Acabou a corrupção em Portugal

corrução

Excerto de O Economista Português

Sim, sim, já se sabe que o chamado acordo ortográfico (AO90) não prescreve a eliminação de consoantes articuladas, ou seja, as que se pronunciam (e até admite que umas consoantes possam ser articuladas ou não e, portanto, escritas ou não). É verdade que, com o AO90, por exemplo, facto deverá continuar a escrever-se facto, pelo menos no caso das pessoas que pronunciam o C, o que corresponde à maioria dos portugueses, sendo de ressalvar, talvez, os que pronunciam “atorze” quando querem indicar o dobro de sete.

Não é menos verdade, no entanto, que, apesar de tudo isso, há uma epidemia de quedas indevidas de consoantes, o que torna possível ler garrafais “contatos” em cartazes e descobrir frequentes questões “de fato” no Diário da República, para não falar em “patos de silêncio” ou em “patos com o diabo”, vade retro.

Já tive ocasião de afirmar, várias vezes, que estes factos não se devem, exclusivamente, à aplicação do AO90, mas só quem for distraído ou desonesto é que pode afirmar que o mesmo AO90 não veio contribuir para a criação de erros anteriormente inexistentes ou, no máximo, residuais.

Não há só más notícias, no entanto. Se é certo que o AO90 contribui para a erosão da ortografia, podemos acreditar, tendo em conta a imagem, que a “corrupção”, em Portugal, tem os dias contados. Não me admiraria que um advogado mais expedito conseguisse provar que um crime prescreve porque a palavra já não se escreve.

Comments

  1. mariana says:

    Sp fui contra o AO… ñ tem sentido, confunde e provoca a dita erosão numa língua que infelizmente nem todos os seus falantes naturais dominam. Mtas vezes há quem se escude, de uma forma aberrante, quase obscena, com o presente e famigerado AO.
    Fico siderada.
    Poderei, pelo bom senso que li neste artigo, cantar Aleluia?

  2. Pedro Barros says:

    Camões escreveu “corruto”. A palavra “corrupto”, em Português, só apareceu por pedantismo de gente bacoca nos finais do século 16. E como em todos os tempos há gente bacoca, os bacocos de hoje são os desacordistas.

    Só quem for distraído ou desonesto é que pode afirmar que o AO90 provoca erros quando o que nunca faltou em Portugal foram erros de ortografia.

    • António Fernando Nabais says:

      Não sei se Camões escrevia “corruto”, mas sei que na edição de 1572 d’”Os Lusíadas” está a palavra “corrupção”, pelo menos no célebre episódio do Consílio dos Deuses. No fundo, Camões era um desses bacocos que estudaram latim, o mesmo latim que tinha o verbo “corrumpo” cujo particípio passado era “corruptus”.
      Segundo o Pedro, deveremos escolher a ortografia com base na oposição “bacoco/não bacoco”, o que poderia originar entradas de dicionário engraçadas. Assim, apesar de os dicionários indicarem, mesmo com AO90, que se deve escrever “corrupção”, o Pedro defende que escrevamos “corrução”, porque a primeira é “bacoca” e porque Camões escrevia “corruto” (já agora, ó Pedro, não lhe parece que deveríamos escrever, por exemplo, “he” em vez de “é”, já que a primeira forma é usada por Camões?)
      Vamos imaginar que só um pedantismo insuportável esteve na origem das propostas ortográficas de alguns bacocos quinhentistas. Ainda assim, não caíram na asneira de acreditar que a ortografia pode ser transcrição fonética, erro cometido pelo Verney e pelos acordistas actuais.
      No que respeita ao último parágrafo, desafio o Pedro a demonstrar que erros como “fato” ou “contato” não aumentaram exponencialmente depois do AO90. Desafio-o, ainda, a provar que afirmei que não havia erros ortográficos antes do AO90. Distraia-se menos e seja honesto.

      • Sr. Dr. Nabais: Bechara declarou, ainda há bem pouco tempo, perante o senado brasileiro que em Portugal se pronunciava “corruto”.
        E se esse eminente linguísta afirma tal, quem é o Povo Português e o Sr. Dr. Nabais em particular para dizer que se pronuncia o “p” em corruto?
        O “p” de corruto é, de facto, um miserável acrescento supersticioso – na pitoresca linguagem de Viana, tão típica de meados do século XIX – e que alastrou ao francês, ao inglês, ao alemão e ao espanhol (para referirir apenas alugmas liínguas) e nelas se mantém. Viana, nunca explicou – afinal era tão licenciado como Relvas – como é que o “pedantismo de gente bacoca” (Camões incluído) alastrou por essa Europa fora.

      • Pedro Barros says:

        O Nabais não sabe que o Camões escreveu “corruto”? Tem de ir aprender. Pois escreveu, e escreveu ainda umas tantas outras coisas sem vogal etimológica como “antartico”.
        Entre as caraterísticas principais da passagem do latim ao português está a eliminação de sequências consonânticas.
        Quanto ao “contato” e ao “fato”, a única coisa que não se percebe é porque motivo não foram consideradas pelo ILTEC como variantes em Portugal, já que quase toda a gente não prununcia nem escreve aqueles “c”. “ContaCto é uma bacoquice ao nível do “contraCto” e do “distriCto”.

        • António Fernando Nabais says:

          Sim, Pedro, escreveu “corruto” e escreveu “corrupto”, como acontecia com muitos numa época em que a ortografia não estava definida. Também escreveu “aquelle”, “dino” ou “sojugado”, entre muitas outras. Que diz? Vamos imitá-lo ou vamos esperar que o Pedro nos diga em que circunstâncias é que Camões foi ou não bacoco?
          A propósito de “antartico”, o Pedro queria fazer referência a uma consoante e não a uma vogal, presumo. Vá lá que reconhece que essa consoante tem valor etimológico, mas já se sabe que, para si, a etimologia não tem interesse nenhum e, portanto, a ortografia estará tanto mais correcta quanto mais afastada estiver das raízes etimológicas, essa coisa bacoca.
          Na passagem do latim para o português algumas sequências consonânticas desapareceram (como é o caso da simplificação de geminadas), o que não é o mesmo que dizer que a eliminação de sequências consonânticas é uma das características da passagem do português para o latim.
          Em que é o que o Pedro se baseia para afirmar que “quase toda a gente não prununcia [sic] nem escreve aqueles c”? Tem um estudo que demonstre isso ou limita-se a dizer a primeira coisa que lhe vem à cabeça?
          Quando o Pedro escreveu “prununcia”, estava a imitar o Camões? E será que Camões escrevia “porque motivo” em vez de “por que motivo”? Isso das regras, de qualquer modo, é uma coisa bacoca.
          Não siga o exemplo do Relvas: vá estudar.

        • Bic Laranja says:

          Os bacocos conhecem-se também por não saberem números romanos.
          Ano bom!
          Nota: http://biclaranja.blogs.sapo.pt/o-gramatico-e-a-corrupcao-886601

    • Caro Sr. Barros, A gente não pode confiar em Camões. Ensina o Venerável Irmão Verney – partidário da ortografia fonética tão em moda em França há 240 anos – que Camões tinha pouco discernimento poético. Bem sei que, infelizmente, tem-se dado pouca importância aos ensinamentos do Venerável Irmão Verney, e que Camões ainda subsiste na literatura universal. Mas há-de ser por pouco tempo.

  3. sinaizdefumo says:

    Pasmo! ele há acordeonistas que achum qu’a purga de consoantes nun foi suficiente; temo o genocídio consonantal.

  4. sinaizdefumo says:

    “…um crime prescreve porque a palavra já não se escreve.” 🙂 🙂 🙂

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