O «Sinais», do Fernando Alves, na TSF, se antes era uma companhia diária, é agora a minha vitamina. A crónica de hoje foi uma saudação especial aos caminhantes. Confinados em casa, ou quando muito reduzidos a uma escapadela em horários pouco concorridos (porque até o nosso passeio higiénico tem algo de traição a todos os que aguentam encerrados), sentimos a falta das nossas caminhadas. Ontem mesmo levei para a varanda o mini-stepper, aquele aparelhinho ridículo para andar a pé sem sair do sítio, e lá fiquei um bom bocado, num caminhar fingido que faz lembrar o correr fingido do hamster na sua roda, mas com a vista posta bem longe, naquela nesga da Torre dos Clérigos que avisto da proa da varanda.
«Tudo se move mais devagar quando caminhamos», diz o Fernando citando o explorador Erling Kagge. «A vida prolonga-se quando andamos a pé». Expliquei há anos a quem tentava convencer-me a correr que não gostava de fazê-lo porque sentia que o mundo passava depressa de mais por mim, e que, se isso se podia sentir como uma espécie de libertação nos primeiros minutos, cedo se tornava numa dissociação que não me agradava. Correndo, o mundo ficava mais longe, inapreensível, e com isso também as minhas ideias se faziam mais difíceis de agarrar. Fugia-me o mundo, era isso. Quando caminho, pelo contrário, as ideias reordenam-se, pousam no lugar certo, que não é o que eu lhes havia atribuído, e o mundo, ao ritmo do meu passo, é um lugar em que sempre me posso deter para sair de mim.
Mas as caminhadas, para já, ficam subordinadas às necessidades logísticas da casa. Chego do supermercado, começo a despir-me ainda na entrada de casa, a regra “não toques na cara” a martelar-me a cabeça (desço a cabeça até ao ombro para coçar a bochecha com um gesto de papagaio), como se chegasse da zona contaminada dos filmes de ficção científica ou dos pesadelos nucleares. Retiro as luvas de plástico que trouxe da frutaria do supermercado e vêm-me à mente imagens da série «Chernobyl». Que ridículo. Tenho uma pessoa de risco em casa e não lhe toco há vários dias. Estacamos em seco quando vamos beijar-nos, como se um choque eléctrico nos detivesse. Damos um passo atrás, um metro, dois metros, pelo menos.
No supermercado, circulamos à distância uns dos outros, esperamos que a prateleira que queremos fique livre, temos muito mais paciência porque, afinal, os nossos planos foram todos cancelados. Para quê a pressa?
Na mercearia do bairro só entra uma pessoa de cada vez. Hoje é o dia de anos do merceeiro, diz que vai aproveitar para fechar, mas amanhã voltará ao mercado abastecedor e esse passou a ser o seu receio maior de cada dia, o mercado, a grande ameaça do mercado, com fornecedores, clientes, funcionários, toda essa gente que não pode ficar em casa. A mulher trabalha com ele na mercearia, os filhos estão em casa, paredes meias com a loja. Não há barreiras. O risco é de todos. Mas, se fechar hoje, quanto tempo aguentará?
A freguesa que espera que eu saia para poder entrar aponta para a rua, quando nos cruzamos à porta:
––Não se vê ninguém. Acha que com a rua assim, vazia, a gente vai apanhar alguma coisa?
Quem pode sabê-lo?
Nunca tivemos controlo sobre o que quer que fosse. E sabíamo-lo, mas a nossa existência dependia dessa ilusão. No nosso horizonte, só se vislumbra com alguma claridade o dia de amanhã, esperemos que ainda sem febre e ainda com salário, e enchemos o dia com a inspecção ao que há e ao que falta na despensa e no congelador, com o contacto à distância com aqueles a quem não sabemos quando voltaremos a ver, e as pequenas coisas, o riso, os livros, os filmes, a saudação aos vizinhos da varanda em frente, a vigilância constante dos nossos humores para não intoxicar o ambiente da casa com inquietação e medo. Receitamo-nos uma dieta comedida de jornais e noticiários, para controlar a ansiedade. Com o número de infectados sempre a crescer, passamos a interessar-nos por modelos de cálculo, crescimento exponencial, a curva que deve ser achatada. Vemos aqueles políticos que construíram uma liderança assente na grosseria e numa arrogância sem limites aparecerem agora contritos, amedrontados, expostos. Uma chapada colectiva, foi o que levamos.
Vão-nos passando pela cabeça toda essas pessoas que conhecemos porque somos seus clientes, os proprietários e trabalhadores de lojas, restaurantes, padarias, cabeleireiros, hotéis, cafés, actividades que encerrarão. Como se estarão a aguentar? E agradecemos o espaço da casa, as janelas, a varanda, a horta, o que quer que tenhamos. Porque com a subida das rendas nos últimos anos, muita gente está agora confinada ao espaço exíguo de um quarto.
Quando por fim sairmos, não fazemos ideia do que nos esperará lá fora. Mas talvez saibamos melhor o que fazer com o que encontrarmos.
O que tem de ser exterminado é o capitalismo, seja privado ou de estado como na China. A guerra inter-imperialista há muito tempo começou economicamente. A super-produção, a poluição que gere, o consumo de cada vez mais de produtos transformados neste sistema cada vez mais irá fazer com haja no futuro mais destas pandemias.
Por fim: Espero estar por cá para contar aos meus netos e que esta canalha andou a fazer….
Além dos problemas que a Carla muito bem refere neste post, correr é geralmente prejudicial para o esqueleto e para as articulações. O nosso esqueleto não foi feito para andar constantemente a sofrer choques nas plantas dos pés. Correr estraga, deteriora o esqueleto e as articulações.
Outro exercício que é prejudicial é subir escadas, que prejudica (salvo erro – quem me disse isto foi, em tempos, um professor de ginástica) as articulações dos tornozelos.
Caminhar, nadar e andar de bicicleta (ou elítica) são exercícios que, esses sim, não prejudicam o nosso corpo.