Às 6h, começa o meu dia. Às 6h38, tenho o meu primeiro autocarro de Karviná para a hlavní nádraží (um emigra a dizer “estação principal”, obviamente”). Nesse autocarro, costumo ir na conversa com uma rapariga que me fez sentir famoso. No primeiro dia em que parti naquela paragem, visto que mudei de casa, perguntei se estava no local correto. Disse que sim e perguntou-me de onde eu era. Portugal. Portugal? E perguntou-me se eu conhecia o Petr. Eu disse que sim e, pelos vistos, o Petr falou bem de mim e do meu colega francês a ela e ao namorado. Ficamos todos amigos. Às 6h59, tenho o primeiro comboio para Bohumin. E em Bohumin, tenho autocarro para a Escola Especial às 7h30. Neste autocarro, costumo ir com um dos miúdos da minha escola, o Patrik, e dois irmãos de 8 e 11 anos que frequentam uma escola normal acompanhados pelo pai. Nota-se que têm menos possibilidades do que a maioria das pessoas. No último dia que trabalhei, eles estavam sozinhos. Lá fui com eles, que estavam mais em baixo, e aproveitei para lhes oferecer um chocolate. O meu trabalho começa pelas 7h45 e estende-se até às 12h30. Nestas horas, lido com várias crianças com necessidades especiais. A maioria tem autismo. Um dos miúdos faz um filme por cada coisa que acontece. Se eu tropeçar, ele diz que eu quase morri. É uma espécie de jogador de primeira liga portuguesa. O outro miúdo fica admirado com tudo o que digo. Por exemplo, se eu disser que as pessoas têm duas pernas, ele solta um “ohhhh”. Outros miúdos fazem muito barulho. Uns são visivelmente de um espetro mais profundo, outros menos. E eles riem-se uns com os outros, não uns dos outros.
Num dos primeiros dias, pediram-me para mostrar música portuguesa. Ora, não sabia o que mostrar. Lembrei-me de mostrar a canção vencedora da Eurovisão 2017, Amar Pelos Dois de Salvador Sobral. Apareceu uma bandeira LGBT e um dois miúdos pergunta o que é. Fiquei a gaguejar, pois aquela instituição é católica. Fui estúpido, eu sei. Mas um dos miúdos deu-me uma chapada de luva branca e disse que era a bandeira LGBT. E eu expliquei que era normal as pessoas aproveitarem estes grandes palcos para defenderem as causas em que acreditam. Perguntei o que achavam e mostraram uma grande maturidade. São miúdos dos 12 aos 16 anos. Também me lembrei que aquele vídeo que causou alguns risos na minha turma de 10º ano, devido à postura do Salvador, é exatamente o vídeo que os miúdos viram sem um único comentário a estranhar a postura dele. Além disto, também nunca gozam com maldade uns com os outros. E acreditem, alguns são bem piores do que outros. Não acredito que tenham pensado que como são deficientes, não estão em lugar de gozar com alguém. Um miúdo daquela idade não tem esse tipo de pensamento. Então só encontro uma resposta: lidar com a diferença.
E foi isto que a República Checa, mais precisamente os miúdos, me ensinou e me fez defender aulas de Cidadania obrigatórias nas escolas. Quando falo de aulas de Cidadania, não falo em transformar a escola no Centro de Estágios da Esquerda, que é o que muitos querem, mas dar a conhecer o mundo às crianças. O maior adversário da violência é o conhecimento. Como diriam os Dealema, ignorância gera violência. Acredito que para uma democracia com pessoas livres, precisamos de equilíbrio. As crianças não são propriedades do Estado, certo. Mas também não podem ser dos pais. É necessário haver poderes e contrapoderes para formarmos pessoas mais informadas. Por isso sou a favor de uma educação, sem carga ideológica, que mostre aos jovens o mundo em que vivemos e as diferenças que nele residem. E uma criança reconhecer as diferenças no mundo não faz dela uma futura extremista de esquerda, vítima do marquessismo culturali. Faz dela uma pessoa mais informada e com mais armas para definir os seus ideais.
Qual é o problema de mostrar a uma criança que há pessoas que gostam de outros do mesmo género? Eu sei disso há muito tempo e nunca vesti umas leggings cor-de-rosa enquanto marchava com a bandeira LGBT no Bairro Alto.
Qual é o problema de mostrar a uma criança as várias religiões? Eu andei quatro anos num colégio de freiras e leio mais piadas sobre Deus do que textos da Bíblia. Apesar de ainda ter o “Seguindo como ovelha que encontrou pastor…” na cabeça, admito.
Qual é o problema de mostrar a uma criança as regras do trânsito? Eu sei que se deve parar no vermelho e não é por isso que paro sempre (como peão). A não ser que esteja ao lado uma criança. Aí paro, em solidariedade com o pai que teria de ouvir no resto do caminho 46 vezes a pergunta “porque é que aquele senhor atravessou e nós não??”.
Qual é o problema de mostrar a uma criança o que é a reciclagem? Dizer que o plástico é no amarelo e que o papel é no azul não impede de fazer tudo ao contrário. Apenas informa.
Qual é o problema de dizer às crianças que existem outras etnias e tudo o que as envolve? Acham que alguma criança vai sair dessa aula com vontade de fazer a operação do Michael Jackson?
Qual é o problema de se falar de Saúde Mental? A sério, eu prefiro que haja um programa de Saúde Mental a ser falado nas escolas do que ter toda a gente no Twitter a dizer que Saúde Mental importa “bué”, mas depois as suas referências são influencers do Instagram.
Qual é o problema de se falar de sexualidade? Há mais medo que uma criança faça uma pergunta incómoda à mesa de jantar do que mostrar a crianças que o pai meter-lhes as mãos dentro das calças é abuso?
Qual é o problema de falar de deficiências e incluir pessoas com deficiência? É preciso conviver com a diferença para a normalizar e é esta a vantagem que os meus miúdos têm em relação ao resto. Tão novos e já viram de tudo. E nós? Nós não sabemos lidar com a deficiência e colocamos essas pessoas numa redoma como se não fossem gente como nós. Sim, ninguém gosta de ser tratado constantemente como aquele que tem uma deficiência e tem de ser protegido. Tem é de ser respeitado.
Eu quero viver num mundo em que ser deficiente não é estar num mundo à parte, enquanto os outros discutem em surdina o que é melhor para ele. Por isso mesmo, devemos promover a convivência entre todos desde cedo.
Eu quero um mundo em que todos possam ter a oportunidade de ser aquilo que querem, sem serem julgados. Quero que uma criança que ouve em casa o pai a dizer que os paneleiros isto e os travecos aquilo possa ouvir na escola que tudo isso é normal. Eu não quero um mundo em que há pessoas que se sentem mais confortáveis em fazer comentários racistas do que pessoas a sentirem-se confortáveis em andar de mão dada com alguém do mesmo género.
É por todos estes motivos que não devemos tolerar o preconceito. Nem na nossa mesa de jantar ou entre amigos. O que hoje é uma simples opinião pode vir a ser a educação de uma criança um dia. E eu não quero que um filho meu possa sofrer porque o colega da Escola é educado por um ignorante. A liberdade de expressão não pode servir de desculpa para o ódio e temos todos o dever de proteger as liberdades das pessoas. Se a pessoa que se senta ao meu lado no autocarro não for livre, eu também não sou. Quando a liberdade é só para alguns, não existe liberdade.
E é na educação que podemos mudar os problemas na sociedade. As quotas e os mecanismos milagrosos são o mesmo que colocar tudo amontoado no armário para parecer que o quarto está arrumado. Propor quotas é o mesmo que assumir que as pessoas não conseguem algo pelo seu próprio pé, mas revestido por uma capa de boa intenção. É algo perverso. Não é possível mudar preconceitos por decreto. No máximo, tem um efeito contraproducente.
Lutem pela liberdade das pessoas, até pela liberdade daqueles que não gostam.
É absolutamente lamentável que o Francisco, parecendo professor, não tem a mínima noção do que se passa nas escolas. Só essa extrema ignorância facciosa é que lhe permite inventar conceitos inverosímeis e absurdos como escola = “Centro de Estágios da Esquerda”, “marquessismo cultural” ou ainda uma “educação sem carga ideológica”, como se tal existisse algures num mundo diáfano e impoluto. Será que não consegue perceber que essa alegada neutralidade, nunca possível, só pode servir os interesses mais sórdidos e indesejáveis. Não vê que não pode existir neutralidade na educação, na informação, cultura, economia, etc, porque tudo isso se destina sempre a alguém e tem sempre objectivos mais ou menos claros.
Depois ainda afirma que a violência vem da ignorância. Deve estar a pensar no III Reich, um dos países mais instruídos da Europa, na altura, onde boa parte das cliques intelectuais abraçaram o totalitarismo criminoso nascente.
Casualidades, claro.
“É absolutamente lamentável que o Francisco, parecendo professor, não tem a mínima noção do que se passa nas escolas”
As pessoas, porque não conhecem, não fazem a mínima ideia do que se passa na educação das crianças nas escola e em casa, na republica Checa, e outros países da Europa Central e Escandinávia.
Vivi na Escandinávia 4 anos e estive muitas vezes em Praga e nunca vi o que vejo em Portugal: os miúdos de 4 ou 5 anos e mais a correrem e brincarem no meio das mesas dos clientes nos restaurante e os paizinhos calmamente a assistir a esta “festa”
Pois é, tem tudo a ver com o civismo e isso é um produto escasso em Portugal
Há que dar um ar de respeitabilidade à exploração, os desfavorecidos e descriminados não têm culpa de o serem. Agora, mudar as condições materiais que destroem a igualdade de oportunidades enquanto o mundo não muda? Ó amigo, nem pense nisso que o mercado não aguenta, já colocamos estereótipos mal amanhados na cultura, só não aproveitam os que não querem.
Depois são os comunistas que gostam de amanhãs que cantam.
E, claro, não quer carga ideológica, mas nada contra os disparates irrealistas neoliberais que são debitados, porque o liberalismo nunca falhou, só foi falhado.
A primeira parte do texto é maravilhosa!
O resto é uma vergonha quando se pretende apresentar os pais portugueses como preconceituosos, abusadores, racistas, homofóbicos, etc. que precisam de ser corrigidos pelos professores de cidadania nas escolas.
Imaginemos, por exemplo, as consequências que a quebra de confiança causa num filho quando os pais são apresentados como possíveis abusadores.
E isto é dito por uma pessoa que lida com deficientes físicos/mentais que devem, muitos deles, ter a sua higiene diária íntima feita pelos pais em todas as fases da sua vida.
Já ando por cá há algum tempo e posso dizer que não conheço nenhum pai que eduque os filhos como refere o autor do texto, que deve ter vivido num mundo phodido onde as regras desse mundo são as excepções no outro.
No mundo em que vivo as regras são os pais amarem os filhos e isso faz toda a diferença na educação que lhes dão.
As excepções devem ser sinalizadas e tratadas como tal por técnicos habilitados nessas questões de marginalidade.
A falta de espelhos, tal como a falta de noção das relações entre pais e filhos, não é culpa do Francisco. A realidade é muito mais complexa.
Ou não tens filhos e portanto falas de cor, ou tens filhos e precisas que os professores da escola que eles frequentam te dêem uma ajudinha para os educar.
Se estás no segundo caso representas a tal excepção do mundo phodido que eu citei no comenário que comentas.
Mas tens muita razão quando dizes que educar um filho é uma tarefa de extrema complexidade, especilmente quando os amamos, como é o caso da esmagadora maioria dos pais deste país.
Desconversa, resulta bem quando não há argumentos. Aqui, onde já toda a gente te conhece, nem por isso.
E, como te conhecemos, já sabemos que a seguir vem o insulto. Ainda sem argumentos.
Quando olhas para os espelhos que tens em casa, e deves ter muitos, não notas as palas … ou julgas que são óculos?
Quanto aos insultos não me lembro de nenhum mas vou ver aos teus posts anteriores para escolher um que te agrade.
O Abstencionista vê a sua relação com o filho como a única existente e possível, o resto é tudo marginais e criminosos, e palas têm os outros.
Abesta Sionista
“phodido ”
Abstente de dizer asneiras, BIMBO