Porto: E quando volta o presidente?

Foto Fernando Veludo / Lusa

Quando foi criada a lei de limitação de mandatos para os Presidentes de Câmara fiquei dividido. Por um lado compreendia a necessidade mas, pelo outro lado, temi pelos últimos mandatos e o efeito “ser não o sendo“. Este efeito pode ter múltiplas consequências. Uma delas é um certo desprendimento às responsabilidades para as quais se foi eleito, utilizando uma linguagem cuidada. Na minha terra, o Porto, existe uma expressão que define este estado de alma noutro género linguístico: o “que se foda“.

Uns dias antes de regressar ao Porto tinha lido um pequeno texto do Professor Rui Albuquerque na sua página de facebook sobre os sem abrigo na cidade. Citando:

“Porto, Rua do Campo Alegre, princípio de manhã de uma quinta-feira chuvosa. Quem desce, à direita, debaixo das arcadas de um prédio de habitação, oito miseráveis dormiam no chão, muitos, ou todos, provavelmente ainda a ressacar. Urina, lixo, detritos por todos os lados. Trezentos metros mais abaixo, à esquerda, no Fluvial, encostadas ao muro de uma escarpa relvada que ladeia prédios de habitação, mais de dez barracas onde habitam outros miseráveis e toxicodependentes. Em volta, urina, detritos, lixo. Meia hora mais tarde, chegado à Praça da Batalha, ladeio o Teatro Nacional de S. João. Nos nichos do prédio habitam agora inúmeros miseráveis, alguns, provavelmente todos, toxicodependentes. Montam tendas nas reentrâncias do edifício, onde outrora se viam portas da fachada lateral. No passeio, urina, detritos, lixo abundante”. Rui  Albuquerque, Novembro de 2022.

Ao longo destes sete anos que levo fora da minha cidade assisti a uma evolução impressionante. Uma cidade renascida, com gente por todos os lados, cada vez mais bonita e que me enchia de um orgulho tal que me fartei de a recomendar aos meus clientes espanhóis, alemães, britânicos e a resposta que tinha depois era de confirmação das minhas palavras. O que me enchia ainda mais de orgulho. Até ao dia. Em 2021 já tinha sentido que a cidade estava um pouco diferente. Podia ser impressão minha. Foi em 2022 que tive a primeira reacção menos positiva de um cliente a quem recomendei o Porto: “Fernando, o Porto é muito bonito, come-se maravilhosamente bem mas de noite senti-me pouco seguro. Eu e os meus amigos visitamos as galerias e fomos constantemente incomodados por vendedores de droga que, perante a nossa recusa, se tornavam verbalmente agressivos e decidimos regressar ao hotel. Tirando isso, as obras no centro e muita pobreza nas ruas, foi muito bom”. Fiquei sem palavras. E quando em Dezembro de 2022 regressei para mais umas férias na minha cidade procurei perceber. E percebi que as palavras do Rui Albuquerque foram até muito suaves. Desde os idos de noventa do século passado que não via tantos sem abrigo. Que não via tanta pobreza. Que não me sentia tão inseguro à noite. Não me esqueço de uma das noites, numa quarta depois de ter ido ver um jogo ao Dragão. Por azelhice minha estacionei o carro no shopping Alameda antes do jogo. Após o jogo, e por castigo, estive mais de uma hora para conseguir sair do parque do Alameda. Segui para os Aliados. Já passava da meia noite, estaciono e vou ao McDonalds. Não vou perder muito tempo a descrever a envolvente: sujidade, detritos, drogaditos desesperados e até dentro do restaurante tinha um pedinte que me pedia uma moeda e ficou muito zangado porque me ofereci para lhe pagar comida mas não para lhe dar a moeda. Ficou zangado mas depois de uma troca de palavras à moda do Porto percebeu…E sim, nas galerias, também eu tropecei com os “ker axe” que vieram substituir os “ker flô”. Este não é o “Porto.” dos anos anteriores. Este é uma cidade que volta a suspirar pelo “Porto Feliz” (nos tempos da dupla Paulo Morais/Mota Cardoso foi criado o projecto Porto Feliz que retirou das ruas muitos dos sem abrigo). E dei de caras com o problema da Pasteleira quando fui buscar um familiar que ainda presta serviço cívico gratuito no centro social na paróquia da Pasteleira.

Estava para escrever sobre este Porto há muito tempo mas fui deixando andar. Até ver Rui Moreira falar na televisão explicando, vou resumir, tentei-fazer-alguma-coisa-mas-não-posso-fazer-nada. Isso e a culpa ser de A, de B, de C e já nem sei de quem mais. Como me explicava um amigo da área, existem várias etapas e vários grupos de risco e na cidade existem múltiplas instituições especializadas em cada um destes grupos. O problema é que estas instituições, dizia, perdem 80% do tempo a sobreviver e a tentar que a respectiva instituição sobreviva quando o foco deveria estar na rua e no combate pois são instituições praticamente sem qualquer apoio municipal. O problema actual da Pasteleira é o resultado do despejo no Aleixo e o Aleixo é o resultado do que aconteceu antes no bairro S. João de Deus, empurrando as pessoas de um lado para o outro e o problema com a barriga para a frente. E continuou a explicar-me que hoje não há nenhum centro de acolhimento de emergência integrado num projecto com pés e cabeça e que arranjar quartos de pensão só marginaliza a pessoa. A solução tem de ser racional e integrada com as pessoas que estão por dentro da área, as instituições. Lamentando que quando chega a altura da decisão política só há preocupações eleitorais. Age-se por interesse político quando é um problema comum a todos os partidos e agentes. Rematando a sua explicação afirmando que existem pessoas preparadas no terreno com experiência e vontade em ajudar. Técnicos e não políticos. O que falta é vontade política em liderar o processo sem ideologias e preconceitos. Não podemos ir pelo preconceito, temos de ser pragmáticos e humanistas. O princípio é reduzir riscos e minimizar danos. Antes demais evitar que eles se destruam e destruam terceiros, afirmou.

E se a tudo isto juntar o que ainda ontem recordou Luís Filipe Menezes, com o exemplo do que nessa matéria foi feito em Vila Nova de Gaia, mais facilmente se percebe que, como na canção, “afinal havia outra”. Citando:

“Em três anos, foi possível terminar com aquele centro de comércio “nacional”, realojar com humanidade dezenas de famílias, prender os principais responsáveis, pacificar ódios e confrontos, e ainda fazer o mesmo em outros dois locais cujos bairros, enormes, foram radicalmente demolidos (Quebrantões e Arcos do Sardão).
Qual o milagre? O Presidente de uma Grande Câmara pode formalmente parecer ter poderes curtos para enfrentar estas situações, mas tem outra arma que lhe permite atingir objectivos impensáveis. Essa arma chama-se Magistério de Influência, que tem que ser exercido com teimosia, exigência e voluntarismo. Em Gaia foi assim exercido. Junto das chefias das forças de segurança, das de investigação criminal, das Forças Armadas, das Magistraturas Judiciais. Também, obviamente, diariamente, junto dos governos e dos seus Ministros mais ligados à matéria em apreço (Administração Interna, Segurança Social, Justiça).
Assim, com uma estratégia, objectivos definidos e claros, trabalho de equipa entre os vários níveis da Administração foi possível levar a quase zero o problema. O mesmo seria e será possível no Porto, como até o o foi na gigantesca Nova York…” Luís Filipe Menezes, Fevereiro 2023.
O que se passa com Rui Moreira é o efeito de quem sabe que já não vai continuar a presidir a cidade daqui a pouco tempo e que, por via disso, sabe que já não lhe ligam pevide. Os que o rodeiam tentam fazer pela vidinha e adivinhar quem é o senhor(a) que se segue. O PS  e o PSD fazem-no acreditar que o consideram fundamental para o futuro tentando, cada um à sua maneira, espetar-lhe a faca nas costas e proceder à vingança prometida desde o desplante de 2013 em que os humilhou nas urnas. Os seus mais próximos não lhe dizem o que pensam mas o que pensam que ele quer que estes digam (nos intervalos das guerras entre antigos e recentes). Entretanto, Rui Moreira tenta decidir se avança para o FC Porto, para os braços de um qualquer partido que lhe peça muito ou para um qualquer projecto fantasioso de uma candidatura presidencial. No primeiro caso está a sofrer do velho problema dos candidatos ao lugar de Jorge Nuno Pinto da Costa: “Nem o pai morre nem a gente almoça“. No segundo caso temos dois noivos que vão prometer o paraíso à noiva até às eleições autárquicas e que no final dessa noite vão fugir com a madrinha. Já o terceiro caso não passa de um sonho molhado…
Só que entretanto, e se não se importam, alguém avise Rui Moreira que ainda é o Presidente da Câmara do Porto e que o cargo não é um intervalo do Dragão. É a vida real. O Porto está sem rei nem roque e seria importante que Moreira percebesse que convinha terminar o seu mandato com dignidade, que aproveite estes poucos anos para o final e deixe uma marca que, até 2018/19, prometia ser de excelência e que agora mais parece uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma. Ouça a sociedade civil da cidade, as instituições e não mate a galinha dos ovos de ouro chamada Turismo que muito custou a criar a outros tantos ante de si e que você cuidou com arte até  2019. Deixe lá os seus assessores e bajuladores brincarem aos sucessores e esqueça os cantos de sereia do PS e do PSD e faça por ser aquilo para o qual foi eleito: um homem do Porto e à Porto. Ponto. E seja vaidoso por cumprir esse papel. Essa sim, é vaidade da boa.

Comments

  1. JgMenos says:

    ‘Magistério de Influência” com drogados e marados?
    Logo me dirão que têm direito a ser drogados e marados, que com doses massivas de ‘assistência psicológica’, refeições quentes e uns chutos nos intervalos, prendendo um ou outro, talvez por fim, lá mais adiante, se transfiram para outro lado onde não os chateiem!
    Internem-nos e tratem-nos!

    • Se há broncos que têm direito a vir para aqui defecar comentários pestilentos com odor a estupidez e a ignorância, certamente que há quem tenha o direito a ser drogado e marado. Mas tanto para os primeiros como para os segundos, haverá assistência psicológica adequada, que lhes permita ultrapassar o vício respectivamente de obrar em público e de consumir estupefacientes.

    • Paulo Marques says:

      Mais um grupo de sub-humanos para as fornalhas!

  2. Figueiredo says:

    O Executivo do «Porto, o Nosso Partido/Porto, o Nosso Movimento/Aqui Há Porto» desde que tomou posse, tem estado – em conjunto com a comunicação social Portuguesa – a confundir deliberadamente sem-abrigos com drogados.

    Estes 10 anos de Governação Autárquica por parte do «Porto, o Nosso Partido/Porto, o Nosso Movimento/Aqui Há Porto» e as más políticas praticadas por este Executivo desde 2014, impuseram à Cidade do Porto e aos Portuenses, sub-desenvolvimento, desemprego, pobreza, miséria, obras mal feitas, degradação dos espaços e vias públicas, insegurança, aumento da criminalidade e do tráfico/consumo de droga, destruição da economia, comércio, serviços, restauração, e património, mediocridade na cultura e ausência de programação cultural, insalubridade no espaço urbano e vandalismo, cancelamento da cultura, promoção do homossexualismo e de propaganda liberal/maçónica.

    A Cidade do Porto e os Portuenses que em 2002 colocaram um fim ao período negro de 1989-2001, experimentou 12 anos únicos de desenvolvimento económico, laboral, social, desportivo, cultural, de renovação urbana, manutenção eficaz e constante das ruas e espaços/vias públicas, bem-estar, e segurança, que lançaram novamente o Porto a nível Local, Regional, Nacional e Internacional.

    Tudo isso foi destruído pelo Executivo do «Porto, o Nosso Partido/Porto, o Nosso Movimento/Aqui Há Porto», chegando ao ponto de voltarmos a ter a Cidade do Porto em 2015, até aos dias de hoje, praticamente deserta entre as 06:00 e as 11:00 e a partir das 18:00 (com zonas onde voltou a ser arriscado ir a certas alturas do dia e noite), tendo somente movimento quando angariam uns parolos e uns estrangeiros para irem passar uns dias à Invicta.

    Na questão do tráfico/consumo de droga, entre 2002 e 2013 o Presidente Rui Rio preveniu e controlou o tráfico/consumo de droga na Cidade do Porto, por tanto não se compreende porquê que o bom trabalho desenvolvido pela sua Governação Autárquica, não foi continuado por parte do «Porto, o Nosso Partido/Porto, o Nosso Movimento/Aqui Há Porto», muito pelo contrário, as más políticas praticadas por este Executivo agravaram a situação para níveis iguais ou piores aos do período compreendido entre 1989 e 2001, o que leva a questionar qual é o compromisso do «Porto, o Nosso Partido/Porto, o Nosso Movimento/Aqui Há Porto» com o tráfico/consumo de droga.

    A criminalização do uso de drogas nos espaços e vias públicas é proibido por Lei, posto isto, quando o Executivo liderado pelo «Porto, o Nosso Partido/Porto, o Nosso Movimento/Aqui Há Porto» pede ao Governo para que esse acto seja criminalizado/proibido não está de facto a ter um discurso coerente.

    Na comunicação social Portuguesa ou a título individual, multiplicam-se artigos ou opiniões onde se difunde a mentira acerca deste tema para tentar confundir os Portugueses que não são Portuenses, sobre esta situação, enquanto ocultam que o tráfico/consumo de droga na Cidade do Porto ressurgiu em força a partir de 2014 e se mantém até à presente data, 2023.

    Outra das mentiras propagadas, é aquela em que se afirma que a demolição do Bairro de São João de Deus e das torres no Bairro do Aleixo provocou a situação do aumento do tráfico/consumo de droga na Cidade do Porto, o que é mentira, muito pelo contrário, a corajosa decisão de demolir esses edifícios – que eram uma base para traficantes e drogados – por parte do Presidente Rui Rio, foi um golpe certeiro no tráfico/consumo de droga.

    O actual grave problema que está a ser causado por traficantes, passadores, e drogados, na Cidade do Porto, e que está a atingir uma dimensão igual ou superior à de 1989 que se manteve até 2001, é causado pelas más políticas sobre esta matéria praticadas pelo Executivo do «Porto, o Nosso Partido/Porto, o Nosso Movimento/Aqui Há Porto», não é um problema do anterior Governo Autárquico do Presidente Rui Rio nem do Estado.

    Para terminar, a Segurança é da responsabilidade do Governo, mas a Câmara pode e deve ajudar, por isso quando o Executivo do «Porto, o Nosso Partido/Porto, o Nosso Movimento/Aqui Há Porto» diz que a culpa é do Estado, está simplesmente a fugir às suas responsabilidades e a ser conivente com o crime e o tráfico/consumo de droga.

    • Figueiredo says:

      «…A criminalização do uso de drogas nos espaços e vias públicas é proibido por Lei…»

      Ficou a faltar uma vírgula a seguir à palavra «drogas».

    • Paulo Marques says:

      O mandatário de Rio esquece-se que a gentrificação e a pobreza têm consequências conhecidas, e que o consumo não é crime.

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