«O golpe de Cavaco não foi palaciano

[mas] profundamente provinciano. (…)» [Pedro Lains]

Acordo ortográfico no Parlamento: a luz ao fundo do túnel?

NAO2cA Assembleia da República resolveu constituir um Grupo de Trabalho para Acompanhamento da Aplicação do Acordo Ortográfico (AO90), segundo proposta de Miguel Tiago, do PCP. O deputado comunista tem, pelo menos, o mérito de reconhecer a existência de críticas justas ao AO90, fazendo, ainda, referência ao recente adiamento da sua aplicação no Brasil.

Embora considere positiva qualquer movimentação que possa recolocar o debate sobre este assunto na ordem do dia, não posso, no entanto, deixar de manifestar preocupação, quando me apercebo de que tudo isto, na realidade, só acontece porque o Brasil pigarreou, o que, com a subserviência ao estrangeiro que nos caracteriza, faz com que tenhamos um ataque de ansiedade, preocupados por saber se devemos passar a tossir. Aqui, como em tantos outros aspectos da nossa vida como nação, limitamo-nos a olhar caninamente para cima, à espera da voz do dono: da Alemanha, chegam ordens para baixar salários, o Brasil quererá impor-nos o aprofundamento da simplificação ortográfica e Portugal rebola no chão, salivando por um osso.

Como se isso não bastasse, ao sabermos que há a intenção de “ouvir a opinião de académicos, professores, escritores, artistas, jornalistas, enfim, os que trabalham com a língua, e também professores, para darem conta de como está a ser implementado nas escolas”, podemos ficar com a ideia de que o Parlamento ignora que foram produzidos, há bastante tempo, vários pareceres fundamentados sobre os numerosos defeitos do AO90. Pode ser que a repetição desses pareceres proporcione aos deputados a compreensão que lhes tem faltado, uma espécie de luz ao fundo do túnel.

Uma bacalhoada salazarista.

Estive na última edição da FITUR – feira internacional de turismo de Madrid -, onde Portugal, mais uma vez foi vencedor entre os expositores. Pelo desenho do pavilhão e creio que pelos “produtos” apresentados. Pode parecer que tudo está bem, mas não. Olhando com atenção para cada um desses produtos em promoção e em particular para uma conhecida rota de património, reparei que a mesma integrava um conjunto europeu de itinerários culturais. O folheto publicitário era atractivo: da Saxónia à Sérvia, de Itália a Espanha, cada uma das instituições destes países e regiões promoviam actividades paralelas ao âmbito cultural da visita: termalismo, pedestrianismo, rafting, escalada, passeios a cavalo, esqui e ciclismo, entre outras. Portugal, promovia o folclore e um prato de bacalhau assado com batatas.
E depois ficam eriçados com a marca Salazar de Santa Comba Dão? Promover ditadores, ou facínoras (que de resto a maioria dos países já faz) é bem mais original que tentar vender o tradicional ranchinho folclórico ou uma bacalhoada.
Além disso, se há coisa com que os autarcas deste país podiam fazer dinheiro é com o ar decadente e demodé das suas vilas e cidades cheias de rotundas, chafarizes e obras por acabar. Lembro-me que nos anos 80 os estrangeiros vinham a Portugal à procura de pobreza e de todos os estigmas associados. Visitar um país em ruínas, cheio de torres eólicas com estradões em terra mal amanhados, lojas fechadas, desemprego e mendicidade parece-me uma boa aposta turística.
E deixemo-nos de coisas, há mais salazares em nós que numa garrafa de vinho – caso contrário não passaríamos o tempo a bebê-lo acompanhando um dos mil pratos de bacalhau com que atraímos os turistas.

O provincianismo de Sócrates e Cª

„Quem falhar a primeira casa de botão atrapalha-se com o resto do abotoamento”

Johann Wolfgang von Goethe

Num seu artigo recente que recebi através da net, o Sr. José António Saraiva traz uma tese bastante plausivel que, em princípio, aceito.

De facto essa tendência de deslumbramento de pessoas nascidas na província – eu próprio nasci na provincia! – existe, mas tudo é uma questão de carácter das pessoas em questão. Assim, a grande maioria das pessoas nascidas na provincia, depois de passarem pela normal fase de deslumbramento, evoluem para pessoas úteis para a sociedade não sendo raros os casos de grandes sucessos realizados – se não tiverem problemas de carácter, claro.

Agora vamos ao essencial, precisamente ao paralogismo em que – uma vez mais – caiu o Sr. José António Saraiva. Ele, ao escrever “O PROCESSO chamado ‘Face Oculta’ tem as suas raízes longínquas num fenómeno que podemos designar por ‘deslumbramento’”, erra.

Em realidade as causas são bem diversas. Ora vejamos: para os tais “deslumbrados” poderem ascender “a cargos políticos de relevo” é indispensável uma coisa: poder, precisamente poder solidário, pelos menos incialmente. E este poder solidário só o podem adquirir pela mão de um sóciosistema que pelo seu comportamento linear se encontra em vias de declínio e vulnerável a pseudo-soluções.

De facto, quando então com a crescente perda do Norte se perde a habilidade de manter o necessário equilíbrio entre o ideológico e o pragmático, entre o espírito e a matéria, muitos lideres políticos mas também económicos – Globalização! – sentem-se inclinados em buscar soluções aparentemente prometedoras do tipo “mais terra-a-terra”. Muitas vezes quando essas soluções “terra-a-terra” e, sobretudo, os seus executores ganham vida própria começando a andar soltos, é tarde demais. E quando estas forças avançam, sozinhas e sem controlo eficaz, com determinados estrategemas (tácticas) e ultrapassando as elites, que em vez de determinar a indispensável ESTRATÉGIA se encontram a marcar passo sem ideia como hão-de saír do atoleiro, então um sóciosistema qualquer chega à situação na qual a UE, Portugal e o resto do mundo actualmente se encontram.

Era essa a “primeira casa de botão” que o Sr. José António Saraiva não acertou no seu artigo. Mas mesmo assim espero que o “Sol” continue a brilhar a bem da liberdade de imprensa. Isto será o caso, se finalmente as causas imateriais subjacentes aos actuais problemas forem identificadas e resolvidas correctamente. Caso contrário nos espera a imprensa “sincronizada”.

Rolf Dohmer

PS: o autor refere-se ao artigo “deslumbramento” no SOL que me dispenso aqui de apresentar