Sim, temos de estar dispostos a pagar este preço

Sahra Wagenknecht, a figura mais proeminente do partido alemão “die Linke“ (digamos, o BE alemão), convidada frequente em talk shows, afirma e repete que “a guerra económica contra a Rússia prejudica-nos sobretudo a nós próprios”.

E continua: “O Instituto Federal de Estatística calcula uma taxa de inflação de 7,6% para Março – a mais alta dos últimos 40 anos. Isto significa que os alimentos, o combustível e a energia estão a tornar-se cada vez mais caros para muitas pessoas. Especialmente as famílias com rendimentos baixos e médios estão assim a enfrentar graves problemas existenciais. Muitas famílias são empurradas para a pobreza devido ao aumento dos preços. A lei socialmente desequilibrada e completamente inadequada de alívio energético da “coligação semáforo” pouco fará para alterar esta situação.

Actualmente, 43% dos alemães assumem que a sua situação económica pessoal será pior em cinco anos do que é hoje. (…)

E o que está o governo alemão a fazer? Activa o plano de emergência de gás, mas tem um plano zero sobre como manter sob controlo o custo de vida das pessoas e os custos de produção das empresas. Quando é que a coligação semáforo vai finalmente compreender que uma guerra económica em constante escalada contra a Rússia vai acabar por nos prejudicar muito mais do que a Putin? O governo federal deve finalmente pôr fim ao jogo de póquer sobre o gás natural russo, que está a ser jogado à custa dos consumidores e das empresas alemãs!”

Isto é, pois, o que diz “uma certa esquerda”, aquela para quem não há nada a fazer, nem há nada que fazer, perante a brutal guerra que mata gente e destrói cidades, dia após dia. Estranho é que quem é contra as sanções nunca diz qual é a alternativa para não se ficar apenas de braços cruzados à espera do momento em que o facínora atinge o ponto de saciedade na escala de brutalidade. Afinal, segundo “essa esquerda” e não só, é suposto continuar o business as usual?? Não temos nada a ver com aquilo??

Por outro lado, Robert Habeck, o ministro da economia, diz esta simples verdade, quando lhe perguntam se a taxa de inflação de 7,3%, a mais elevada desde há 40 anos, é um prenúncio das consequências da guerra ou um rescaldo da pandemia:

“Nós somos, por assim dizer, parte nesta guerra, parte da guerra económica e pagamos um preço por isso, um preço que não é nada, se comparado com o preço que os ucranianos pagam, eles morrem, eles são banidos, eles são bombardeados. Nós temos uma inflação elevada, é claro que é um preço, é um choque externo que abala o país, é preciso dizê-lo claramente, como resultado nós vamos ficar mais pobres, a sociedade terá de suportar isso e vamos ter de responder à questão de como irá isso ser distribuído de forma justa, que dívidas temos de fazer e passar para as gerações futuras o pagamento dessas dívidas; mas passarmos por isto sem custos para a sociedade alemã, isso não é possível, não é concebível. Estamos a ver isso, mas acredito, e estou mesmo certo, que estamos dispostos a pagar este preço, que em comparação com o sofrimento na Ucrânia é bastante baixo. Só temos que organizar as coisas de maneira a que não sejam os mais fracos da sociedade, os mais pobres, que tenham de pagar os custos que para eles sim, são elevados.”

É simples: os que têm muito, têm de passar a viver com menos, os que têm pouco e muito pouco, têm de receber ajuda, as gigantes multinacionais têm de ser tributadas a sério. No fundo, é o que já deveria estar a acontecer antes da guerra: não podemos continuar a observar placidamente a crescente concentração da riqueza nas mãos de uns poucos, a viver num sistema totalmente distorcido por ignorar externalidades e o bem comum à custa do futuro do planeta e de outros povos. É uma questão de contenção, redefinição, distribuição. E de nos lembrarmos, quando lamuriarmos do alto da nossa vidinha acomodada, que os que são realmente pobres devem e têm de ser directamente apoiados, enquanto nós – os que temos acesso a opções – pertencemos, a nível mundial, ao grupo dos 10 a 15% mais ricos.

E que não nos estão a cair bombas em cima da cabeça.

 

 

Comments

  1. Paulo Marques says:

    «É simples: os que têm muito, têm de passar a viver com menos, os que têm pouco e muito pouco, têm de receber ajuda, as gigantes multinacionais têm de ser tributadas a sério.»

    Portanto, o programa político da certa esquerda, e não só, para também evitar ter que chegar a pontos como estes, é querer não fazer nada? E que essa gentalha vai continuar a não ter intenções de fazer?
    Isso e matar os russos à fome e levantar o revanchismo lá e cá continuo sem perceber o que é suposto resolver.

  2. Rui Naldinho says:

    A ideia de que esta crise vai levar a uma mudança de paradigma na redistribuição da riqueza mundial, por via fiscal, é um engodo. Nem sequer o fim da globalização se coloca. Com alguns ajustes tudo seguirá nos mesmos moldes.
    Aquilo que os EUA fizeram coadjuvados por uma legião de otários na Europa, que não vislumbram uma sombra a meia dúzia de metros do nariz, foi provocar um Rottweiler agressivo e selvagem à porta da sua própria casa.
    Quem pagará a factura serão sempre os vizinhos que residem nas imediações do terrível animal canino, habituado a morder em tudo o que lhe faz frente.
    Uns passarão dias a fio em constante tormento com uma besta agressiva nas redondezas, os outros encherão a algibeira de dólares a vender “alarmes, correntes e bastões”.


  3. Discordo da qualificação de “o BE alemão”, porque um quinto dos alemães viveu sob um ditadura assassina liderada pelo SED (“O PCP alemão”). Ora, sendo a maioria dos seus votantes, precisamente, dos estados do Leste (ainda que muitos deles tenham migrado para Oeste), e saudosistas da ditadura de PIDES e gerontes que precedeu o actual regime democrático, diria que a “Die Linke” é mais o “Ergue-te alemão.”

    • POIS! says:

      Pois o problema, o problema…

      É que somos todos alemães e não sabíamos.

      Que bela surpresa!

  4. balio says:

    Sahra Wagenknecht tem razão. Na minha opinião.


  5. Os simplismos são sempre deturpações. Para os que dizem ou sanções ou nada (é o absurdo discurso NATO), eu digo: e então iniciativas para construir a paz? Onde estão elas? Alguém acredita que a paz de obtém com a corrida aos armamentos e com sanções que nunca na história resolveram fosse o que fosse? Essa narrativa é a tal que apenas serve os interesses de Washington e dos industriais das armas. São esses que há décadas têm vindo a preparar a guerra, as guerras. Temos de pagar o preço? Temos quem? Eu não tenho nada que pagar coisíssima nenhuma, sobretudo quando vejo as maiores corporações terem os lucros mais gordos da história. E ainda querem mais ? Ora toma!!!!

  6. JgMenos says:

    «que dívidas temos de fazer e passar para as gerações futuras»
    Aí está um problema que a esquerdalhada vem resolvendo à décadas: ‘o mais possível’!

    • POIS! says:

      Pois…”a esquerdalhada”???

      Eh pá! Afinal a esquerdaria tem governado o mundo inteiro e nós não sabíamos!

      A Itália, a França, o Japão, a Argentina, os Estados Unidos da América…e ainda não estamos a falar de dívida privada…

      Socorro! O JgMenos quer emigrar para Marte!

      Musk! Depressa! Arranja aí uma nave que o caso é urgente!

    • Paulo Marques says:

      Dívida maior que um planeta a arder, pontes a cair, hospitais a esvaziar, e os monopólios nas mãos de estados estrangeiros não há, fofo.

  7. JgMenos says:

    A cambada diz ao cão: morde o vizinho e deixa-me em paz!

    • POIS! says:

      Eh, pá!

      Pois não seja mauzinho, ó Menos!

      Isso não são maneiras de educar o bobbi!

      E ainda arrisca uma repreensão daquela senhora que trata dos animais do grupo parlamentar do Quarto Pastorinho.

    • Paulo Marques says:

      Não é isso que está em causa.
      Mas quando o bobi se queixar da queda do poder de compra, vai levar com essa: foi o que pediu.

  8. balio says:

    Sahra Wagenknecht tem a vantagem de ser uma verdadeira defensora da classe trabalhadora alemã. É uma esquerdista genuína, a sério, à maneira antiga: defende os pobres e os trabalhadores do seu país. Não vai em cantigas nem em modas nem em modernismos: somente defende aqueles que efetivamente, no seu país, precisam de ser defendidos. E ela vê aquilo que é claro para todos: que os pobres e os trabalhadores alemães estão a ser forçados, pela classe dirigente do seu país, a sofrer por algo que não lhes diz respeito. E é claro que ela tem toda a razão. Honra lhe seja feita.