Voltei do 4º Congresso dos Jornalistas Portugueses de coração cheio, peito aberto, e dores nas costas. Já não tenho 25 anos como naqueles dias de Fevereiro e Março de 1998, quando acontecera o último fui pela última vez a um congresso, já não sou uma privilegiada-dos quadros-de uma empresa de comunicação social, mas – sabe-se lá porquê – continuo a ser jornalista. Ainda me entusiasmo com as histórias dos outros, ainda insisto, ainda resisto. E por isso lá fui três dias para Lisboa, à guarida da Sandra. Levava na mala uma comunicação escrita a 10 mãos, algures entre Leiria e Coimbra, para ler na sexta-feira de manhã, num painel que poderia servir para nomear todo o Congresso: O Estado do Jornalismo. Pelo teor do escrito, também poderia caber naquele outro painel que se chamava”As condições de trabalho dos jornalistas”, já que fala sobretudo do fim das Redacções fora de Lisboa, do abandono do país por parte dos Media, da solidão dos jornalistas-freelancers-precários. Li aquilo de rajada e fui-me sentar outra vez, a ouvir os outros. Chorei muito mais do que ri, durante aqueles dias.
Não me serve de consolo perceber que a maioria dos jornalistas em Portugal está no mesmo barco ou num parecido, eu que vivo num cantinho-sagrado, mas daqueles onde não chega a Casa da Imprensa, cujo presidente aproveitou a sessão de abertura para dizer que “há jornalistas a receber o rendimento social de inserção”. Sabia que não corríamos o risco de transformar aquilo apenas num muro de lamentações, pois que a direcção do Sindicato já planeava moções e propostas que obrigassem o poder político a olhar de frente para o(s) problema(s). E por isso nunca me incomodaram as palmas aos depoimentos, pois que se tornaram numa arma. Prefiro sempre palmas a apupos, se é que me entendem. Ouvi as comunicações tocantes do João Torgal (um das centenas de trabalhadores da RTP conhecidos como CPS’s – contrato de prestação de serviços) da Catarina Gomes, do José Pedro Castanheira, do jovem Ruben Martins – que me emocionou pela solidariedade com as centenas de estagiários maltratados e explorados por toda a parte. Num tempo em que já não nos encontramos uns com os outros, como era desejável, foi muito bom sentir os abraços e os olhares de tantos camaradas, perceber que ainda somos de carne e osso, mesmo quando nos querem fazer crer o contrário.
No sábado havia um painel supostamente dedicado à imprensa regional. Entristeci-me com o facto de haver apenas duas comunicações, embora isso não me surpreendesse de todo: vinha de um roteiro pelo país em que o SJ promoveu encontros com jornalistas, já com o objectivo de recolher contributos para este congresso. E tinha na memória o exemplo de Coimbra, quando as direcções dos dois diários nos impediram de entrar nas Redacções e conversar com os jornalistas. Por contraponto, lembrava-me de Famalicão. Mas sei bem como é este silêncio ensurdecedor, num país onde há tanto por fazer no jornalismo de proximidade. Foi importante ouvir Michael Rezendes, o luso-descendente cuja reportagem venceu o prémio Pulitzer e deu origem ao filme “o caso Spotlight“, para perceber como é que o Boston Globe (um jornal regional…) está tão perto e tão longe de nós. Na sala havia, afinal, muitos jornalistas que trabalham na imprensa regional, onde não há conselhos de Redacção, delegados sindicais, tão-pouco sindicalizados, não raras vezes. Espero que o próximo Congresso – que há-de acontecer no Porto, daqui a dois anos – consiga finalmente acabar com a expressão “jornalismo regional”, num tempo em que é mais fácil ler o que acontece no fim do mundo do que no fim da rua…
Já não participei da votação daquelas dezenas de propostas, porque um congresso de quatro dias torna-se demasiado longo no tempo para quem vive fora da capital,nos dias que correm. E foi à lareira, à distância de 150 km, que assisti pela net à transmissão do último painel – com os patrões. Levei logo com Gonçalo Reis, da RTP, que “não pode contratar gente para os quadros e tem de estar em jogo porque o mundo mudou. As várias administrações foram suprindo as necessidades com prestadores de serviços. (…) [Mas] não aceito que haja discriminação negativa. É uma solução sub-óptima“. Foi esse o murro no estômago na notícia daquele painel. O senhor ainda disse que também lhe faz confusão “que se fale nos precários, mas não se fala nas perdas de emprego. O que realmente é dramático é o desemprego, é o desemprego nos jornalistas”. Vale a pena lembrar este administrador que sair do espeto e meter-se na sertã nunca foi boa opção. E que o desemprego é, tantas vezes, o primeiro degrau para a precariedade. E é para quem quer…
Ao fim de tanta discussão, aprovadas as propostas e moções, o dia seguinte ao congresso amanheceu assim, solarengo, como que a dizer (outra vez) ao jornalismo que estar vivo é mesmo o contrário de estar morto. Ainda pensei em escrever (a propósito) sobre aquele momento em que os directores negaram a existência da precariedade. Foi quando olhei outra vez pela janela e aqueci-me nos raios. Eu sei que é Janeiro e está um frio de rachar. Mas prefiro escolher esse lado, que ainda me aquece os dias. E para o caso de duvidarem, sou real. É por isso que me doem as costas.
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