O quartel do Monte Pedral, o Portuense e os políticos que, dizem, o representam

 

Ernesto Martins Vaz Ribeiro

O Monte Pedral é um dos locais mais ligados à história da cidade do Porto e do País.

Por ali se situaram as defesas da cidade, constituídas por redutos liberais, que durante o período conhecido pelo Cerco do Porto defenderam a cidade e o rei legítimo que aqui se barricou entre 1832 e 1834.

O País deve ao Porto a defesa acérrima que conduziu à construção de um regime que transformaria definitivamente Portugal. Mas não me parece que o portuense tenha isso em consideração.

Monte Pedral, quer exactamente referir uma zona elevada e pedregosa o que, em termos militares defensivos, é de extrema importância.

Na altura, a actual Rua da Constituição, a rua que cortou e aplainou o Monte Pedral não existia e toda aquela zona entre a rua de S. Brás e o local por onde hoje passa a rua de Serpa Pinto, era dominada por um elevado monte pedregoso que ainda hoje pode ser notado na zona do quartel dos bombeiros. Esse monte era coroado pelo poderoso forte do Monte Pedral, que tinha outras defesas na vizinhança, como o forte de S. Brás, sensivelmente no local onde se situa o actual e abandonado quartel, o forte do Covelo, na quinta do mesmo nome, o forte da Aguardente, na actual praça do Marquês e o forte que ocupava sensivelmente o local onde se levanta o denominado quartel do Monte Pedral, havendo contudo muitas outras baterias defensivas nas imediações.

Tudo isto para dizer que toda a zona da Constituição, até Serpa Pinto, era um baluarte defensivo e um local onde a história da cidade se encontrou definitivamente com a história do País.

Mas ao lado da mole humana que defendeu a cidade e o país e por ele deu a vida, na expectativa da criação de um regime livre e justo, a segunda geração dos defensores da memória da cidade desde muito cedo disse ao que vinha. Na ânsia daquilo a que chamavam “modernizar”, decretaram o fazer tábua rasa da história e dos pergaminhos da mesma, sobrepondo a mais-valia à cultura.

Almeida Garrett integrou o Batalhão Académico durante o Cerco do Porto e referiu-se, já político, ao “seu” Arco de Sant’Ana que conheceu na juventude, mas que reviu, já destruído, dizendo que:

“ (…) em nossos tristes e minguados dias vai caindo quanto por aí há de nobre e antigo, às mãos de inovadores plebeus para quem nobiliarquias são quimeras e os veneráveis caracteres heráldicos … hieróglifos da Terra dos Faraós antes da descoberta da Pedra de Damieta”.  

A destruição assinalada por Almeida Garrett tinha, nas estruturas do poder da cidade, os tais “inovadores plebeus” que irresponsavelmente iam reduzindo a pó o passado da cidade.

São séculos de completa devastação de Património onde, oportunisticamente, à boleia de uma nobre necessidade, se dá um passo com outras intenções.

Sousa Viterbo, em 1897, dizia:

… “a edilidade portuense parece nunca ter tido uma faísca de senso artístico. O sentimento do belo e a paixão pela estética, não são flores nativas daquele solo aliás, ubérrimo, tão opulentamente bafejado pela natureza”.

Por seu turno Ramalho Ortigão, referindo-se à esquizofrenia destruidora dizia em 1896:

“… dentro dessa categoria de delinquentes será difícil disputar o primeiro lugar da série patológica à cidade do Porto”

Amplamente anunciado nos meios de comunicação, eis que os terrenos do Quartel do Monte Pedral foram, finalmente, entregues à edilidade portuense que aí levantará, segundo o edil da cidade, um bairro de renda económica e uma residência de estudantes.

Numa cidade em que se assiste ao afastamento do portuense de médios e baixos recursos para as zonas periféricas, votado a um ostracismo regulado pelo mais selvagem liberalismo, vêem-se as casas do centro histórico transformarem-se em residências e hotéis para turistas e estrangeiros.

E eis que Bruxelas chama a atenção para o risco que se corre nas cidades de Lisboa e do Porto com a política seguida ou seja, Bruxelas, de longe, vê o que os nossos autarcas não vêem ou não querem ver.

Ora, o Porto não tem um museu dedicado ao acontecimento histórico que foi o Cerco do Porto, passando os seus locais representativos, completamente despercebidos na actual paisagem citadina onde, nem uma placa os sinaliza. Manifestamente o Porto desconhece maioritariamente o que foi, onde se desenrolou e o que representou o Cerco do Porto para Portugal.

E que casa mais representativa para um museu destes, senão um forte militar que se levanta numa das zonas onde a história escreveu valorosas páginas?

Não está em causa a necessidade e a pertinência dos bairros económicos. Está em causa a hipocrisia dos políticos que afastam o cidadão do seu meio e o pretendem enlear com um projecto que passa por uma destruição. Está em causa a destruição do património e os sucessivos tiros na história que esta gente pratica sem qualquer tipo de pudor, visível na descaracterização da Praça e do jardim da Cordoaria, por exemplo.

E estranhamos o silêncio dos historiadores da cidade que vemos ao lado do edil, mas que, no que toca à abordagem destas situações, se remetem ao mais completo silêncio.

E numa época em que as eleições se aproximam, é ver as forças políticas da autarquia, nomeadamente os socialistas, que se grudam ao edil para disso tirarem dividendos.

E, se um dia acontecer, Lisboa decidir criar um Museu do Cerco do Porto ou da Guerra Civil Portuguesa, logos veremos esta gentinha da política nortenha brandir o dedo acusador da centralização.

Já agora, lembro o quartel de S. Brás, outra peça icónica votada ao mais completo abandono.

E concluo: tal como os políticos, a quem Eça de Queirós e Guerra Junqueiro se referiam de um modo acintoso, também Almeida Garrett, Sousa Viterbo e Ramalho Ortigão tiveram palavras pouco elogiosas para com os representantes da autarquia.

Juntemos o pensamento de todos estes escritores e temos o retrato da generalidade dos nossos políticos e autarcas, mais de 120 anos depois.

Um país que não respeita a sua história terá muita dificuldade em construir o seu futuro.

Comments


  1. Soberbo e sábio texto, para além de muito pertinente e oportuno.
    Felicitações ao autor !

    ” Um país que não respeita a sua história terá muita dificuldade em construir o seu futuro. ” !!

    ! um país e os seus jovens, que verificamos com tão frágil e indiferente cultura e interesse históricos !
    ! que futuro, a não ser este regulado e dominado pelo mais selvagem liberalismo ?

    …” me esta doliendo una pena…” 🙁

    • Ernesto Martins Vaz Ribeiro says:

      Obrigado Isabela.
      Completamente de acordo consigo no que toca à forma como a cultura, que modelará, definitivamente, o Portugal de amanhã, é encarada pelos políticos.
      Cumprimentos.

  2. Ana Moreno says:

    Obrigada pelo interessante texto, Ernesto.
    Este mês, para festejar os 10 anos do Aventar, convidamos à participação de todos.
    10 anos é uma boa razão para festejar!

    • Ernesto Martins Vaz Ribeiro says:

      Foi um prazer.
      Eu é que agradeço o convite.
      Cumprimentos.

  3. Carlos Lacerda says:

    Um dos historiadores referidos pelo autor é avençado da Câmara e é também um entusiasta da atual política municipal, como se pode depreender das crónicas que publica no JN.

    • Ernesto Martins Vaz Ribeiro says:

      Caro Carlos Lacerda.
      Sinceramente, desconheço a situação dos historiadores em relação à Câmara.
      Em todo o caso, a vida ensina que a história é sempre escrita pelos vencedores.
      No caso vertente, como em muitos outros, não tenho dúvidas que o grande perdedor é o portuense e a cidade enquanto entidade Património Mundial. Isto, por si só, deveria ser um desafio para reforçar o título.
      O resto, é uma questão de consciência.
      Cumprimentos.

  4. José Baptista de Sousa says:

    Excelente artigo, caro Ernesto, os meus parabéns!