Diogo Faro ou o mundo em que gostava de viver

@liberty.edu

O incêndio da semana, nas redes sociais, foi o de Diogo Faro, humorista português que, nos últimos tempos, solidificou a sua imagem como activista dos direitos humanos e sociais, personificando a agenda identitária dos dias que correm. De uma forma legítima, note-se, até porque a maioria das questões que aborda são de uma extrema importância. No entanto, o meu problema com o Diogo Faro foi sempre o tom bélico das suas intervenções, criando uma divisão entre bons e maus. Ele próprio se identificou como um “pugilista digital”. Ou seja, nunca esteve em causa o conteúdo mas a forma que, a meu ver, soa a pregação para convertidos. Desconfio do facto de alguém que esteja do lado errado desses tópicos – porque sim, há um lado errado quando o tema são direitos humanos – tenha mudado a sua postura e opinião ao ler o Diogo Faro. Por isso, o humorista falha sistematicamente naquilo que para mim é um dever social de quem tem alcance público como ele: o de fazer a diferença. Amplifica a voz de muita gente? Talvez. Mas falta o passo seguinte, o de conseguir chamar à razão outras pessoas.

A propósito de toda esta actividade, o Diogo Faro escreveu um artigo no sapo24 com o título “Roubar vacinas e dançar em festas”, no qual faz uma crítica feroz (o tal estilo) àqueles que, não cumprindo as medidas de confinamento decretadas pelo combate à pandemia, são vistos nas redes sociais em festas e quejandos. O grande problema foi, após a publicação do artigo, o Twitter ter sido inundado com uma foto do mesmo Diogo Faro a celebrar a passagem de ano com cerca de 14 amigos, numa atitude que não só era contra a legislação em vigor à altura, como também um carimbo de hipocrisia no seu artigo e em tudo aquilo que escreveu sobre o mesmo tema.

Criou-se uma onda de revolta e as redes sociais encheram-se de outras fotos do humorista em ajuntamentos, dentro do período de confinamento, citações suas antigas que vão contra as suas opiniões tão fortemente veiculadas (mais uma vez, o estilo), enfim, uma verdadeira horda de indignados que caíram em cima do Diogo Faro.

O humorista reagiu entretanto, pedindo desculpas, assumindo o erro e dizendo que espera que “ninguém tenha de passar por isto”. Não sabemos propriamente o que é “isto”, mas podemos desconfiar.

De qualquer forma, é assustadora a forma como a “internet”, enquanto conjunto complexo de pessoas e mentalidades, consegue personificar-se numa cultura de cancelamento (da qual o próprio Faro já fez parte), de bullying e de estigma social, quando algo vai contra uma qualquer norma social estabelecida não sabemos bem por quem. É o caso de frases infelizes ditas há 10 anos atrás (por exemplo), ou de piadas de humoristas, de piadas entre amigos (como o caso de Bernardo Silva e Mendy) e outros tantos. Multiplicam-se os pedidos de desculpa feitos por figuras públicas, vergadas ao cumprimento dessas normas sociais. A internet tem hoje um poder que, nas mãos de um qualquer ditador, seria caso de estudo. No mundo em que gostava de viver, esta situação do Diogo Faro originaria três grupos: aqueles que o seguem e desculpariam a sua atitude, e continuariam a segui-lo; aqueles que, não sendo particularmente fãs (como eu), perderiam o interesse na personagem e seguiriam em frente; e aqueles que, não gostando do Diogo Faro, continuariam sem gostar. Fim da história. Mas isto exigiria uma consciência que não existe nos dias que correm.

Repare-se que, nestes grupos, não há nenhum em que  Diogo Faro não pudesse continuar a escrever e, até, a continuar a ser hipócrita. A continuar a ser moralista sem se incluir na moralidade, de facto. O problema da cultura de cancelamento é o desejo de querer silenciar quem quer que seja. Nada se consegue a silenciar discursos. Nada mesmo. Geram-se revoltas e acaba tudo por ser contra-producente, pois o discurso que se quera silenciar, fruto do pretenso “cancelamento”, ganha dimensões muitas vezes maiores às que tinha anteriormente.

No mundo em que eu gostava de viver o debate público não seria tido em modos bélicos. Seria tido no plano das ideias, discutindo conceitos, divergindo saudávelmente e, mudando de opinião ou não, o respeito imperaria. Como é óbvio, existem linhas vermelhas e, quando o tema são direitos humanos, elas são bem claras. Mas, numa altura em que a ignorância é tanta, em que a verdade se esvaziou, perdendo a sua essência, é importante recentrarmos o discurso, recentrarmos o respeito entre posições antagónicas, sob pena de o mundo perder completamente o norte.

Infelizmente, esse mundo parece estar longe. Por um lado, porque há pessoas que confundem a mensagem com o mensageiro e pensam que, porque o Diogo Faro se provou hipócrita nesta situação, que o que ele disse deixa de estar certo. Não deixa. Se a tese dele era que as pessoas que não cumprem as regras do confinamento para combater a pandemia se sentem “acima dos outros”, quanto a mim, essa tese é verdadeira. Faltou foi incluir-se a si nas críticas. A frase olha para o que eu digo, não olhes para o que eu faço é, possivelmente, um dos ditos populares mais vazios de conteúdo. Além disso, o Diogo Faro não representa a esquerda, nem representa várias pessoas que dedicam a sua vida na luta por causas sociais. Ele é apenas uma pessoa, com um determinado estilo e com uma determinada actividade pública. E amanhã poderá escrever um artigo com factos lógicos e bem argumentados que não deixarão de o ser pela hipocrisia que provou nesta situação. Pode é perder público e deixar de ser levado a sério por muitos. Mas isso está na liberdade de cada um.

Infelizmente, esse mundo utópico no qual gostava de viver está longe de se materializar. Não, a pandemia não nos aproximou, agudizou sim as hordas, de ambos os lados da barricada. O discurso está cada vez mais regado com gasolina e parece que qualquer um anda de fósforo na mão. De incêndio em incêndio, temo pelo futuro de um mundo que tinha todas as capacidades para, no século XXI, continuar o seu caminho de espécie mais evoluída mas que, por vezes, parece querer regressar  a um estado primata em que nos vemos a atirar fezes uns aos outros. Já estivemos mais longe.

Comments

  1. Filipe Bastos says:

    “Nada se consegue a silenciar discursos … o discurso que se queria silenciar, fruto do pretenso “cancelamento”, ganha dimensões muitas vezes maiores às que tinha anteriormente.”

    Na cultura online isto tem nome: o efeito Streisand.

    Em 2003, muito antes da palerma mania dos ‘memes’, um projecto ambiental tirou fotos da costa da Califórnia e apanhou por acaso a casa da Barbra Streisand. As fotos tornaram-se públicas.

    Como outros mamões do showbiz, essa ‘indústria’ grotescamente sobrepaga, a casa da Barbra é uma bruta mansão sobre o mar. Ao ver o seu luxo obsceno exposto perante a ralé que o sustenta, decidiu mandar os advogados suprimir as fotos.

    Grossa asneira, claro. A partilha das fotos subiu a pique. A mamona expôs-se cem vezes mais do que se tivesse ficado quieta.

    E ficámos assim com o Streisand effect: a fruste tentativa de calar algo à força contra o senso comum, as leis básicas da internet e da psicologia. A pseudo-esquerda de hoje ainda não deu por isso.

  2. Filipe Bastos says:

    O César critica o tal Diogo Faro pela sua hipocrisia. Muito bem.

    Ocorre-me outra questão, a do costume: porque estamos a falar de Diogo Faro? Porquê o interesse, o frisson geral?

    Escreveu algo? E então? Milhões fazem-no todos os dias. Será um tipo brilhante, um filósofo ou cientista ou escritor cujas opiniões e saber iluminam o mundo? Fui ver o link: é um humorista tatuado que dá entrevistas em calções na ‘Máxima’.

    Chamam-lhe humorista, mas pelas piadas que vi dele suspeito que viva de outra coisa. Provavelmente de artigos woke e de entrevistas em calções. Diz que é filho de um maestro – um deus, para o nosso POIS – e de uma cantora. Talvez isso ajude.

    Vê a questão, César? Passamos o tempo neste diz-que-disse, quase sempre pulhítico ou futeboleiro, e guerrinhas nas redes ditas sociais que não valem meio peido, muito menos um peido inteiro.

    E chulecos – sim – como o Diogo Faro, o Ricardo ‘Comuna Caviar’ Araújo Pereira, o Pedro ‘Cabeça de Porco’ Marques Lopes, o Adão e Silva, o Daniel Oliveira e tantos outros vivem disto, e da fama que isto lhes proporciona. Boa fama, má fama, tanto lhes faz.

    • iceberg da Islandia says:

      Porque é que estamos aqui no Aventar a ligar ao garotão Bastos ?
      Porque o papagaio muito !

    • POIS! says:

      Pois é Sr. Bastos!

      Sabe o que carateriza, antes dos mais, os fascistas? O desprezo! E V. Exa. faz ampla gala do seu!

      V. Exa. não pode tratar as pessoas pelos nomes, sem epítetos idiotas? Porque é que o Pedro Marques Lopes é o “Cabeça de Porco”? O que é que isso tem a ver com o que opina, e que V. Exa. pode rebater ou aceitar?

      Algum dia eu disse que algum maestro era “deus”? Não disse é que eram inúteis, ou “chulecos”, e que a orquestra era capaz de tocar sozinha, porque a música estava toda escrita, como fez V. Exa., que descobre “chulecos” e “inúteis” aos pontapés.

      NOTA: no entanto tenho de reconhecer que V. Exa. evidencia uma tão brilhante imaginação que faz inveja. Essa do “comuna caviar” é muito bem urdida, sim senhor! Nunca tinha ouvido. V. Exa. tem futuro no mundo do humor. Não se sabe é por quanto tempo.

      • iceberg da Islandia says:

        Pois é POIS

        “Sabe o que carateriza, antes dos mais, os fascistas? O desprezo! E V. Exa. faz ampla gala do seu!”

        Até que enfim, chegas-te lá

        O garotão Bastos é muito pior que o JgMenos. Esse ao menos diz ao que vem, e não esconde o seu velho ou neo nazismo

        Responder a este fachistoide com ares de esquerdista, só lhe alimenta a vaidade e desprezo pelas ideias dos outros

        • Filipe Bastos says:

          Suspeito que a ironia de chamar aos outros ‘fachistoide’ só porque discorda deles, enquanto os vilifica e os tenta ‘cancelar’, lhe escapa.

          Terá pois de acreditar em mim quando digo que tem a sua piada. É como falar em desprezo pelas ideias dos outros, enquanto despreza os outros e as suas ideias.

          • POIS! says:

            Pois está enganado!

            Se desprezasse V. Exa. já o tinha manifestado. V. Exa. talvez ainda vá a tempo de se descontaminar do discurso de ódio idiota que pulula por aí. De outro modo, já nem mereceria resposta.

            Lembro a V. Exa. que acusou aqui o Dr. Costa de estar a cometer um homicídio qualificado em massa, agindo com dolo eventual. E até hoje nada o vi fazer para tirar as naturais consequências. Estamos todos à espera. Afinal V. Exa. acusou aqui já muita gente de “estar com o sistema” e “ladrar e não morder”. Vá lá. Dê o exemplo.

            E lembro também que, para surpresa minha digo-o já, reproduziu aqui epítetos que sugerem crimes sexuais de personalidades que foram ilibadas pelos tribunais. Sobre isso V. Exa. não terá provas maiores que as minhas, digo eu. Leu nos tabloides, nas “redes” e toca a andar. Ou participou nalguma orgia e viu-os lá? Vá lá. Diga! Estamos todos ansiosos!

            Porque se não tem provas, Sr. Bastos, deveria lembrar-se que do outro lado estão PESSOAS, que têm FAMÍLIA, e AMIGOS e que até há muitas probabilidades de estarem completamente inocentes e que não podem levar o resto da vida a defender-se de energúmenos.

            Sr. Bastos, quando uma vez aqui escrevi que o jovem Hitler tinha ideias e comportamentos muito próximos dos seus, V. Exa. respondeu-me que ele até tinha alguma razão porque no regime de Weimar havia corrupção e a governação era uma bandalheira. Só que, disse V. Exa. muito candidamente, depois deu-lhe para fazer uma ditadura em vez de uma democracia.

            Ora aí está, Sr. Bastos: muitos dos que alinharam no discurso “das verdades” foram comidos de cebolada. Mas o discurso não foi só “das verdades”. Foi um discurso de ódio permanente, sim, de desprezo, contra supostas elites de “chulecos”, sendo que o epíteto se aplicava a todos aqueles que era necessário eliminar.

            Sr. Bastos: ao contrário da sua maniqueísta cabecinha, a coisa não se resume aos que estão “com o sistema” e contra ele, os “chulecos” e os “chulados”. Continue alarvemente a postar desprezo por todos os que lhe não agradam e vai ver o resultado.

            A não ser que goste de ser comido. Eu não consumo, mas consta-me que, se V. Exa. for tenrinho e estiver dentro do prazo de validade, alguns até dispensam a cebolada.

          • POIS! says:

            Pois, e já agora…citemos Bastos:

            “Diz que é filho de um maestro – um deus, para o nosso POIS – e de uma cantora. Talvez isso ajude”.

            Realcei o facto de, para V. Exa, a profissão dos pais já ser critério para explicar o comportamento de alguém. É “chuleco” de certeza! Logo filho de um tipo e uma tipa que cheiram a “chulecos” a toneladas de quilómetros de distância! Um maestro e uma cantora? Eh! Pá! Não há nada de mais chuleco!

            O Sr. Bastos, aliás, já aqui escreveu que, na futura e radiosa semibastocracia semidireta semirepresentativa só se faria música devidamente paga e escolhida pelos pagantes. A não ser na rádio onde, disse V. Exa, se limitaria o que passava para não “estragar o gosto” dos ouvintes.

            O que é certo é que esta genial medida, em bom tempo revelada por V. Exa. já começou a produzir efeitos. Todos os dias aparecem novos artistas que colocam cada vez mais a respeito os tradicionais cantadeiros chulecos.

            Surgiram novos grupos rock como “The Bastles” (comandados pelos que restam, Paulo McBastney e Ringo Bastarr), “The Rolling Bastones”, “Bastlet Underground” e os “Bastiútú”. Numa nova onda temos os “The Bastional”, numa mais metal os “Bastallica”.

            Mas também fadistas como “Bastamané” ou, na versão feminina, “Basta Roseta”. Ou grupos como os conhecidos “Bastos e Pontapés nos Chulecos”. A lista não pára de aumentar.

    • Paulo Marques says:

      Porquê? É simples, porque diz verdades incómodas e uma idiotice momentânea de quem o diz é a desculpa perfeita para continuar a ser idiota o tempo todo. Dá jeito. E é natural que o Bastos não perceba, é tão pouca a empatia humana que nem o desconforto de ouvir as estórias dos outros o afecta.

    • Filipe Bastos says:

      Verdades incómodas? Quem o leia ainda pensa que o tal Faro é algum intrépido jornalista a combater o Putin, os cartéis no México ou o governo na China.

      Acorde: o tipo é um palhaço politicamente correcto a repetir banalidades para manter-se ‘relevante’. Incómodo, hoje em dia, é dizer o oposto do que ele diz. Desafiar a brigada woke é muito mais arriscado do que ir com a maré.

      • POIS! says:

        Pois não posso acreditar!

        Há jornalistas que não sejam “chulecos”? Onde? Onde? Onde?

  3. Albino Manuel says:

    Paneleiragem das Antas e Bonfim. Pena já não haver ramona.

    • Paulo Marques says:

      Quem te dera a ti teres uma Neuza a comer-te o cú, pá.

  4. Paulo Marques says:

    Ó César, só era proibido para pessoas que ouvem o Costa, para os outros era tudo aberto e culpa dele de o ser. Não percebes nada!
    Mais a sério, se já chegamos ao modelo óptimo do fim da história, que mais há a discutir senão “os costumes”? Mas olha que se engana, pelo menos pelos comentários ao vídeo sobre o partido do Coiso.

    • Paulo Marques says:

      que se engana sobre o efeito do activismo da mensagem