10 Anos a Aventar: Tão Longe, Tão Perto

Paulo Guinote

2009 é um ano que me parece tão distante quanto próximo. Era um tempo já não de pioneirismo blogosférico, num espaço comunicacional que ainda não se designava como de “redes sociais”, mas em que os blogues funcionavam como campo de combate político que escapava aos limites da comunicação social tradicional. As “redes sociais” ainda não o eram verdadeiramente: o hi5 já tinha quase desaparecido, substituído pelo ainda graficamente incipiente facebook que então parecia um twitter em nascimento. Sim, já lá tínhamos muitos conta, mas aquilo não era bem um espaço de debate. Existia youtube, mas os youtubers ainda andavam a aprender a ler e a escrever mal, culpa dos professores na altura momentaneamente descongelados de uma (falhada) forma eleitoralista.

Os blogues, sim, estavam talvez no seu período áureo em Portugal, nos anos de chumbo do socratismo, directos antecessores dos anos de aço do costismo da geringonça, por isso 2009 acaba por não parecer assim tão longe.

A blogosfera, que em Portugal teve a paternidade reclamada quase em exclusivo por Pacheco Pereira, já tinha sido dividida na altura entre “boa” blogosfera (o seu Abrupto) e “má” blogosfera (o resto todo, salvo adequadas excepções que não me ocorrem). Na má blogosfera, à qual se atribuíam pecados do pior, avultava no início de 2009 um conjunto de blogues colectivos com posicionamentos políticos razoavelmente claros. Existiam mais, mas a meia dúzia que fazia escola dividia-se pelos “radicais de esquerda” (5dias, Arrastão), os situacionistas do socratismo (Jugular, Câmara Corporativa, uma das incubadoras dos “factos alternativos” entre nós) e os betos de direita (31 da Armada, Insurgente). Quase todos desapareceram, à medida que os seus colaboradores mais destacados arranjaram lugar num gabinete governamental ou foram cooptados pela comunicação social mainstream.

A coisa era mesmo tóxica, embora a um tipo que estava de fora, há uns anos a blogar em nome individual, sem gráficos a fazer coisas giras e malta a “customizar” os templates ou a pagar domínios, parecesse que aquilo era um bocado a fingir e aquela malta, no fim, fizesse como os deputados ou os comentadores de futebol da televisão… belas jantaradas em que gozavam com quem os lia e levava a sério.

É neste contexto que surge um novo colectivo, com a enorme estranheza de não ser imediatamente possível situá-lo no esquematismo da altura. Que escrevia sobre mais do que política pura e dura e até tinha pessoal a escrever com algum sentido sobre Educação, não apenas a zurzir nos professores ou a defendê-los só porque eram contra o Sócrates. O nome e a declaração de princípios inicial era suficientemente ampla para se ter esperança na diferença deste colectivo em relação aos que dominavam o “mercado” na altura.

A verdade é que se passaram dez anos e o Aventar continua e parece-me de boa saúde numa altura que a migração para as redes sociais fez com que tudo se fragmentasse ainda mais e o debate político e troca de ideias se tenha transformado em algo ainda mais redutor e maniqueísta do que era.

2019 é o tempo das fake news, em que se acredita que eleições são ganhas ou perdidas graças a manipulações da informação, em que o big data se instalou mais para confundir do que para ajudar. Em que os bloggers de sucesso falam de moda, de roupinhas para bebés, de comida vegan, de tascas gourmet, de cosmética patrocinada. 2019 é todo um outro mundo no espaço virtual.

Desta forma, 2009 parece distante.

Mas olhamos para o país e parece tão perto. Continuamos com malta a mandar nisto tudo, mas trocámos o zeinal pelo mexia e o salgado por uns tipos que trabalhavam ou eram pagos por ele. A quadradura passou a circulatura, mas os sentados apenas me acompanharam na engorda (física). Sim, trocámos o cavaco pelo marcelo, mas se bem nos lembrarmos, ambos foram bem colaborantes com os respectivos governos socialistas nos primeiros mandatos, assinado quase tudo de cruz e vetando apenas o essencial para parecer que são outra coisa. Talvez não se lembrem, mas o cavaco também era afectuoso, até com os cagarros, como tinha sido popular com uns bolos de pastelaria. O santana que dizia que ia sair do ppd/psd foi trocado por um santana que finalmente saiu do ppd/psd. Não temos o sócrates mas temos o costa, o vieira da silva, a vieira da silva, o par cabrita/vitorino, o santos silva. Não temos aeroporto na ota, temos no montijo.

Sim pelo meio passaram a troika, o passos coelho, o relvas, o portas, o gaspar, a maria luís, o maçães, o modedas e mais uns quantos moços jeitosos em matéria de escolha de fatos discretos e camisas de marca, mail’as gravatas de seda. O Aventar sobreviveu a isso sem baixas de monta. Sim chegou a geringonça e as coisas pareciam talvez mudar, até eu quase acreditei nisso, mas o Aventar sobreviveu a tentações a que outros não sobreviveram, mantendo “a estrutura e o espírito da equipa”, mesmo se fez algumas transferências. E se calhar, embora sabendo que não, ainda por lá se acredita que é possível alterar alguma coisa com o poder da palavra.

Não sei se durará mais dez anos, por dez anos, sendo que passam depressa se olharmos as coisas de uma forma, passam muito devagar quando são vividos ao vivo, sem ceder às tais tentações. .

Eu gostava que durasse, porque eu continuarei a andar por cá e gostava de voltar a escrever-lhes a crónica abreviada dos anos 2019-2029.

Comments

  1. Parabéns pela resistência, há 10 anos já andava nisto da blogosfera e visito-vos desde o início. Por aí no Continente houve mais mudanças que por cá nos Açores, certo que César deixou um Cordeiro e os muitos familiares em lugares estratégicos dando a receita de clãs de família no poder a Costa. Por aí o Aventar continua sem bloqueios e por cá ao meu Mente Livre local quase a completar os 10 anos viu a censura de ser considerado abusivo no Facebook,vao fim de 9 anos, como se fosse pornográfico ou defendesse ideias extremistas ou a misogenia, xenofobia ou anti LGBTI… Parabéns mais um vez cada um resiste à sua maneira sem medo de escrever.

  2. Anabela Magalhães says:

    Excelente análise! Parabéns ao Paulo e a todos os que continuam a tocar para a frente o Aventar.

  3. Ricardo Ferreira Pinto says:

    Muito obrigado pelo texto, Paulo.
    Por aqui, cada vez mais desiludido. Seja Sócrates, Passos ou Costa, seja o PSD, o CDS ou o PS, seja apoiado pela Direita ou pelos Partidos da Esquerda, parece que é tudo exactamente a mesma coisa.
    Dizes tu que se calhar, no Aventar, «Ainda por lá se acredita que é possível alterar alguma coisa com o poder da palavra». Da minha parte, já não acredito. Já não acredito em nada.
    Um grande abraço.

    • Ana Moreno says:

      “A verdade é que se passaram dez anos e o Aventar continua e parece-me de boa saúde numa altura que a migração para as redes sociais fez com que tudo se fragmentasse ainda mais e o debate político e troca de ideias se tenha transformado em algo ainda mais redutor e maniqueísta do que era.”

      Este facto em si é uma manifestação de resistência. Acreditar ou não acreditar não faz diferença, diferença faz fazer ou não.

      Obrigada, Paulo Guinote!

  4. Eu também : obrigada por este texto de resistência, toda ela e seja qual for, Paulo Guinote e Aventar !

    Aqui cheguei um dia ao Aventar por acaso ( ou não ) e o certo é que por aqui fiquei convosco, com visita ” obrigatória ” diariamente no meu recanto de intervenção muito limitada/condicionada e pessoal mas firmada em bons princípios segundo a minha circunstância/formação e carácter, …..eu que, desinformada por educação castradora, comecei a tomar consciência do mundo tardiamente com as leituras de Roger Garaudi ( ?! : ) …
    atrevendo-me agora a comentários de acordo sobretudo com essa minha sensibilidade e vontade de acreditar ainda que é possível mantermos a esperança e teimosia simbólica de querer “ouvir as pedras a cantar ” ( conforme poeta grande nosso e quase esquecido, José Gomes Ferreira ) .
    Agora que de novo e de modo mais poderosamente perverso e subtil nos querem calar e formatar e aniquilar vontades, ideais e anseios de um mundo sustentável e com futuro digno, é bonito manter estas tertúlias mais personalizadas de pessoas diferentes e temas interessantes diversos, que não a banalidade apressada de opinar nessa coisa das redes socais facebukianas aonde não quero entrar nunca .
    É no Aventar sobretudo e principalmente que vou tomando conhecimento do que de essencial vai acontecendo, e de sérios alertas baseados em informação fidedigna, que não nos media que nos invadem a mente supostamente, se o permitíssemos, com a vulgaridade e parcialidade/má fé que sabemos .

    E porque neste pedaço de poesia reside algo que sinto :

    …”Que a força do medo que tenho
    Não me impeça de ver o que anseio
    Que a morte de tudo em que acredito
    Não me tape os ouvidos e a boca

    Porque metade de mim é o que eu grito
    A outra metade é silêncio” ….

    Saudações cordiais a todos os aventadores !

    Ficarei por aqui até não sentir que estou a mais, ou
    até não estar definitivamente….. porque sim .

    porque já venho de um tempo antigo assim:

    ....montávamos nas nossas bicicletas sem travões e íamos até á casa do nosso amigo e nem chamávamos por ele á porta da sua casa; simplesmente entrávamos em casa dele e pronto, e estava tudo bem ! : )

    • Ana Moreno says:

      Não vale Isabela, isso dava para post de aniversário do Aventar! 🙂 Agora tem de escrever outro e enviar, fachavor 🙂

      • : ) …´tá bem, Ana, já era para constar como tal, que não me apraz estar na 1ª fila, nem de grandes erudições serias, enviarei então. alterado, melhorado, ou assim assim, como me aprouver ? para o endereço Aventar.blogue@gmail.com ?

        Valeu !

        • Ana Moreno says:

          Isso mesmo Isabela, ficamos a aguardar!
          Como lhe aprouver está óptimo 🙂

          • ….agora nestes dias de fim de semana vou estar noutra de tasse bem com os que mais amamos , a aventarmos tristezas e saudades . Depois voltarei aqui a aventar convosco .
            Abraço de primavera e andorinhas : )

  5. Sem baixas de monta … perdoa … mas e o João José Cardoso? Carpe diem, à toi, João. Li e vou reler, nem assimilei, procurei o nome dele …

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