O Acordo Ortográfico de 1990 é extremamente indigesto

… e o psiquiatra sentiu-se prestes a ser devorado por um réptil terciário em cujas mandíbulas o sangue do baton revelava claramente monstruosas intenções assassinas.
— António Lobo Antunes, “Memória de Elefante
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Efectivamente, enquanto uns sugerem que engulamos insectos, outros, além de nos imporem uma dieta de insetos (cruzes, credo!), enfiam-nos pela goela abaixo osgas, cágados, relas, camaleões, cobras, lagartixas, lagartos, sardões, víboras, rãs, salamandras, sapinhos, tritões, fatos, sapos, licranços, seções e contatos:

Aliás, a foto que ilustra esta glorificação de quem não precisa de crivos académicos para a adopção de teses, apenas da gratidão do poder instalado,

Foto: José Carlos Carvalho [http://bit.ly/2P4sedY]

não valendo por mil palavras (valerá umas 50, se tanto), explica muito bem a aplicação do Acordo Ortográfico de 1990:

  • repare-se na falta que o ‘c’ faz em acção, substituído por outro diacrítico, um acento agudo (seria acento grave, no caso concreto, mas não é grave, tendo em conta o assunto aqui em apreço);
  • verifique-se a falta que o ‘p’ faz em baptismo, substituído, como em acção, por outro diacrítico (de novo, um acento agudo);
  • veja-se o Expresso a publicar alegremente uma foto com um fato, em vez de facto.

Nótulas intercalares:

  1. acção: já me pronunciei (ficheiro pdf, pp. 97-108);
  2. baptismo: pronunciou-se Maria Raquel Delgado Martins (neste livro);
  3. répteis e anfíbios: sugiro esta leitura.

Escritas estas três nótulas, resta-me desejar-vos um óptimo fim-de-semana.

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Comments


  1. Caro Francisco Miguel Valada,

    Veja esta maravilha, um bocado retro 😉 mas ainda assim uma pérola:

    Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 2/2019

    Diário da República n.º 189/2019, Série I de 2019-10-02

    Acórdão do STA de 04-07-2019, no Processo n.º 1054/05.9BESNT-S1 – Pleno da 1.ª Secção – Uniformiza a jurisprudência nos seguintes termos: «No âmbito do regime jurídico de empreitadas de obras públicas consagrado no DL n.º 59/99, de 2 de Março, e no caso de uma empreitada de concepção/construção de obra adjudicada sem prévio estudo geológico ou geotécnico do terreno por estar previsto que a realização do mesmo era obrigação do adjudicatário, a responsabilidade pelos custos com os trabalhos resultantes da rectificação do erro no projecto relativo às fundações recai sobre o dono da obra.»