Com sete letrinhas apenas se escreve a palavra Salazar

… e a ponte sobre o Tejo
— Pedro Ayres Magalhães/Heróis do Mar

T.V. is the reason why less than ten percent of our
Nation reads books daily
Why most people think Central America
means Kansas
— Disposable Heroes Of Hiphoprisy:
Television The Drug Of The Nation

Magro, sombrio, encurvado
sob o açoite do Pecado,
com que o persegue Satan,
o pobre gêbo parece o monstro do Lockness
ou um monge de Zurbarán.
— Roberto das Neves, “Salazar

***

Nasci no dia em que a PIDE assassinou José António Ribeiro dos Santos. Durante os meus anos portugueses, o 25 de Abril foi sempre vivido na baixa, na Avenida dos Aliados e arredores, quase invariavelmente na excelente companhia do meu pai. Nos meus anos alemães, comprava rote Nelken no Hauptmarkt de Trier e festejava Abril de cravo vermelho na lapela, enquanto pedalava a minha fiel Diamant, trauteando o E Depois do Adeus, no regresso à Olewiger Straße. Chegado a casa, eternizava Abril, depositando os meus cravos na jarra com água que projectava pela sala os raios de sol do quintal onde cresciam morangos selvagens. Ainda tenho essa jarra. Há bocado, aproveitei as compras semanais no supermercado ali da esquina e trouxe um perfume de liberdade em cravos a estes 44 dias de confinamento bruxelense. Estou eternamente grato a quem lutou pela possibilidade de Portugal ser um país livre.

Muita gente fica eufórica com este filme, no qual vemos a palavra SALAZAR a ser retirada à martelada da ponte mais a jusante do Tejo.

Não gosto deste filme. Efectivamente, eis um acto cheio de significado, baseado num princípio com o qual estou plenamente de acordo. Todavia, trata-se de um mero gesto de fachada. Os princípios de nada valem se forem materializados em actos para inglês ver.

Peguemos num princípio tão corriqueiro como ter o escritório de casa arrumado. Imagine-se agora que me dava para arrumar o escritório só quando tivesse visitas cá em casa. Obviamente, como sou uma pessoa de princípios, sentir-me-ia incomodado quando me definissem como sendo uma pessoa com o escritório de casa arrumado. Por esse motivo, deixei de receber visitas no escritório.

Com efeito, a carga simbólica da passagem de Ponte Salazar a Ponte 25 de Abril é imediatamente anulada pela persistente presença de Oliveira Salazar na toponímia portuguesa. Actualmente, Portugal continua a prestar vassalagem à memória de Salazar, da mesma forma que o Diário de Notícias o fazia no dia 27 de Julho de 1970, com o célebre (negritos meus)

Portugal está de luto. Morreu o Presidente Salazar. Esta manhã, às 9 e 15 deixou de viver um dos mais ínclitos portugueses da história de Portugal.

Exactamente (está à venda):

Em honra de Salazar, até existe uma alameda (uma alameda!) em Vila Nova de Gaia (em Vila Nova de Gaia!). Para quem não souber, Vila Nova de Gaia é o terceiro maior concelho de Portugal, ficando a dita alameda no Olival. Enquanto houver uma Alameda Dr. Oliveira Salazar em Vila Nova de Gaia, enquanto andarem por aí cantando e rindo, é escusado voltarem a passar o filme da ponte no meu televisor.

Há uma grande diferença entre o país ideal, com o cravo de Abril na lapela e com a Ponte 25 de Abril sobre o Tejo, e o país real, com a Alameda Dr. Oliveira Salazar no terceiro maior concelho do país e com o povo viciado em televisão a aproveitar a primeira oportunidade que lhe aparece à frente para fazer de Salazar o maior português de sempre, espalhando-se a notícia em inglês, alemão, eslovaco, francês, espanhol, checo, neerlandês, croata, etc. De facto, como previsto no Livro de Leitura da 3.ª Classe de 1937 (pdf), as gerações futuras haviam de “dizer baixinho, de olhos fitos no altar da Pátria – Foi um grande Português!“.

Escutemos essas horríveis palavras, na maravilhosa leitura em voz alta de Mário Viegas: [Read more…]

Arménio, o Espingardador Radical

A hora oportunista da CGTP, isto é, do PCP, chegou e é a da radicalização, seja na ponte Salazar-25 de Abril, seja em outra ponte qualquer. Radicalizar o risco. Erigir o patético. Criar espectáculo. Imitar a escala brasileira do protesto e talvez do descontrolo. Eis tudo. E porquê esta sanha nova, fase seguinte, do PCP-CGTP pelo patético e a pantomina nas manifestações rotineiras de Outubro-Novembro-Dezembro? O que é possível mudar nas Políticas Europeias e do Governo em Funções sem o poder de ruptura de uma invasão extraterrestre, sem a força transformadora de um assassínio político, sem o virar de tabuleiros de uma guerra continental?! Nada. Porém as coisas correram muito bem ao PCP nas autárquicas. Portanto, a manif rotineira de 19 de Outubro quererá subir de tom, provocar o Governo, confrontar as polícias, engendrar vitimas involuntárias, levar o protesto minoritário ao patético e ao truque da maioria minúscula que tornou célebre o desvanecente Bloco. Em suma, Arménio passou-se e aí vai ele, de peito feito, na sua fantasia vã e caprichoso aventureirismo. A tradicional disciplina manifestante da CGTP-PCP não é um dogma religioso nem uma fatalidade papal.

A Ponte é um Symbolo. Foi na Ponte e graças à Ponte que o último Governo Cavaco tombou fragorosamente graças a um erro do animal ávido-BPN Dias Loureiro. Portanto, nada mais auspicioso que o PCP regressar à Ponte em nome das massas populares, dos trabalhadores contra as Políticas de Direita. [Read more…]

De quem é a ponte?

Uma das pontes sobre o Tejo nasceu Salazar e foi baptizada 25 de Abril.

A canalha salazarista andou anos a chorar que era uma injustiça, foi o Salazar que a construiu, snif snif, sacando do lenço para limpar o focinho ranhoso, o Salazar no tempo dele é que era bom.

Nem sequer é verdade: a ponte foi construída por operários (alguns lá morreram) e desenhada por engenheiros, mãos, cérebros, quem trabalha (esse exercício diário e quotidiano a que Salazar nem nas vindimas de S. Comba se dedicou: os meliantes não trabalham, roubam, trafulham  ou assassinam).

O que um ministro (enquanto pessoa um tipo sensato, mas o poder desfaz os homens) agora tem nas mãos é muito simples: ou manda às urtigas um parecer canalhita, ou compra a guerra que nunca ninguém tentou: reprimir uma manifestação nacional da CGTP é um filme que, indeciso pelo meio Portugal, me fará trocar o Porto por Lisboa. E já agora, com resultados muitos óbvios nos mercados.

Em qualquer dos casos, e definitivamente, a ponte ficará de vez crismada de 25 de Abril. Espero que se evite o sangue, mas voltando atrás, dos operários ali já o houve semeado.