Simples informação

Mera informação aos amigos do Aventar

 Tenho vários livros contendo poemas, mas livros propriamente de poesia tenho dois, ou melhor, quatro, dado que o segundo é um conjunto de três pequenos volumes, com os subtítulos “Poemas do lusco-fusco”, “Poemas de ser e não ser” e “Poemas estoricônticos”. O primeiro livro intitula-se “Esta água que aqui vem dar” e foi editado em 1993, com a prestimosa ajuda do meu amigo Eugénio de Andrade. O segundo tem o título “Nova ponte sobre um velho rio” e é de 2006.

 Estou a preparar um novo livro a que darei o título “Vai o rio no estuário”, com subtítulo “versos de braços abertos”. Neste livro, procurarei dar a poemas novos e a antigos que eu resolver reformular, uma nova forma, em que os versos se abrem e se espraiam como os braços de um estuário, tal como em criança eu abria os braços de par em par, quando chegava ao fim da corrida. Porei de lado o velho conceito de estrofes e a sua classificação quanto ao agrupamento de versos, versos que não submeterei a metrificações, encadeamentos e rimas previamente concebidos em esquemas. Uma espécie de versos livres, versos ao calhas, ao sabor do vento suave que afaga as águas de um estuário.

 Procurarei fazer com que os poemas que doravante o Aventar fará o favor de publicar (deixo aqui lugar a uma ou outra excepção) obedeçam a este princípio. Tudo isto porque há muito me sinto um tanto enjoado com a poesia que por aí se faz e se consome. Talvez porque, embora tarde, comece a ter consciência das margens apertadas do meu rio e a sentir a atracção da liberdade de abrir os braços no fim da corrida.

 Darei aqui um exemplo do que pretendo tentar fazer:

 Meu amigo Dostoievsky

 Meu amigo Dostoievsky nada temos a ver aparentemente um com o outro a não ser o nosso encontro pelos meus dezoito anos.

 Apetece-me chorar ao recordar pelos meus verdes anos as noites em que á luz de um foco olho de boi debaixo dos lençóis para que minha mãe não visse eu invadia os teus livros numa das maiores e mais deliciosas aventuras da minha vida.

 Ainda hoje me são familiares o rosto de Sónia e a figura de Raskolnikov luz mítica e mística dos que têm coisas em comum orientando-se na direcção do símbolo e do mundo sem forma.

 Da mesma forma que te marcaram Balzac Schiller Victor Hugo e Goethe tu imprimiste em mim a sensação que te fez desmaiar perante a beleza de Seniavina na casa dos Wielgorsky e eu não sou homossexual meu caro Dostoievsky.

 Perante a beleza eu não sei ao certo onde pára o sexo se no esperma de Úrano derramado no mar se na poesia da Morte em Veneza.

 Não é a realidade física que interessa ao simbólico mas o significado do sexo na imaginação. A dualidade do ser funde-se na tensão interna de quem ama e a união sexual não é mais do que o apaziguamento da tensão interior.

 Nunca te concebi humano sobretudo depois dessa manhã de rosto de pedra e gelo em que viveste o mais trágico minuto da tua vida. Um vento glacial varreu-me a fronte ao ouvir o teu nome na chamada para a morte: -Akcharumov! Shaposhnikov! Dostoievsky!

 Hoje depois de ter amado tanto aceito a tua epilepsia como o estigma mais marcante da pureza da dor da condição humana e passei a considerar-te meu irmão para o resto da vida.

 Por isso me senti prisioneiro quando entrei na fortaleza de S.Pedro e S. Paulo e por isso chorei na Praça Semenovsky onde viveste uma vida inteira em dois minutos de morte. Era como se fosse eu o condenado!

 Também chorei quando reencontraste Suslova apenas pelo que sofreste ao ver que o amor não se repete.

 A noite e o vazio estão na origem cosmológica do mundo e o amor é uma criança que cresce…e deixa de ser criança.

 Amor e morte quando descobertos acordam e fogem.

 Para escrever é preciso sofrer muito disseste um dia ao jovem Merejkovsky quando a vida confundia as chamas do teu inferno com relâmpagos de visionário.

 Sofrer pode ser apenas sorrir…frente a toda a utopia palpável não paranóica nem delirante.

 Foi a mim que o disseste meu caro amigo foi a mim que o disseste na tarde cinzenta da tua morte na hora da hemorragia que te vitimou.

 Até hoje ainda não te agradeci.

 Perdoa não te ter acompanhado mas nessa altura eu não existia…ou será que ainda hoje te acompanho neste pesado e obscuro caminho do fim?

Comments

  1. graça dias says:

    “Simples informação” ? – ou Publicidade ? – ou enaltecimento? …

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