Delegado comercial

“Quem não tem seguro, aprende em primeiro lugar que é bom reservar sempre um bocadinho para no futuro ter seguro”, disse o novo ministro da administração interna, João Calvão da Silva, a propósito das inundações em Albufeira.

Acontece que as seguradoras não pagam prejuízos com calamidade pública declarada, será que o ministro não o sabe? Relendo as declarações do ministro, percebe-se que na base do que ele afirma está uma convicção ideológica. “As pessoas estão conscientes que há outros mecanismos para além dos auxílios estatais”, disse Calvão da Silva, esquecendo-se de referir as letras miudinhas dos contratos das seguradoras. “Cada um tem um pequeno pé-de-meia. Em vez de o gastar a mais aqui ou além, paga um prémio de seguro.” Para este ministro, os pés-de-meia servem fazer seguros. Deixem-me dizer-vos uma coisa sobre os seguros. São negócios e, como tal, servem para dar lucro. Podem pagar, e pagam, prejuízos pontuais, mas dificilmente têm capacidade para pagar um prejuízo generalizado. Neste sentido, é uma fraude pretender que um seguro poderá resolver situações de catástrofe. Mas foi isso que João Calvão da Silva fez.

Um exemplo prático? Que seguro pagaria isto?

terramoto lisboa

Como? Ah, sim, foi uma coisa em escala demasiado larga. Pensava que os seguros eram para o azares, mas então vamos para um pouco menos.

madeira temporal

Temporal na Madeira, Fevereiro de 2010 (imagem)

Alberto João Jardim decidiu não declarar estado de calamidade pública, na sequência dos danos causados pelo temporal de sábado, para não prejudicar o turismo da Madeira. Mas deputados do PSD e do CDS-PP acreditam que a decisão foi também influenciada pelo facto de as seguradoras ficarem isentas de pagar os prejuízos nesta situação. Guilherme Silva, do PSD, e José Manuel Rodrigues, do CDS-PP, lembram que em caso de calamidade pública as seguradoras ficam isentas de pagar qualquer prejuízo, considerando que este terá sido o principal motivo para que Alberto João Jardim tenha evitado esta declaração. [DN]

“Esta gente precisa de ajuda imediata, que passa por uma palavra de solidariedade imediata. Estou aqui hoje, mesmo que logo à noite já não fosse ministro.” Ó sr. ministro, esta gente precisa de ajuda, não é de propaganda.

“Eu sei que há muitas carteiras magras. Mas está a falar com uma pessoa que nasceu em Trás-os-Montes, que sabe o que é ser pobre e vir do pobre e tentar ser alguém. A mobilidade social funciona para todos. E todos temos de ter a nossa responsabilidade no sentido e dizer: ‘eu tenho um negócio, vou fazer o meu seguro para que se o infortúnio me bater à porta tenha valido a pena pagar o prémio.” Mais um bocado de publicidade ideológica. O pessoal das seguradoras agradece. Não é por nada, ó sr. ministro, mas até parece que, face à morte anunciada do seu governo, está a fazer um seguro de trabalho em benefício próprio.

Já se sabia porque é que este ministro não deveria ter sido ministro. Mas afinal não há problema. Não temos aqui um ministro, mas sim um delegado comercial.

Eis o governo com “qualidade e pessoas, pelo seu curriculum e percurso, para quatro anos“.

Comments

  1. Ernesto Martins Vaz Ribeiro says:

    Esta gentalha serve-se de tudo para fazer valer o “Estado Neoliberal cheio de graça”, chegando ao ponto de aproveitar a desgraça alheia para ainda assim tentarem arranjar mais uns cobres para os seus amigalhaços.
    Desfaçatez para além de ignorância, mas a ganância e tal que nem olham à volta. Assim como ele concedeu um perdão ao banqueiro, o povo também lhe dá o perdão, votando no seu partido… quando a ocasião chegar

  2. J.V. says:

    Excelente artigo, muito obrigado pelo abre-olhos.

  3. e então “a mobilidade funciona para todos” ui, que declaração estonteante, que realmente só pode vir de um delegado de propaganda do regime que agora levou uma coça democrática

  4. Edgar says:

    “Cada um tem um pequeno pé-de-meia. Em vez de o gastar a mais aqui ou além, paga um prémio de seguro.”
    Provavelmente, pretenderia dizer: “Em vez de viver acima das suas possibilidades, paga…”

    • martinhopm says:

      Caro Edgar, concordo em absoluto consigo. E quem não tem pé-de-meia? É o meu caso. Trabalhei dos 18 aos 66 anos, e não tenho pé-de-meia nenhum. O que recebo mal chega para as despesas correntes. É um autêntico trabalho no arame.

  5. Maria says:

    Pois… Quem não tem amigos que possam ir ofertando umas “liberalidades” lá tem de se aguentar à bronca sozinho ou fazer o segurozinho…

  6. joão lopes says:

    um ministro(a prazo?) a fazer anuncios publicitarios no seu primeiro dia de trabalho no estado…pode acabar como precario a recibo verde ou nem isso a trabalhar para uma seguradora privada.ups,esqueci-me que este é daqueles que já tem direito a uma reforma de 4.000 E(tipo general) que só cerca de 600 portugueses tem direito a receber.

  7. ZE LOPES says:

    Ora bem, estou a ler a biografia da criatura…Banco Totta e Açores, Crédito Predial, COMPANHIA DE SEGUROS “GLOBAL”…lá está! Mas lá que o homem é um inovador, isso é inegável. Inventou em Albufeira o seguro contra obras de Satanás!

Trackbacks

  1. […] Nabais Deixe um comentário Calvão da Silva é, como qualquer ser humano, múltiplo. Para além de agente de seguros, é agente de execução liquidatária do Estado, é ministro semanal da Administração Interna e […]

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