Dois dos temas pelos quais me interesso mais, que não gosto de misturar na minha vida, mas que gosto de assistir ao fenómeno que acontece quando estes dois se juntam. Apesar de existir uma ideia de que há política nas bancadas portuguesas, por ser a nossa pequena realidade, é praticamente nula essa existência, quando vemos o que acontece noutros palcos europeus. Quando falo de outros palcos, não falo da Lazio, conhecida pelo seu grupo ultra de extrema-direita, nem do Marselha, conhecido pelos seus de extrema-esquerda, mas sim de sítios onde os intervieram na cena política. Muito mais do que mostrar um estandarte ou uma bandeira com um símbolo.
Antes de mais, penso que é importante perceber o porquê do fanatismo e a predisposição para a violência ser muito maior em países como a Sérvia, a Croácia, a Ucrânia e outros quantos do que em Portugal. Sim, porque aquilo que nós fantasiamos e chamamos de hooliganismo em Portugal é uma brincadeira quando olhamos para países como os exemplos que dei. Ao contrário de Portugal, países de outras zonas da Europa estão constantemente debaixo de fogo. Enquanto nós demos a paz como garantida, esses povos não se puderam dar a tal luxo. Para termos uma ideia, em 1998, Portugal recebia a Expo e Belgrado, em 1999, era bombardeada pela NATO. Uns iam ver exposições, os outros tinham de fugir para sobreviver. Naturalmente, tanta coisa vivida tem de ser libertada e podemos ver isso em vários campos, inclusive os estádios. Os graus de sentimento de pertença são maiores. A noção de camaradagem, de clã, também. Não há ninguém da minha geração nos Balcãs que não tenha tido algum familiar a batalhar nos anos 90.
E agora, com a invasão do estado autoritário de Putin, que faria orgulhar os outros dois com nomes acabados em -in, à Ucrânia, vieram as acusações de militares ucranianos do Batalhão Azov serem neonazis. Não querendo entrar na questão de ser verdade ou não, isto é demonstração de que a Ucrânia necessita de todas e quaisquer forças para se manter viva. E, quer queiramos, quer não, é o nacionalismo absurdo que os faz continuar a ser um país. Ora, aqui vemos a História a repetir-se. O Batalhão Azov foi fundado por hooligans do Metalist Kharkiv, em 2014, e foram das bancadas para as frentes de batalha. Como já tinha dado a entender, este é apenas mais um exemplo.
Na década de 80, a violência nas ruas polacas cresceu, tendo como um grande palco a cidade de Gdansk. Os hooligans do clube local, o Lechia Gdansk, destacaram-se. Não pela sua postura nos dias de jogo ou no próprio estádio, mas pelo seu contributo para a causa política. Estes adeptos pertenciam a um grupo que foi essencial na luta pela queda do governo comunista. A violência nas ruas entre milícias comunistas e hooligans que se dedicaram a esta luta era comum.
Em 1990, um duelo entre Dinamo Zagreb e Estrela Vermelha, a contar para o campeonato jugoslavo, levou a confrontos entre os adeptos, e até contra a polícia, visto que a maioria era composta por sérvios, dentro do próprio relvado, tendo como episódio mais relevante a agressão a um polícia por parte do capitão croata, Boban, para defender um adepto. Diz-se que estes confrontos foram o pontapé de saída para a Guerra nos Balcãs. Sim, o Estádio do Dinamo assistiu ao início de uma Guerra. Depois da batalha nas bancadas, de socos para tiros, ultras dos grupos de ambos os clubes passaram para as trincheiras.
Em 2011, no Egipto, diz-se que foi a união entre os ultras dos principais clubes, o Al Ahly e o Zamalek, que derubou Mubarak. Apesar do ódio existente entre adeptos de ambos os clubes, uniram-se pela causa comum. Mesmo que achemos isto um exagero, não é possível negar que foram essenciais para mobilizar as massas.
Por cá, achamos que um mero insulto a um árbitro é um alto nível de hooliganismo. Nos exemplos que referi, a bancada e a sociedade andaram de mãos dadas e foram essenciais para o decorrer da História. História essa que não nos é assim tão distante. Com isto, não estou a defender milícias, violência, a Guerra, etc. Estou apenas a demonstrar do que o sentimento de pertença é capaz, seja num estádio às 15h ou numa Guerra que leva anos. Bonito? Feio? Nem entro por aí. Impressionante? Não tenho quaisquer dúvidas.
O artigo é interessante, mas suspeito de alguma teoria conspirativa. Até pode ser que essa coincidência seja o motor que anima as hostes, na guerra, para alguns, claro, mas a vida não se recicla. Quando morres, morrres mesmo.
Apetecia-me parodiá-lo com o mais recentes confrontos no estádio do Dragão, entre jogadores e adeptos do Porto e Sporting.
Um dia destes temos uma batalha militar, entre Mouros e Cristãos, no velho estilo medieval, cavalaria incluída, sendo que a localização dos mouros é bem conhecida.
Pois bem…
Depois desta bela tirada de reflexão energúmeno-glorificante rematada com habilidades liberal-neutrais…algumas questões ficaram no ar:
Primeira: o Canelas 2010 vai transformar-se em batalhão, esquadrão, ou fica só pelotão?
Segunda: O Madureira vai ser graduado em General da Milícia Superdragov?
Terceira: a invasão do Centro de Alcochete fazia parte da semana de campo da recruta do Batalhão Juveleonovich?
Quarta: Seria possível completar o Regimento de Comandos distribuindo litradas de cerveja e fardas à porta dos estádios?
Quinta: É verdade que as claques das equipas de Pólo Aquático também servem, mas vão para a marinha?
Sexta: A que horas parte V. Exa. para a frente de combate? Vai integrar a Brigada Sousa Pinto? O sofá já seguiu, ou ainda estão com problemas logísticos?
Aceitando que é uma analogia, também é caricato porque é que o fenómeno acabou designado por uma palavra inglesa onde, a existir com perigo, foi um epifenómeno muito útil politicamente, ao qual nem Hillsborough ensinou juízo.
Mas quanto ao batalhão, a Amnestia Internacional, entre outras, documenta; agora se eram ou vão ficar mais relevantes na estrutura do que outros que andam por aí é outra questão.
A paz do Estado Novo ainda hoje exalta a gloriosos feitos de resistência verbal, heróicas proclamações em que pôr a vida em risco pela liberdade parece coisa pouca.
Mas perante a paz do Putin logo se acomodam a que submeta os ucranianos; e aos mais acérrimos resistentes cabe a suspeição de serem os neonazis de uma qualquer raça que sabem ser comum à de boa parte dos russos.
Deviam-te ter mostrado à catana a paz do botas, como a muitos outros. Vai-se sempre a tempo.