Só não vê quem não quer ver

Impressiona-me a quantidade de carros de luxo a circular em Portugal: Jaguar, Porsche, Tesla, Mercedes, BMW, etc. Isto, além dos que enchem stands de automóveis, por todo o país. Os SUV`s de luxo, esses, então, parece que pululam.

O recurso ao crédito pode ajudar a explicar alguma coisa, mas está longe de explicar a substância. Tanto mais com o aumento das taxas de juro.

Há,sim, sinais exteriores de economia paralela em todo o lado, e só não vê quem não quer ver.

Se atendermos ao PIB per capita (7º mais baixo na UE em 2021 e em 2022), ao custo dos bens essenciais e dos combustíveis, à carga fiscal sobre o trabalho e as empresas, para além das altas taxas de IVA, ao custo do metro quadrado de construção, o aumento das taxas de juro, e à alta inflação, é fácil de perceber que tanto carro de luxo não bate certo com a nossa realidade económica e social espelhada nos dados oficiais.

Faz lembrar o tempo de Alves Reis, em que as pessoas questionavam-se como é que num país tão velho, havia tantas notas de quinhentos Escudos novas.

Qualquer pessoa que viva do seu salário, ou que tenha um negócio lícito, sabe o quanto custa ganhar a vida para cumprir compromissos básicos. Aliás, quem tenha um salário, por exemplo, de € 4.000,00 – que face à nossa realidade salarial, é um salário alto, topo de algumas carreiras -, entrega cerca de metade ao Estado.

Só a economia paralela pode explicar – ou, pelo menos, numa substancial parte -, que crescentes sinais exteriores de riqueza coabitem com o aumento da perda de poder de compra e do empobrecimento.

E essa realidade, que tem vindo a crescer a olhos vistos, foi recentemente exposta por um estudo da Faculdade de Economia do Porto. Estudo, esse, que passou ao lado da divulgação e da discussão públicas.

Segundo aquele estudo da FEP, a economia paralela tem vindo a crescer desde 1999 e já representa, em 2022, 82.232 milhões de Euros.

Um governo que se diz (pf. não se riam) socialista, e que invoca, rotineiramente, a equidade fiscal para justificar o que é menos popular -, desde reduzir a remuneração do aforro até à redução ilegal dos apoios às rendas -, deveria, há muito, ter abordado esta fonte de desigualdade social.

É possível que quem leia este texto, ainda se esteja a rir do Governo se dizer socialista. Sim, é cómico. Mas, o enraizamento da economia paralela, é uma das maiores tragédias de qualquer país.

Estes dias

O «Sinais», do Fernando Alves, na TSF, se antes era uma companhia diária, é agora a minha vitamina. A crónica de hoje foi uma saudação especial aos caminhantes. Confinados em casa, ou quando muito reduzidos a uma escapadela em horários pouco concorridos (porque até o nosso passeio higiénico tem algo de traição a todos os que aguentam encerrados), sentimos a falta das nossas caminhadas. Ontem mesmo levei para a varanda o mini-stepper, aquele aparelhinho ridículo para andar a pé sem sair do sítio, e lá fiquei um bom bocado, num caminhar fingido que faz lembrar o correr fingido do hamster na sua roda, mas com a vista posta bem longe, naquela nesga da Torre dos Clérigos que avisto da proa da varanda. [Read more…]

O rapaz esquecido

Lá fui para mais um dia de uma primavera que teima em se esconder atrás do cinzentismo coerente com os nossos governantes. Percorri, como sempre, os segundos que separam o mais novo de casa. “Até logo pai“, ouvi eu lá ao longe, depois de um beijo que não quero perder. Mas hoje, perdi. Perdi porque o Fernando Alves roubou-me o exercício da paternidade quando me levou para a noite, longa, de quase 40 anos, do esquecimento do José Alves Costa.

Ele que, bem vistas as coisas, FEZ o 25 de abril.

Em lágrimas pensei no meu Pai.

Também nunca mais voltou a Lisboa e nunca mais voltará. Temo, pois, o que irá sentir José Alves Costa quando voltar a Lisboa – olhar para o Tejo e perguntar: valeu a pena? Foi por isto? Para isto?

Para ler hoje no Público.

O devir histórico (5)

Continuando.

Ao longo da nossa história, a preocupação da posse e exibição de um título, de um sinal distintivo em relação aos demais, ou pelo menos à maioria, tornou-se um culto. Uma obsessão. Começou pelos títulos nobiliárquicos e desaguou-se nos académicos. De Terratenente, a Conde, até Doutor ou Engenheiro. Um fio condutor ao longo de séculos: destaque social. E se após a Revolução de Abril, a disseminação de licenciaturas fez perder o valor social dos títulos académicos, tal não foi o suficiente para não se fazer de tudo para se ter o “almejado” canudo: fosse a obter licenciaturas ao domingo ou por equivalências. Porque tal título continua a investir o portador numa espécie de distinção social. Aliás, somos, em bom rigor, o único país da Europa onde se trata as pessoas pelo título académico. Não importa o mérito das pessoas, a sua acção ou papel social. Aliás, nem o nome. Pois que é corrente tratar-se alguém por “senhor doutor” que nos foi apresentado como sendo o “senhor doutor”, e nem se chegar a saber qual o nome da pessoa em causa. Tal lusa excentricidade, só tem paralelo essa outra lusa tradição parola de se tratar pelo primeiro nome precedido do título: “o doutor Carlos”, o “engenheiro Manuel” ou o “arquitecto Francisco”. Também, infeliz caso único na Europa. Neste país o nome de família não vale nada. Vale, sim, o primeiro nome. Principalmente se precedido de um título académico. Mesmo que falso, pois trata-se por “doutor” quem é apenas licenciado. Saltando-se, até, por cima do mestrado, aliás banalizado com o Processo de Bolonha. Como banalizado está o ensino em geral, onde se perde mais tempo com a avaliação dos professores do que com a avaliação dos alunos. Onde o mérito parece extinto. E é neste país, obcecado com títulos académicos, que, agora, se aponta a fronteira, como caminho a quem gastou recursos ao Estado e à família para se formar. Corolário da falência mental a que se chegou, que é a razão primeira da nossa crise.

Sinais

Neste corrupio de acontecimentos, desde as revelações do semanário “Sol”,  – revelações que o semanário aumentou o ritmo – passando pelas primeiras providências cautelares de censura prévia em mais de 30 anos de democracia, uma pequena nota não para o que se diz e para o que se escreve,ou para o que é lembrado, mas antes para o silêncio.

Neste momento ninguém, a não ser do núcleo duro do Governo e da direcção do PS, parece querer aproximar-se de José Sócrates. A dita ala Esquerda mantem-se quieta e dos “históricos” nem uma palavra. A consciência da gravidade do assunto, legalidades à parte, existe. Por mais que se queira esconder a situação por trás de elogios de levar às lágrimas.

À medida que o tempo for passando e a informação se for espalhando, infiltrando, estes silêncios terão cada vez mais peso, e ou são quebrados ou irão esmagar aqueles sobre os quais pairam.

Os sinais mais marcantes começam a ser, e serão cada vez mais, os silêncios, as omissões. Mais do que as palavras e as reacções. Porque neles se irá sustentar a desagregação do Governo.

Entretanto, o que se tem escrito, editado, revelado e contradito, são os piores sinais que se transmitem lá para fora, para os nossos credores, para os investidores que queremos cativar, para os analistas financeiros que queremos convencer acerca da nossa economia.