Os Mercados

Nos dias que correm toda a gente fala numa coisa a que chamam “mercados”. Ninguém se dá ao trabalho de clarificar o que vem a ser isso dos mercados e parece-me que a maior parte dos “comentaristas” que falam nos nossos media não fazem a mais pequena ideia do que estão a dizer.

Há inclusive teorias de conspiração a circular que apresentam ideias mirabolantes para tentar explicar a situação em que estamos, sem apresentarem o mínimo resquício de prova do que estão a dizer. Por exemplo acabei de ouvir na televisão (SIC Notícias), numa tentativa muito débil de explicação, os seguintes argumentos:

  1. Estamos a ser vítimas de um ataque concertado pelos “mercados internacionais” (outro que defende este ponto de vista: Alegre critica silêncio de Cavaco sobre agitação dos mercados);
  2. Há outros problemas com indicadores tão maus como os de Portugal que não estão a ser tão castigados como nós;
  3. Há algo que não bate certo quando o BCE empresta a 1% aos bancos e estes por sua vez emprestam a 7% a Portugal (este último argumento nem se qualifica como tal). – (Ideia também repetida aqui: Louçã culpa bancos nacionais pela subida dos juros da dívida portuguesa)

Pegando nestes argumentos um por um:

  1. Se os mercados estão a ser manipulados, então há provas disso. Apresentem-se essas provas. O comportamento dos mercados é modelado pelas pessoas que o compõem (ou pelos que concebem os algoritmos de trading) e estas respondem exactamente aos mesmos incentivos que as outras pessoas, dinheiro, reconhecimento dos pares, etc. Se houver dinheiro para ganhar, mesmo que para isso alguém tenha de passar fome, esse dinheiro vai ser ganho e não é necessário haver nenhuma conspiração para que isso aconteça.
  2. O segundo argumento é igualmente fraco, Portugal é um país em franco declínio económico, nos últimos 30 anos pelo menos (eu por vezes dou comigo a pensar que é desde 1143). Temos um crescimento anémico que consistentemente não ultrapassa as margens de erro de cálculo dos diversos rácios, destruímos a nossa industria produtiva, vivemos permanentemente em défice – privado e público – temos uma classe política desacreditada, trapalhona, pouco profissional, corrupta, etc. (Abordamos regularmente aqui no Aventar todos estes problemas.) Digamos que não estamos a projectar uma imagem muito reconfortante. A recta de tendência no gráfico seguinte ilustra o que estou a tentar dizer de forma eloquente:
    Taxa de Crescimento do PIB
  3. Finalmente o terceiro argumento nem faz grande sentido. É claro que não nutro qualquer simpatia pelos nossos bancos, (ao fim e ao cabo são contribuintes líquidos para a situação caótica em que nos encontramos). Mas por pouco ético que seja o comportamento dos bancos, estes estão a actuar perfeitamente dentro da lei. Além disso, se a procura fosse assim tanta o preço do dinheiro ia baixar, não subir.

Convém perceber que esta coisa dos mercados internacionais não são entidades impenetráveis e funcionam de uma forma não muito diferente doutro mercado qualquer.

Só estamos a comprar dinheiro caro porque as politicas seguidas ao longo dos anos fazem com que não consigamos viver sem ter de pedir emprestado. Somos obrigados a isto pelos erros grosseiros e cegos cometidos ao longo de décadas. Se quisermos encontrar os verdadeiros responsáveis por isto é fácil, somos nós mesmos. Se não pedirmos emprestado, não nos obrigam a pagar o juro.

Na minha opinião a pergunta legítima que se pode fazer nesta altura é porque motivo só agora isto deu para o torto e não, por exemplo, há 5 anos (mantendo-se internamente tudo igual em relação à nossa extrema incompetência para conduzir os assuntos do país). Esta questão, julgo eu, leva-nos às complexidades das várias crises internacionais que se têm formado umas atrás das outras, isso vai ser assunto para discutir durante as próximas décadas!

Comments

  1. Arminda says:

    Mercados, é a nova designação para Penhoristas, Prestamistas, Agiotas.
    Portugal está no Prego!!!

  2. Sim, Portugal está no prego, mas os únicos culpados somos nós. Não vale a pena falar nos monstros maus, chamemos-lhes mercados, agiotas ou outra coisa qualquer. Isso é consumir energias desnecessariamente e chega ser odioso na medida em que continuamos a enganar os portugueses quanto às verdadeiras causas de todas estas complicações – talvez para manter este estado podre de coisas?

  3. Exacto Helder: é fácil dizer que os malvados especuladores coisa e tal, mas o facto é que chegado o momento da eleição, vêem-se as escolhas que os eleitores fazem.

    Ou em adágios populares:
    Quem anda à chuva, molha-se. Quem não deve, não teme. Ou ainda, quem pede fiado, paga dobrado.

  4. Ricardo Santos Pinto says:

    É engraçado que os Bancos são os responsáveis pela actual crise, mas aos Bancos não são pedidos sacrifícios. Mais: os Bancos portugueses vão buscar dinheiro ao BCE a 1% e emprestam ao Estado português a 7%. E como agradecimento, têm os benefícios fiscais vergonhosos que se conhecem.

  5. Bem, tenho uma leitura um pouco ao lado, Ricardo. Diria que os bancos são os veículos da crise. Mas a culpa é de quem se endividou, em co-responsabilidade com os que permitiram que economias como as orientais concorressem directamente com as nossas mas sem que tivessem que se reger pelas mesmas regras das nossas. À conta destes negócios da China (literalmente também), tem havido muita gente a enriquecer. Gente com capacidade de lobbying e de fazer aprovar legislação. E não creio que esteja a ir por teorias da conspiração, se não vejamos: por exemplo, como foi possível aprovar aquelas cotas de importações de texteis (que nem foram respeitadas!) e que levaram ao desaparecimeto de tanta indústria entre nós e no resto da Europa?

  6. Ricardo, não considero que os bancos sejam “pessoas” de bem, pelo menos não têm actuado como tal. Digo isto por muitos motivos, por exemplo os bancos não têm cumprido o dever de financiarem o crescimento do país, em vez disso têm financiado actividades puramente especulativas (vide a situação no imobiliário, ou nos mercados financeiros). Além disto imiscuem-se na política proferindo opiniões e fazendo criticas como se tivessem um pingo de legitimidade ou simples mérito para o fazer.

    Apesar disto temos de ter cuidado quando falamos dos “lucros fabulosos”. Estes lucros são quase sempre artifícios contabilísticos. É minha firme convicção que se os activos dos bancos fossem avaliados a preços de mercado estes estariam todos falidos. Há muitos sintomas que apontam nesta direcção, vejam por exemplo os dividendos risíveis pagos pelos nossos bancos, considerem o envolvimento destes no financiamento de um milhão de casas vazias (que estão avaliadas por muitos e muitos milhões mas que não têm compradores), etc.

  7. Jose Jorge Cameira says:

    Todos falam, falam…mas na hora x lá vai a CAMBADA votar no PS, no PSD ou no CDS! E eu tenho que gramar as consequencias disso! Já estou farto desses cidadaos que fazem destas merdas! Fazem manifs, eu vou também, mas o que vejo? Um bando de ovelhas mansas, cantando uns, rindo outros e os moirais lá na frente mantendo a ordem ! Vão-se foder, seus metralhas!

  8. A. Pedro says:

    Jorge #5 e Helder,
    Há dias ouvi dizer que devo 12.000 euros, tal como cada um dos meus filhos, como tu, como cada português. Cá em casa devemos 48.000€ (isso a nºs de alguns dias, agora já é mais). Ora, eu não compro a crédito, não passo férias a crédito, não pedi empréstimos a nenhum banco. Imagino que não seja o único português nessa situação e com esta atitude.
    Do meu ponto de vista, os lobbys e os bancos partilham habitualmente interesses comuns, para não dizer que os bancos são, eles próprios, grandes lobbys e fontes de lobbyng. Os bancos (e não só, claro) também cabem nesta citação do teu comentário: “tem havido muita gente a enriquecer. Gente com capacidade de lobbying e de fazer aprovar legislação”.
    A situação actual deve-se a muitos factores, dos quais os cidadãos comuns não estão completamente isentos, mas calma aí: os bancos fizeram e fazem muito por isso.
    Helder: Se os bancos (eu sei que o teu texto vai mais além, mas falemos de bancos, que é o sentido geral dos comentários) querem benesses não deveria ser lícito comportarem-se como salteadores. Se se financiam a 1% e vendem a sete a um estado, não deviam ter direitos especiais da parte desse estado, deviam ser tratados como se trata qualquer negociante com grande margem de lucro.
    Se os “lucros fabulosos” são artifícios contabilísticos, fossem taxados devidamente e não recorriam a essa “inflação”. Além disso, se têm no seu activo património desvalorizado, achas que os bancos estão isentos de culpas e de responsabilidades na “bolha imobiliária”, no recurso ao crédito para tudo e mais alguma coisa, na oferta de crédito fácil, etc.?
    Quanto ao texto
    “Se os mercados estão a ser manipulados, então há provas disso. Apresentem-se essas provas.”
    Não vou aqui valar do Sr. Soros, nem do Banco Ambrosiano, nem do BPN, mas vou dizer que os mercados são, por definição, manipulação. Sem manipulação (no sentido de fabricação de espectativas – positivas ou negativas) não haveria sequer mercados.
    Quanto ao ponto 2.2, inteiramente de acordo.
    Ao três, penso ter já respondido.

  9. P/ A. Pedro:

    Dizes: Há dias ouvi dizer que devo 12.000 euros

    Entendes sem dúvida que esse valor é a dívida externa calculada por pessoa, ou seja mal ou bem isso foi usado para aquilo comprar aquilo que os portugueses quiseram (ou pelo menos aquilo que os governos, eleitos pelos portugueses, quiseram) – não tem a ver com o teu conservadorismo financeiro.

    Eu sei que é um bocado capcioso dizer isto, mas mesmo assim acredito firmemente que as pessoas têm de saber em quem votam, se votam mal então concordo com o comentário #7! Não há bodes expiatórios.

    Dizes: Se os bancos […] querem benesses não deveria ser lícito comportarem-se como salteadores.

    Concordo a 100%, é um dos erros que este governo e os governos mundiais estão a cometer é exactamente tentar salvar bancos que estão para lá de qq salvação. Os bancos insolventes deveriam ter ido à falência e é tudo. É óbvio que não é ético fazer este tipo de negócios (pedir no BCE para comprar títulos ou commodities em vez de sustentarem a economia “real”) mas não só é legal, como é sancionado pelos governos e a meu ver um bocado assessório para esta discussão.

    Julgo que é desviar a atenção do importante encontrar desculpas para a crise nos banqueiros malvados, nos lobys e no rebanho de boys que por ai andam – julgo que tudo isto são excrescências do sistema corrupto que temos em Portugal. Nota que se falarmos na crise mundial já o caso muda de figura.

    Dizes: Não vou aqui valar do Sr. Soros, nem do Banco Ambrosiano, nem do BPN

    Não disse que nunca houve manipulação de alguns mercados (se bem que dos exemplos que dás só se pode considerar manipulação o golpe dado pelo Sr. Soros, os outros casos são casos de policia).

    O que eu quero dizer é que tendo em conta os indicadores do país e conhecendo os incentivos a que respondem os “bond traders” não é necessária uma conspiração para explicar o valor das taxas de juro. Só isso.

    Já agora, para que não restem dúvidas, considero que a protecção que os bancos recebem dos governos é nojenta. É certo que o sistema financeiro necessita de uma grande reforma, mas não é esse o tema deste post…

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