para me passear pelas ruas estreitas da cidade e me distraír com os seus belos edifícios de arquitetura italiana. A cidade antiga poderia facilmente ser uma cidade italiana, já o disse ontem. Apesar de terem sido os Venezianos os responsáveis pela arquitetura da cidade, a verdade é que, para mim, Corfu se assemelha muito mais a Nápoles ou a Génova do que a Veneza. Para começar faltam-lhe os canais, é evidente. Apesar de ter o mar, a configuração é completamente outra e o modo como a cidade se relaciona com a água também. Faz-me lembrar Nápoles e o Quartieri Spagnoli, nas margens do qual fiquei alojada quando estive – que saudades – na bela cidade do mezzogiorno. A roupa a secar em estendais improvisados em qualquer parte, de um lado ao outro das ruas, algumas, como disse, muito estreitas (e nisto sim, também se parece com Veneza e com Génova e com muitas das outras cidades italianas que conheço) torna tudo pitoresco, mas de um pitoresco desalinhado e imperfeito de que não posso senão gostar.
Quando saio do hotel a minha intenção é ir visitar a fortaleza nova, logo ali à beira do porto antigo e, portanto, do hotel. Pergunto à menina da receção onde é a entrada e ela lá me dá indicações. É fácil dar com a rua onde devo virar e ali está uma igreja cor-de-rosa, com roupa a secar na frente e um grafiti com abelhas curiosas nas paredes. Antes, encontro uns homens que pintam vagarosamente – afinal é domingo – as molduras das janelas de uma casa e, logo a seguir, uma praça encantadora – a praça da Nova Fortaleza – no centro da qual se ergue uma comovente estátua que assinala a deportação e o extermínio de 2000 judeus de Corfu, durante a II Guerra Mundial. Admiro a estátua de vários ângulos e continuo a subir até à pequena igreja cor de rosa. Há umas escadas muito escorregadias, com piso de pedras redondinhas encantadoras, mas perigosas, e eu subo-as até chegar a um grande portão com uma seta para a direita que diz ‘entrance’. Nada, o portão está fechado e não há ninguém. Avanço assim para a esquerda, passo um arco e estou do lado de fora das muralhas, numa rua que já não deve ser património mundial da humanidade, a julgar pelo ar das casas e pelo estado de conservação de tudo ali em volta. Vejo outro portão que diz ‘entrada na fortaleza pelo portão à esquerda’. Animo-me e continuo a caminhar para a esquerda mas nada de entradas, abertas pelo menos. De modo que me conformo e avanço para a rua El. Venizelou de onde me perco nas ruas e ruazinhas e reentro no património mundial da humanidade. É preciso dizer que mesmo as casas da cidade velha, da cidade que é património, não estão, na sua maior parte, bem conservadas. Os proprietários não têm dinheiro para as obras, explicou-me o senhor falador do café onde bebi um ‘americano’ outro dia. É pena porque algumas têm mesmo um ar abandonado e periclitante, parecendo que podem desabar a qualquer instante.
 
Depois de andar a admirar arcos e escadarias, a medir a estreiteza das ruas pelo comprimento dos meus braços abertos, chego a outra praça encantadora – a Dimarchiou. Está um dia, novamente, encantador e a praça é tão bonita, com a igreja (católica) toda branca e a Câmara Municipal (ou equivalente), em tons de amarelo e azul, muito trabalhada. Há pessoas sentadas ao sol e crianças que andam de bicicleta ou correm. Sento-me um bocadinho a fumar um cigarro e depois continuo para a grande praça (Liston ou Spianada, como já escrevi num dos postais anteriores), toda relvada e cheia de sol. Há muita gente na praça. Imensa gente. Muito menos carros do que ontem ou antes de ontem. As pessoas estão sentadas a conversar, ou em pé. Andam de trás para diante. Há muitas crianças que jogam à bola, correm ou andam de patins ou bicicleta numa animação sem fim. É domingo em toda a parte e mais ainda em Corfu. Toda a cidade parece ter-se concentrado aqui. As esplanadas dos muitos cafés estão cheias de gente também. Vou até ao pé da fortaleza, cruzando a praça e a sua azáfama domingueira. Demoro-me a ver o mar e os barcos. É domingo em toda a parte. Uma criança chama os pais muito alto. Olho melhor. Os pais estão lá em baixo no mar em cima de pranchas. A criança está com os avós cá em cima. Falam uns para os outros àquela distância e também aqui tudo isto me parece italiano. Napolitano. As pessoas conversam de uma janela para outra, do outro lado da rua, da varanda de um jardim sobre o mar, cá muito alto, para o mar lá em baixo, como se estivesse lado a lado. Muito alto, claro.
 
É domingo em toda a parte e eu reparo que tenho fome. Tinha bebido um café e comido um bolo numa creperia quando saí do hotel. Mas já se passaram algumas horas. Sento-me também eu numa esplanada e como um iogurte grego cheio de frutas, nozes e mel. E um sumo de laranja. E um café. Não há nada melhor que ser domingo e comer um iogurte grego verdadeiro. Vou sentir falta dos iogurtes da Grécia. Os segundos melhores do mundo que conheço. Os primeiros são os turcos (os gregos que me perdoem). São parecidos, mas não são iguais. Tal como o café. O grego e o turco são muito semelhantes, mas não iguais. Continuo, aqui também, a preferir a versão turca. Quando acabo, fico ali a olhar para as pessoas e a imaginar as suas vidas. Tirando as casas que parecem ir desmoronar-se (enfim, não todas, como é evidente) a qualquer momento, não se vêem grandes sinais da crise em Corfu. Pelo menos não tantos como em Salónica ou como em Atenas. Mas talvez seja apenas a impressão deste domingo cheio de sol e encanto e pessoas na rua. O senhor falador do café disse-me que as pessoas agora saem muito menos de casa do que antes da crise se ter instalado. Na verdade, nos dois dias anteriores não vi muita gente na rua, apesar de estar sol e ser, também, fim de semana.
 
Quando dou por terminada uma das minhas atividades favoritas – o ‘peoplespotting – levanto-me e refaço o caminho que, no primeiro dia fiz, já com o anoitecer. Desço devagar a Mouragia, a rua que se faz e desfaz em curvas suaves, com as casas a cair no mar. Aprecio pela última vez, com outra luz, a paisagem, o imenso mar azul, a fortaleza, a ilha Vido, as montanhas que crescem atrás dela, no horizonte, os barcos grandes e pequenos no mar. Quando chego ao fim da grande rua, reentro na pequena praça onde está outra igreja cor de rosa, Panaghia Spiliotissa (em português, qualquer coisa como Nossa Senhora da Caverna) e, depois de subir as escadas viro na rua estreita à direita, com mais roupa a secar. É aí que vou dar à praça Lemonias e encontro o velho muro que me diz, acertadamente creio, que talvez não seja o final feliz que importa, mas a história.
 
 

 

 

Comments

  1. Nascimento says:

    Belo relato, mas, realmente a crise existe e é muita… a ultima do rapazola do Syriza é proibir Greves!!! Os aeroportos já vão em 14 privatizados! CURIOSAMENTE OS DAS ILHAS DE SATORINI E MIKONOS PERTENCEM AGORA AOS ALEMÕES!!!PORQUE SERÁ?CALA-TE BOCA….

    Mas, em relação ás ” impressões” sobre o lugarejo ( Corfú)…ui,Imagine só Palaiokastritsa… que praia! que sonho! Só de camioneta ou á boleia…Não havia motas de agua , não havia o turismo de massas, nadava-se de rocha para rocha… e o SILÊNCIO? Até o disparo do obturador se ouvia!Ui,é verdade, Corfú, muito ” inglesa”, uma certa decadência representativa de um tempo a dar para o colonial,mas, o Tempo…a lassitude, o Olhar, o Cheirar esse lugar maravilhoso que era toda a ilha de Corfú…e,andar, muito.Que saudades de dormir ao Luar Quente num saco de cama nos navios que faziam as ligações entre Brindisi e Corfú, Patras,e vice versa. Depois? Comboio ( sempre) e Mochila ás costas!!! SIGA QUE PRÓ ANO HÁ MAIS!! Mas, qual ALGARVE???Livra…eheheheh


    • pois isso da proibição de greves… já deu pano para muitas manifestações… acho que escrevi sobre isso num postal ou outro 🙂

      Quanto a Corfu, agora também estava silencioso e delicioso, quase sem pessoas, exceto os locais 🙂

    • Pedro says:

      Elisabete, atenção que o governo grego não proibiu nada greves, embora dê jeito a muita gente, seja de esquerda (sobretudo aí os sindicatos comunistas) e à direita, obviamente, espalharem esse boato. As regras para a convocação de greves é que mudaram.

      • Elisabete Figueiredo says:

        Sim. Mas é muito mais difícil (ou será) . Eu confesso que usei como fonte o KKE 🙂

        • Pedro says:

          Ah 😉

        • Nascimento says:

          A minha fonte foi Ortodoxa ( Igreja)… muito ligada aos que no terreno trabalham com as Pessoas! E não… não são KOMUNISTAS embora estes existam ( e ainda bem) e pararece que por aqueles lados muitos houve que foram fuzilados por NAZIS… não foi senhor PEDRO?Pois é… mas, pode sempre ir tentando que resposta não lhe vai faltar.Percebido? Adoro xuxas.

          • Pedro says:

            Lindo discurso, mas não lhe serve de nada. Não precisa de fonte, Nascimento. Nem ortodoxa, nem comunista. Vá ler directamente a lei, ou peça para lha traduzirem, e resolve o assunto.