Bucha

assim como Mariupol, assim como tantas e tantas aldeias, vilas ou cidades com nomes até agora desconhecidos e impronunciáveis e que ficarão para sempre na consciência do mundo. Como um ferro em brasa que nos torturará eternamente. Muito, pouco ou quase nada porque, ao contrário do que pretendemos crer, a excelência humana nunca foi tão rara quanto o é hoje.

Na falácia abjecta que nos conforta e que nos diz que por estes tempos, somos mais conscientes e mais vigilantes que nunca, esquecemos que a única diferença de evolução para quem antes de nós viveu, não está no nosso aperfeiçoamento, mas na avalanche de informação que está ao nosso dispor. No resto somos piores. Muito piores. Na “mimalhice” de persarmos que tudo nos está garantido, que alguém, por nós, terá o dever de repor justiça, que a liberdade, a democracia, o elementar respeito humano são “dados adquiridos”, esquecemos que tudo aquilo não é inerentemente nosso. Porque não dependem apenas da nossa singela existência. Dependem do nosso mérito, do nosso esforço, da nossa coragem.

Todos somos indignos daqueles que antes de nós deram o que tinham, tantas vezes a vida, para vivermos num mundo melhor. Pior, todos somos indignos daqueles que neste momento pagam com sangue o “crime” de serem o que são, de estarem onde estão e de amarem o que amam.

Porque entre trastes imprestáveis cuja existência não justifica o dano que causam, obcecados por gritar o génio que não têm pela contradita que inventam, motivados por miseráveis agendas ideológicas e nós que acreditamos ser humanos, ser melhores, ser virtuosos, mas a quem basta algo que nos apazigúe a consciência, a catástrofe perdura.

A razão do martírio Ucraniano não carece, por agora, de estudo. Fazê-lo neste momento sem o expresso propósito de adicionar caminhos para  liquidar o inominável, equivale a procurar atenuantes para o que não pode ser atenuado. Equivale a procurar desculpas para o que não pode ser desculpado. 

Quem morreu em Bucha não morreu menos porque noutros locais, noutros tempos também se morreu em situações idênticas. Quem neste minuto morre na Ucrânia, não morre menos. Morre porque pouco estamos a fazer para vencer o mal. 

E sim, é o mal. Um mal que não se percebe por deficiência maniqueísta. Um mal que se não percebe pela simplista percepção de “branco ou preto”. É o mal porque viola a “essência mais essencial” da condição humana. É o mal porque é ostensivamente o inverso da humanidade que nos define ou nos devia definir. 

Porque na certeza que teremos todos, mas mesmo todos de ter mínimos éticos comuns, intransponíveis e universais mesmo que reduzidos, a sua negação não expressa honrada oposição a um “pensamento único”. Apenas traduz a recusa em ser humano. Apenas invalida a empatia, a afinidade e o entendimento que nos indentifica ou nos deveria identificar. 

E as gentes da Ucrânia precisam que sejamos humanos. Como tantos e tantos outros já precisaram. Como tantos vão precisar. Mas a Ucrânia precisa agora. Precisa já. Precisa de mais. Precisa de muito mais. Precisa que obriguemos a que a humanidade seja reposta. Mesmo à força. Em nome de Bucha. Em nome de Mariupol. Em nome de tantos sítios que não sabemos.

Entre colaboracionistas e cúmplices, poucos são dignos de excepção. Eu ainda não sou deles. 

Comments

  1. POIS! says:

    Ah, pois!

    Hoje é domingo! E para os relapsos que não vão ter com o sermão, eis que, graças ás novíssimas tecnologias, o sermão vem ter com eles.

    O tema é candente mas o posicionamento político em que estou inserido, que traz como consequência necessária uma patológica falta de empatia, não me permite entrar na discussão.

    De qualquer modo, o nosso sentido obrigado.

  2. Paulo Marques says:

    Ufa, ainda bem que alguém nos avisa dos 2 minutos de ódio hoje, já quase ninguém se lembrava agora do único sítio do mundo onde morrem pessoas de forma evitável.

  3. Lourdes Ribeiro says:

    A realidade actual é assustadora. A sociedade actual é indigna dos seus antepassados. Quantos morreram por defender os valores da liberdade, da fraternidade e da cultura? E nós nem sequer os mais elementares direitos humanos conseguimos preservar. A Política deixou de ser a arte de servir a comunidade e passou a ser serva de interesses monetários. Os valores éticos e morais são inexistentes. A comunhão de princípios e de objectivos que una a Humanidade e permitam a eliminação da pobreza, da miséria e da doença parece uma utopia. Afinal somos todos tão iguais no nascimento, na morte mas também nesta passagem breve em que desejamos aceitar e ser aceites. Para quê a promoção do ódio, a censura do diferente, o medo do desconhecido e a apologia da guerra?

  4. Luís Lopes says:

    Eventualmente, num futuro temporal, a verdade surgirá à superfície. Por mais que a queiram esconder, de preferência destruir, ela permanecerá e, seguramente que o actual regime em vigor na Ucrânia desde 2014, é tudo menos inocente. Eles (AZOV) acreditam convictamente que o nacional socialismo, pode derrubar o fascismo da Federação Russa, caso consigam com a sua constante insistência que a NATO declare guerra à Federação Russa.
    Uma guerra entre extremistas da direita e quem se F….LIXA é o comum povo civil, homens, mulheres e crianças e eventualmente todo o mundo ocidental e não só.

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  1. […] muitos não é a Rússia, é Putin. Como ontem não era a Alemanha, era Hitler. O problema é que Bucha como tantas outras aldeias, vilas ou cidades da Ucrânia demonstram que Putin não está sozinho na […]