Partir bibelots [Textos sobre música portuguesa II]

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Quando B Fachada apareceu, alguns tomaram-no por um rapper – falando dos que ainda não o tinham ouvido, mas apenas aos aplausos de quem já o conhecia e se limitava a dizer que as suas letras eram “bestiais”. Lá vem mais um rapper, pensaram, um rapper intelectual, deduziram esses que tomaram “as letras bestiais” do talento então emergente por coisas do hip-hop, como se apenas nessa poesia as palavras da música pudessem ter grandeza contemporânea. B Fachada, cantautor (autor, portanto, do que canta), interpreta os poemas que escreve, acompanhando-se, com desarmante singeleza e economia de meios, à guitarra ou ao piano. Canções que são sobre tudo – mas que narram sobretudo as nossas vidas humanas portuguesas: os seus vários dilemas morais, as suas mariquices e pirosadas (as suas pieguices, diria Passos Coelho), os problemas conjugais e familiares, gente que se apaixona e engravida e se separa e depois disputa entre si aqueles discos históricos do Sérgio Godinho que se podem ouvir pelos finais de tarde, as manhãs horrorosas de quem dormiu mal: a vida, em suma. Cronista do nosso mal-estar nacional, B Fachada cintila no crespúsculo do nosso passado inteiro, no limiar de uma modernidade que tarda em Portugal, na perplexidade de tudo isso.

Habilidoso investigador, não renega os seus pais espirituais (Sérgio Godinho é um deles, sem dúvida), de quem diz roubar as canções para melhor compreendê-las – e também a honestidade com que o faz e diz que faz desarma, mesmo se há quem teime em acusá-lo de ser um “assassino das canções dos outros” (!), naquela que é também uma característica nacional: encontrar sempre uma razão ilegal e/ou imoral para a recriação, como se toda ela não nascesse de pré-existências. Talvez por isso B Fachada faça questão de afirmar que não é um intérprete – e assim sabemos ao que vamos, apesar de Fachada tirar as suas canções (e as de outros) dos lugares sagrados onde costumam estar, partindo esses bibelots (mesmo se muito belos) dos nossos pais e avós, como vidro feito em fanicos destinados à transformação. Sem medo, como antigamente os portugueses de tudo e mais alguma coisa, pois B Fachada nasceu em 1984, e assim sendo as suas canções são já de uma outra “intervenção”, de uma outra História, por sinal (e ainda bem) diferente daquela da canção autoral portuguesa que só o 25 de Abril tornou livre. Diferença que não impediu a «mesmidade» do seu satírico Deus, pátria e família – para falar da trindade eterna que o cantautor disseca na sua imobilidade, empenhado em  «descastrar-nos» a todos, e malgrado os inimigos que tem feito: os que não se dispõem a ver-se no espelho de ver diminuídos (i.e., castrados) de Fachada.

Carta de demissão…

carta-de-demissao

… acompanhada de manual de empatanço.

Em roda livre

Duke Special Freewheel

O que é que se pode escrever sobre esta semana que passou, mais uma, no palácio da loucura? Que a vergonha desapareceu por completo da cara dos políticos que se apossaram de Portugal e da Europa. Na Grécia privatizam-se praias, edifícios, tudo o que possa render uns tostões que paguem o dízimo à banca. Antecâmara da nossa realidade, lá chegaremos em breve. Pelo caminho, suspira-se para a comunicação social um esquema para autarcas e governo se financiarem pelo fornecimento de escolas com menos professores do que os “necessários”.

O BES continua a afundar-se e a ameaçar levar-nos ao fundo com ele, sem que mais uma promiscuidade entre banca e governo perturbe o presidente dos artificiais consensos. Deu, no entanto, origem a uma declaração, daquelas com a voz colocada em falsete, cheia de indignação devido  aos nomes escolhidos para esse banco estarem “todos associados à actual maioria política“. Depreende-se que esse banco ter nomeado um ministro da economia já será aceitável.

Quanto  à guerra do trono, depois do truque dos cartazes, digno de uma RGA, vêm a lume, no tempo certo, os negócios feitos na (ante)câmara de acesso ao governo, com as suas contas tão pouco transparentes como as de tudo o que é Estado hoje em dia.

A parte deveras perturbadora é, novamente, se constatar que um louco pode tomar o poder e meter um país de pantanas sem ser travado. A banca nomeia políticos, os políticos nomeiam-se para a banca e, enquanto cumprem o tempo de serviço obrigatório no governo, vão fazendo leis que alimentam este binómio. A bancocracia, que com a partidocracia faz a outra face da mesma moeda, é absoluta.

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«Os Dias Cantados» e «A Cena do Ódio»

brilham na rádio pública lembrando os mais distraídos que é na rádio que estão alguns dos melhores textos: sobre a música que o 25 de Abril libertou e sobre os piores sentimentos que inspiraram as melhores canções.