Adriano Teixeira de Sousa (1-05-1955 / 18-07-2009)

Adriano Teixeira de Sousa

Adriano Teixeira de Sousa

Há momentos assim.
Em que tudo parece ter um fim.
Acredito que o fim não pode ser isto, mas a sensação de derrota perante a morte é demolidora.
Morreu o Adriano.
O Adriano é alguém verdadeiramente único. Um Homem Bom.
Um combatente anti-fascista, Professor de Inglês que viveu “aventuras” (reais!) ainda antes do 25 de Abril, quer no âmbito familia quer no plano académico da Universidade do Porto.
Mas, sobre essa época pouco sei – nem sequer tinha nascido.
O Adriano foi o sindicalista que primeiro me convidou para integrar a Direcção do SPN.
Foi com ele que aprendi tudo sobre tanta coisa. As viagens para todo o lado, as conversas sobre música ou sobre futebol, sobre a política ou sobre a literatura… Tantas e tantas coisas boas para recordar.
Por mim a camisola do Adriano é retirada e sobe ao tecto do pavilhão: ninguém mais a vai usar – o nº1.
O nº1 que se destina ao melhor de todos nós!
Amanhã vou despedir-me do teu corpo, esse que te fez sofrer.
Mas, o resto, o verdadeiramente importante continua. Continua dentro de mim porque o que sou, também o devo a ti!
Espero que encontres o meu Pai e o possas ensinar como a mim.
Até um dia!

CUIDADO COM OS REMÉDIOS (3)

CUIDADO COM OS REMÉDIOS (3)

A constante pressão sobre os médicos, por parte dos próprios doentes, e das estonteantes aliciações pseudo-científicas, cria uma tendência e mesmo uma obrigação crescentes de polimedicar e prolongar excessivamente os tratamentos, sem qualquer respeito pela própria dignidade profissional nem pelo cumprimento das regras básicas da farmacologia clínica. Não se têm muitas vezes em linha de conta as alterações farmacocinéticas e farmacodinâmicas próprias do idoso, bem como os seus processos patológicos múltiplos e complexos. Num dos poucos estudos efectuados chegou-se à conclusão de que a iatrogenia medicamentosa era uma importante causa de internamento dos doentes idosos, constituindo uma realidade no dia-a-dia da enfermaria (25%). Um outro estudo recente revelou que um quarto dos americanos com mais de 65 anos toma, por receita médica, medicamentos que nunca lhes deveriam ter sido prescritos. Um simples comprimido pode causar amnésias, confusão mental, desequilíbrios, desmaios, síncopes, hipotensões graves. Um tratamento, ainda que curto, pode ocasionar fadiga, insónias, tosse rebelde, reacções alérgicas difíceis de diagnosticar, vómitos, diarreias, dispepsias duradoiras, lesões tóxicas do rim e do fígado, graves anomalias sanguíneas. Um tratamento mais prolongado, além das consequências atrás descritas, pode originar intoxicações (traduzidas por mal-estar geral, perda de apetite e de forças, náuseas e vómitos), perturbações respiratórias, arritmias ameaçadoras da vida e perigosos bloqueios cardíacos, bem como graves situações de falência cardíaca. Nós médicos, e mesmo os doentes, muitas vezes chegamos ao cúmulo de considerar que os próprios efeitos secundários dos remédios e as suas acções nocivas são sintomas próprios da idade, e zás de aumentar as doses e receitar novas drogas, agravando drasticamente a situação. Tentar apagar o fogo com a própria gasolina.
Apesar de tudo isto, a maneira mais vulgar de terminar uma consulta é passar uma receita. Por vezes, toda a consulta se resume a uma receita. O tempo e a atenção há muito que foram substituídos pelos remédios.
Vale mais não tratar do que tratar mal. Quantas vezes eu prescrevo, com prudência e até algum receio, drogas que vejo receitadas a torto e a direito por dá cá aquela palha. A minha acção, numa boa parte dos pacientes, resume-se a desaconselhar os medicamentos que eles ingerem e que muitas vezes transportam em sacos. A experiência, grande apoio da minha consciência, tem demonstrado que essa é a atitude mais correcta.

          (adao cruz)

(adao cruz)

Mau sinal : intelectuais apoiam Costa

Muito mau ! Isto quer dizer que as sondagens que Costa conhece e nós não, são más.

A última cá em Lisboa foi com João Soares. Todos perceberam que ía perder quando apareceu um apoio de “antifascistas”. E perdeu mesmo.

Quando o pessoal do “subsídio” se junta para apoiar é porque o “modo de vida” corre perigo. Bem sabemos que se trata tão só de substituir uns tantos subsídios por avenças de assessores, adjuntos, secretárias, e amigalhaços. Mas quem deixa de receber, “pia”! E “pia” antes, não vá alguem dizer-lhe “que tarde piaste”. Daí ser de muito mau agoiro, estas manifestações de apoio da Helena, do Zé e dos intelectuais.

Sem hipóteses de se aproximar do PCP e do BE (António, António, se aquele Congresso tivesse sido uns meses mais tarde…) portões encerrados à chave pelo abuso de poder de Sócrates e pelo discurso inflamado de Costa, encerrando pontes futuras e caminhadas juntas, Costa tenta o pleno do PS, chamando a si os Alegristas e as cabeças tresmalhadas.

Apertado por uma empresa que depende do Governo e que põe e dispõe na cidade, em que todos percebem que a Câmara é protagonista menor em várias situações que irão descaracterizar a Lisboa que conhecemos, Costa não tem saída.

Por amor de Lisboa contra o governo, por amor do governo contra a cidade, Costa ensaia “pegas de cernelha” que lhe poderão trazer grandes dores de cabeça.

É que em termos de liberdade de actuação a maior fatia já não está nas suas mãos. Está no resultado que sair tres semanas antes nas eleições legislativas. Por isso o PCP e o BE não têm pressa nenhuma.

E nas legislativas o prognóstico é ainda mais sombrio.

A esquerda e o "abraço de urso"

O grande problema da esquerda, hoje no país e mais concretamente em Lisboa, é que o PS é um eucalipto, que sugou tudo à sua volta. O PCP e o BE sentem-no, sabem que juntarem-se ao PS sem se apoderarem de significativas e reconhecidas, publicamente, fatias do poder é entregarem-se “ao abraço de urso” ! Não saem de lá vivos!

Isto tem como primeiro resultado que a esquerda que é maioritária, na prática , deixou de o ser. Em segundo lugar, os interesses em que o PS está envolvido, com milhares de apoiantes em tudo o que é Administração Pública, empresas públicas, instituições , Fundações e mesmos em grandes grupos económicos, impedem o PS de partilhar o poder.

O PS apostou tudo na maioria absoluta, convencido que a economia se desenvolvia por arrasto dos grandes negócios e dos Megainvestimentos públicos. Isto explica a defesa até à exaustão de uma política que não apresenta resultados e que é, para quem queira ver, impraticável, à luz das condições Macro nacionais e internacionais actuais.

Chega a ser pungente ver que Sócrates, há bem poucos meses inquestionável, é hoje um homem só, que faz uns “números de círco diários” na RTP a que ninguem dá atenção, até porque vários exemplos vieram mostrar que não passam de intenções para portuga ver. Os exemplos recentes da fábrica de baterias, dos painéis solares, das contas da educação, são patéticos.

Depois o governo sofre um desgaste diário com o desemprego e com as condições de vida que ninguem quer partilhar. Recua atabalhuadamente, com os professores, com os Mega Projectos. Caem-lhe em cima os exames do Tribunal de Contas, dando razão a quem se opõe a grandes negócios sistematicamente feitos com as empresas amigas.

E o que estará escondido nas intervenções no BCP, no BPN e no BPP? E as Contas Públicas, qual será o seu verdadeiro estado ? Basta, pois, deixar correr o marfim para que o BCP e o BE acumulem quatro anos de governação que aqui e ali, roçou o abuso do poder. Lembram-se da “vitória de Pirro” do estatuto dos Açores?

O PS e Sócrates estarão sós perante os eleitores. Estão a colher o que semearam. Sem maioria absoluta o PS e Sócrates (o PS de Sócrates ?) estão afastados do poder por muitos e bons anos.

Fliscorno – Preços da gasolina, gasóleo e brent 2005-2009 (fim)


Este gráfico mostra o preço do brent e dos combustíveis, com e sem taxas. Permite uma comparação directa. Ver também o 1º gráfico desta série com os preços do brent e dos combustíveis convertidos para base 100.

Como se constata, não é fácil tirar conclusões pela análise do gráfico. Nos posts anteriores apresentei uma possível metodologia para obter conclusões numéricas (ver 2º post da série) mas ao meter as mãos à obra no excel concluí que era pouco prática. Delineei então a seguinte abordagem:

PsT Gasóleo Brent % aumento brent
Preço teórico
(Preço real) – (preço teórico)
G1 B1 — — —
G2 B2 %B = B2/B1 GT = %B * G1 Saldo = G2 – GT
… … … … …

Nesta tabela temos o preço do gasóleo antes de impostos (1ª coluna ) e o preço do brent (2ª coluna). Na 3ª coluna calcula-se a percentagem de variação da linha 1 para a linha 2. Na coluna 4 calcula-se em quanto ficaria o gasóleo se este aumentasse na mesma proporção do brent. E na coluna 5 calcula-se o saldo entre o preço real do gasóleo e o preço calculado teoricamente. Fiz um estudo semelhante para a gasolina.

Na 5ª coluna obtêm-se valores positivos e negativos, consoante o combustível aumente mais ou menos do que o preço teórico. Somando todos os valores da coluna 5 para um período de tempo fica-se a saber se, durante esse período, se se pagou demais ou de menos pelos combustíveis.

Os dados e o resultado dos cálculos estão disponíveis no Google Docs e as duas figuras seguintes mostram-nos graficamente (a escala vertical não se aplica ao brent, a linha amarela).


E, para terminar, as conclusões numéricas. Somando a variação do preço dos combustíveis entre 2005 e Junho 2009, obtêm-se os seguintes valores:

Gasóleo: diferença entre o preço real e o teórico = -0.0731

Gasolina: diferença entre o preço real e o teórico = -0.00354
Conclui-se que neste período de 3 anos e meio, a variação no preços dos combustíveis antes impostos seguiu, em termos médios, a variação do preço do brent. Isto é, os períodos em que se pagou demais e os períodos em que se pagou menos praticamente se anularam (daí os valores 1 e 2 praticamente nulos).

Esta conclusão contraria muito senso comum, inclusivamente o meu, pois há um sentimento de que o preço dos combustíveis não acompanha o preço do brent. No entanto, é preciso ter em conta que olhando apenas para períodos curtos não se têm a visão global. Vejam-se por exemplo os posts 3 e 4 desta série.

Antes de começar esta série pensei que o resultado fosse outro mas mantive a mente aberta para os resultados que viessem. Aliás, nos vários posts onde tenho abordado esta temática salvaguardei a possibilidade de apenas se poder estabelecer conclusões definitivas com um estudo em que se analisasse o histórico das variações.

Então, mas porque é que temos os combustíveis tão caros? Para responder a esta questão há que atender à elevada carga fiscal sobre os combustíveis, em que inclusivamente há impostos sobre impostos (o IVA incide sobre o ISP) – ver ISP e IVA entre 01.01.2004 e 29.02.2008. Aliás, basta olha para o 1º gráfico deste post para ver a diferença entre o preço dos combustíveis antes e depois de impostos.

Posto isto, faz sentido fazer campanha contra as gasolineiras? Do meu ponto de vista, consumidor, claro que sim. Basta ver que as marcas brancas vendem os combustíveis cerca de 10 cêntimos mais barato. Além disso, a pressão dos consumidores é a melhor forma de se evitar que as empresas dêem largas à sua avidez pelo lucro.

Adenda
Depois de ontem publicar as primeiras conclusões, resolvi debruçar-me mais um pouco sobre os números obtidos.

Esta tabela evidencia que em 2008 os combustíveis aumentaram muito a cima das correspondentes variações do brent, tendo a gasolina e o gasóleo em média ficado 16 e 32 cêntimos mais caros respectivamente. Se optarmos por uma lógica de saldo nulo, os combustíveis não deviam ter subido tanto para compensar as perdas anteriores. Em 2009 estamos a ver corrigidos os ganhos adicionais de 2008. Se então não tivéssemos feito a pressão que fizemos sobre as gasolineiras teria isto acontecido?

Por outro lado, é de notar que, no período 2005-2009, a gasolina acompanhou de perto as variações do preço do brent mas o gasóleo esteve, em média, 7 cêntimos mais barato do que estaria se tivesse acompanhado as variações do crude.

Finalmente, apesar de não me ter debruçado sobre esse aspecto, é importante não esquecer entre 60% a 70% do preço dos combustíveis são impostos. Isto explica porque temos combustíveis mais caros do que Espanha e mostra também qual o caminho a seguir para termos combustíveis mais baratos: combater o estado. Aliás, é bem possível que a estratégia do estado tenha sido exactamente desviar as atenções para as gasolineiras, evitando assim que os eleitores exigissem menos impostos nos combustíveis. Isso explica a idiota ideia da Taxa Robin dos Bosques e todo o aparato à volta da Autoridade da Concorrência (AdC) e os seus inconclusivos estudos. Como aqui se viu, a AdC não tinha margem para outras conclusões, o que novamente mostra que o alvo nesta questão do preço dos combustíveis tem que ser o estado e a sua avidez na cobrança de impostos.

No Teu Deserto

“Na verdade, o deserto não existe: se tudo à sua volta deixa de existir e de ter sentido, só resta o nada. E o nada é o nada: conforme se olha, é a ausência de tudo, ou, pelo contrário, o absoluto. Não há cidades, não há mar, não há rios, não há sequer árvores ou animais. Não há música, nem ruído, nem som algum, excepto o do vento de areia quando se vai levantando aos poucos – e esse é assustador. Será assim a morte, também, Cláudia?”

no teu deserto

No Teu Deserto, o quase romance de Miguel Sousa Tavares.

Já passava da meia-noite quando, hoje, o comecei a ler. Foi sem parar, até ao último paragrafo, derradeira linha, definitiva palavra. Nem sei que horas eram quando desliguei a luz e comecei a dormir. O deserto do Miguel e da Cláudia prenderam-me com toda a força, colaram-se como uma lapa da praia das Caxinas às minhas mãos e ao meu cérebro. Só quem conhece o Sahara (ou julga conhecê-lo pois nem mesmo os senhores do deserto, os Tuaregues, o conhecem) pode compreender o fascínio desta obra. O Sahara entrou na minha vida no ano 2000 e ainda hoje suspiro por a ele regressar. Está prometido para 2010. Ainda falta tanto, tanto tempo…

Na capa escreveram que “No Teu Deserto” é um “quase romance”. Não discuto. Pois que seja. Para mim é um livro belo, com uma história fabulosa e um hino ao “nosso” deserto. Procurando fugir aos habituais clichés sobre o deserto, o amor e a sociedade moderna, Miguel Sousa Tavares escreveu uma obra magnífica e que retrata, não sei se intencionalmente, a forma como hoje vivemos, à velocidade da viagem entre Algeciras e Alicante, sempre nos limites e sem olhar para trás. Sempre no fio da navalha.

Claro que eu sou suspeito, eu gosto do Miguel Sousa Tavares, mesmo quando não concordo com ele. O seu “Sul” é um dos meus livros preferidos, a sua “Grande Reportagem” é uma eterna saudade, o seu “Equador” um marco. Mas, “No Teu Deserto”, é uma obra de uma beleza comovente e que nos faz voar. Dei por mim a recordar Abril de 2000 e como fiquei aprisionado ao Deserto, como suspiro pelo meu “cimbalino berbere” de menta que tanto tento replicar em casa sem o conseguir – faltam-me as folhas de menta mal lavadas e as mãos sujas com unhas indescritivelmente pretas daquele estranho no meio do nada.

“Hoje já ninguém vai ao nosso deserto, Cláudia (…) A razão principal é que já não há muita gente que tenha tempo a perder com o deserto. Não sabem para que serve e, quando me perguntam o que há lá e eu respondo ´nada`, eles riscam mentalmente essa viagem dos seus projectos. Viajam antes em massa para onde toda a gente vai e todos se encontram”.

Eu vou, antes, irei novamente, meu caro Miguel e espero conseguir ver a estrela de Cláudia, lá bem no cimo, ao lado de outras estrelas da saudade.

Por terras de Sua Majestade (VI)

País de Gales, 2.7 milhões de pessoas com Cardif como capital. Antes uma bela cidade, Chester, parada no tempo, com as suas igrejas e casas ajardinadas. Logo a seguir, Llangollen, onde se fala Galês. No caminho, a região dos lagos e das montanhas, um verde luxuriante, parque protegido.
Betão nem vê-lo. Nao há, casas de madeira e a contar-se pelos dedos, servem de apoio às pessoas que trabalham no parque.
Oscar Wilde, foi aqui que centrou o seu livro – O leque de Lady Winthermere – e que William Wordsorth baseou toda a sua obra romântica.
Lancaster, cidade de onde saiu a nossa Rainha Filipa de Lencastre.
O maior lago tem 2 Kms de largura, Windermere, que vai de Ambleside a Bowness. Proibido pescar e há um serviço de barcos óptimo, bem aprazível, apesar da chuva.
Hoje estou em Londres, com muita chuva.
Começo a perder a paciência com os empregados dos hotéis e restaurantes. Muito maus, por aqui. O nosso turismo trabalha muito melhor.

Apontamentos & Desapontamentos: Viajando por Cuba

cuba
Apesar do desapontamento (que se seguiu ao fascínio), quando em 1962, na sequência da chamada «crise dos mísseis», para se proteger dos Estados Unidos, Cuba foi forçada a transformar-se num satélite da União Soviética, aqueles primeiros três anos da Revolução Cubana, tal como os 18 meses da nossa Revolução dos Cravos, foi algo que marcou os jovens daquela época. Não escapei à regra. Ouvir o verbo emocionado e emocionante de Fidel, lendo na Praça da Revolução, as declarações de Havana, particularmente a segunda, era arrepiante. Daí este apontamento.
Embora as minhas ilusões sobre a Revolução Cubana há muito tivessem morrido, era um projecto meu visitar Cuba, como quem revisita a juventude e algumas das ilusões perdidas (porque há outras que nunca se perdem e é isso que nos mantém vivos). Há poucos anos atrás, com a minha mulher e um casal amigo, metemos mãos à obra. As agências só ofereciam pacotes inaceitáveis – três dias em Havana e quatro em Varadero. Mas nós íamos lá fazer uma viagem de tantas horas, atravessar o Atlântico para ir à praia, com a Caparica, as praias da linha ou o Algarve aqui tão perto? Lá descobrimos uma alternativa aos pacotes usuais. Uma boa alternativa que agora vejo que já está mais divulgada. Um carro de aluguer à nossa espera no aeroporto de Havana, hotéis reservados por um itinerário escolhido por nós, a começar e a acabar na capital – Havana, Matanzas, Cienfuegos, Sancti Spíritus, Camagüey, Ciego de Ávila, Santiago de Cuba, Trinidad, Santa Clara, Havana… Tudo por um preço razoável, pouco acima do que custavam os tais pacotes usuais. Durante duas semanas percorremos quase quatro mil quilómetros, vimos o que queríamos, sem guias turísticos a incomodar-nos. E lá fomos à Baía dos Porcos, ao Quartel de Moncada, à Sierra Maestra, ao museu da Revolução, a todos os lugares de culto. Visitámos Havana em pormenor, fomos aos locais frequentados por Hemingway, e até almoçámos em Varadero. Varadero é um local de veraneio, sem nada de especial (a não ser o mar maravilhoso das Caraíbas) – Hotéis, edifícios de apartamentos, etc. Nada, nesse aspecto, que Vilamoura ou Torre Molinos não tenham – tal como pensávamos, não se justifica ir tão longe. Mas o nosso itinerário foi uma maravilha.
*
Falámos com muita gente. Pudemos verificar que, apesar de algum medo à repressão (que inegavelmente existe), as pessoas falaram connosco com à-vontade. Encontrámos mais descontentes nas grandes cidades, Havana e Santiago, principalmente. De facto, as condições de vida são constrangedoras. Racionamento dos bens mais elementares – lâminas de barbear, pensos higiénicos, géneros de primeira necessidade, arroz, ovos, leite, tudo é racionado. As casas de Havana, algumas lindíssimas, estão em ruínas. O turismo é uma das saídas. Cozinha-se em casa para os turistas. São os chamados «paladares», alternativas aos restaurantes. Combina-se previamente, escolhe-se a ementa e à hora combinada lá temos a mesa posta e anfitriões dispostos a deixar-nos sós ou a conversarem connosco, como preferirmos. Pelas ruas andam pessoas das mais diversas idades a cooptar clientes para os paladares. Em Ciego de Ávila um professor universitário de avançada idade andava nesta tarefa, recitando de memória poemas de Nicolás Guillén. Para não falar da prostituição, mais ou menos encoberta, que pessoas normalíssimas, qualificadas, quase todas com cursos superiores, se vêem obrigadas a praticar para completar ordenados baixíssimos. A prostituição em Cuba é, de uma maneira geral, uma forma desesperada de sobrevivência
Nos campos, sobretudo em granjas colectivas, encontrámos mais adeptos do regime, gente saudando-se de punho cerrado. Também é verdade que nos campos a vida não é tão difícil, pois os bens alimentares essenciais são ali criados e, portanto, escasseiam menos. Porém, numa coisa todos estão irmanados, fidelistas, antifidelistas: no ódio ao ianque. Mesmo os opositores ao regime, têm consciência de que sem o bloqueio norte-americano, o povo não sofreria tanto.
É evidente que o bloqueio tem perpetuado a ditadura e impedido o advento da democracia. Toda a gente sabe isso. Só a CIA e a Casa Branca se obstinam em não o reconhecer. E Obama, que parece ser mais inteligente do que a generalidade dos antecessores, poderá, mesmo que queira, contrariar a CIA e os falcões do Pentágono?

«Vamos bien» diz cartaz. Não. Não vão nada bem. Vão até bastante mal. Em todo o caso, vão sobrevivendo, o que só por si já constitui um milagre.