No Meu Bule Não

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Admirável Mundo Novo: redes sociais

Miguel Sousa Tavares tem uma visão apocalíptica dos blogues e das redes sociais, especialmente do Facebook, por ele considerado “a maior ameaça do séc. XXI”. Eu, por mim, confesso que há outras coisas de que tenho mais medo e que considero ameaças maiores. Apesar disso, não deixo de olhar com repugnância – e até preocupação, admito – algumas redes sociais que vão aparecendo e conquistando cada vez mais aderentes e seguidores.

Se algumas seguem uma “filosofia” meramente exibicionista e voyeurista, como, por exemplo, o Dailyboot.com, onde os membros publicam fotografias suas com legendas do género “isto sou eu a comer um bife” ou “isto sou eu a ver televisão”, ou o Failin.gs.com onde os aderentes se expõem às críticas anónimas de terceiros com base no mote “veja aqui o que ninguém teve a coragem de lhe dizer antes”, outras são a encarnação do pesadelo orwelliano levado a extremos de estupidez e exposição. E, pior ainda, voluntariamente.

Veja-se o Blippy.com, cuja pergunta-base é “O que estão a comprar os teus amigos?”. Nesta rede os membros registam o seu cartão de crédito e todas as compras efectuadas são tornadas públicas acompanhadas da informação “O Manuel acaba de comprar uns sapatos de x dólares no sítio y“. Os amigos podem depois comentar, perguntar a cor dos sapatos, se são confortáveis, gostar ou não gostar, etc.

Outra rede, o Foursquare.com, funciona com recurso a telemóveis de última geração e, após registo e descarga de uma aplicação, permite que terceiros saibam onde o utilizador se encontra. Quantas mais vezes este acionar o mecanismo de localização, mais vai subindo na “hierarquia” da rede até ganhar o estatuto de super-utilizador.

Existem outras redes do mesmo estilo, mas acho que basta para exemplificar. E, se não concordo com a visão apocalíptica de MST, tenho que concordar com ele em alguns pontos: eu também odeio a devassa, também odeio que invadam a minha privacidade e, de uma vez por todas, quero lá saber dos sapatos do Manuel ou onde está a Maria, a menos que eu me queira encontrar com ela. Mas para isso, já que a coisa funciona por telemóvel, basta-me dar-lhe uma apitadela.

A barrela: Miguel Sousa Tavares lava mais branco

Quem viu os «Sinais de Fogo» desta semana, no qual foi entrevistado Gonçalo Amaral, não pode ter deixado de ficar surpreendido com a súbita transformação de Miguel Sousa Tavares. O jornalista voltou a ser o «animal feroz» a que nos habituou ao longo dos anos. Rude, directo, roçando por vezes a falta de educação, nomeadamente quando não deixa os seus convidados falar.
No entanto, uma semana antes, ao receber o primeiro-ministro, Miguel Sousa Tavares foi de uma candura a que não estávamos habituados. Calmo, simpático, educado, ofereceu a José Sócrates mais 60 minutos de publicidade e ouviu, sem pestanejar nem questionar, as patranhas do costume.
Algo vai mal no país, muito mal, quando pessoas que desde sempre foram independentes se tornam de repente os maiores defensores do Governo ou, pura e simplesmente, deixam de emitir as suas críticas de sempre. Falo de Miguel Sousa Tavares, mas falo também de Marinho e Pinto, por exemplo.
Nos «Sinais de Fogo» desta semana, Miguel Sousa Tavares trucidou Gonçalo Amaral. Na semana passada, foi o que se viu. Mais uma barrela. MST lava mais branco.

No Teu Deserto

“Na verdade, o deserto não existe: se tudo à sua volta deixa de existir e de ter sentido, só resta o nada. E o nada é o nada: conforme se olha, é a ausência de tudo, ou, pelo contrário, o absoluto. Não há cidades, não há mar, não há rios, não há sequer árvores ou animais. Não há música, nem ruído, nem som algum, excepto o do vento de areia quando se vai levantando aos poucos – e esse é assustador. Será assim a morte, também, Cláudia?”

no teu deserto

No Teu Deserto, o quase romance de Miguel Sousa Tavares.

Já passava da meia-noite quando, hoje, o comecei a ler. Foi sem parar, até ao último paragrafo, derradeira linha, definitiva palavra. Nem sei que horas eram quando desliguei a luz e comecei a dormir. O deserto do Miguel e da Cláudia prenderam-me com toda a força, colaram-se como uma lapa da praia das Caxinas às minhas mãos e ao meu cérebro. Só quem conhece o Sahara (ou julga conhecê-lo pois nem mesmo os senhores do deserto, os Tuaregues, o conhecem) pode compreender o fascínio desta obra. O Sahara entrou na minha vida no ano 2000 e ainda hoje suspiro por a ele regressar. Está prometido para 2010. Ainda falta tanto, tanto tempo…

Na capa escreveram que “No Teu Deserto” é um “quase romance”. Não discuto. Pois que seja. Para mim é um livro belo, com uma história fabulosa e um hino ao “nosso” deserto. Procurando fugir aos habituais clichés sobre o deserto, o amor e a sociedade moderna, Miguel Sousa Tavares escreveu uma obra magnífica e que retrata, não sei se intencionalmente, a forma como hoje vivemos, à velocidade da viagem entre Algeciras e Alicante, sempre nos limites e sem olhar para trás. Sempre no fio da navalha.

Claro que eu sou suspeito, eu gosto do Miguel Sousa Tavares, mesmo quando não concordo com ele. O seu “Sul” é um dos meus livros preferidos, a sua “Grande Reportagem” é uma eterna saudade, o seu “Equador” um marco. Mas, “No Teu Deserto”, é uma obra de uma beleza comovente e que nos faz voar. Dei por mim a recordar Abril de 2000 e como fiquei aprisionado ao Deserto, como suspiro pelo meu “cimbalino berbere” de menta que tanto tento replicar em casa sem o conseguir – faltam-me as folhas de menta mal lavadas e as mãos sujas com unhas indescritivelmente pretas daquele estranho no meio do nada.

“Hoje já ninguém vai ao nosso deserto, Cláudia (…) A razão principal é que já não há muita gente que tenha tempo a perder com o deserto. Não sabem para que serve e, quando me perguntam o que há lá e eu respondo ´nada`, eles riscam mentalmente essa viagem dos seus projectos. Viajam antes em massa para onde toda a gente vai e todos se encontram”.

Eu vou, antes, irei novamente, meu caro Miguel e espero conseguir ver a estrela de Cláudia, lá bem no cimo, ao lado de outras estrelas da saudade.