CUIDADO COM OS REMÉDIOS (3)

CUIDADO COM OS REMÉDIOS (3)

A constante pressão sobre os médicos, por parte dos próprios doentes, e das estonteantes aliciações pseudo-científicas, cria uma tendência e mesmo uma obrigação crescentes de polimedicar e prolongar excessivamente os tratamentos, sem qualquer respeito pela própria dignidade profissional nem pelo cumprimento das regras básicas da farmacologia clínica. Não se têm muitas vezes em linha de conta as alterações farmacocinéticas e farmacodinâmicas próprias do idoso, bem como os seus processos patológicos múltiplos e complexos. Num dos poucos estudos efectuados chegou-se à conclusão de que a iatrogenia medicamentosa era uma importante causa de internamento dos doentes idosos, constituindo uma realidade no dia-a-dia da enfermaria (25%). Um outro estudo recente revelou que um quarto dos americanos com mais de 65 anos toma, por receita médica, medicamentos que nunca lhes deveriam ter sido prescritos. Um simples comprimido pode causar amnésias, confusão mental, desequilíbrios, desmaios, síncopes, hipotensões graves. Um tratamento, ainda que curto, pode ocasionar fadiga, insónias, tosse rebelde, reacções alérgicas difíceis de diagnosticar, vómitos, diarreias, dispepsias duradoiras, lesões tóxicas do rim e do fígado, graves anomalias sanguíneas. Um tratamento mais prolongado, além das consequências atrás descritas, pode originar intoxicações (traduzidas por mal-estar geral, perda de apetite e de forças, náuseas e vómitos), perturbações respiratórias, arritmias ameaçadoras da vida e perigosos bloqueios cardíacos, bem como graves situações de falência cardíaca. Nós médicos, e mesmo os doentes, muitas vezes chegamos ao cúmulo de considerar que os próprios efeitos secundários dos remédios e as suas acções nocivas são sintomas próprios da idade, e zás de aumentar as doses e receitar novas drogas, agravando drasticamente a situação. Tentar apagar o fogo com a própria gasolina.
Apesar de tudo isto, a maneira mais vulgar de terminar uma consulta é passar uma receita. Por vezes, toda a consulta se resume a uma receita. O tempo e a atenção há muito que foram substituídos pelos remédios.
Vale mais não tratar do que tratar mal. Quantas vezes eu prescrevo, com prudência e até algum receio, drogas que vejo receitadas a torto e a direito por dá cá aquela palha. A minha acção, numa boa parte dos pacientes, resume-se a desaconselhar os medicamentos que eles ingerem e que muitas vezes transportam em sacos. A experiência, grande apoio da minha consciência, tem demonstrado que essa é a atitude mais correcta.

          (adao cruz)

(adao cruz)

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