O caso da jovem Constança Bradell é um daqueles filmes que tantas vezes vimos ao longo das últimas décadas no nosso país, em particular, nos casos que envolvem a relação entre o Estado e os portadores de doenças raras: é uma manifesta incúria, uma manifesta incompetência, uma manifesta negligência provocada por um sistema altamente burocrático que reflecte sobretudo a falta de empatia dos decisores e dos funcionários públicos perante o seu semelhante. Sim, o funcionalismo público português está, para nossa infelicidade, desde as camadas de base até ao topo, cravejado de funcionários que aparentam (ou talvez não tenham mesmo essa capacidade de tão insensíveis à dor do outro que se tornaram) não ter o mínimo de empatia perante o problema e a dor do próximo. A não ser que os visados pelo infortúnio sejam os seus filhos, os filhos dos seus colegas, os filhos dos seus hierárquicos ou os filhos dos deuses com pés de barro a quem lambem sistematicamente as botas à espera de benefícios.
Estamos perto de deixar morrer uma jovem, sim, perto de deixar morrer uma jovem, com toda uma vida por viver pela frente, uma força viva e activa da nossa sociedade, sem sequer tentarmos o tratamento. Não consigo encontrar neste preciso momento a adjectivação ideal que permita exprimir a revolta que sinto. Tudo isto acontece num país em que continua a ser mais fácil para um decisor público enviar uma boia de salvação à distância de um clique para um qualquer banqueiro ganancioso que tenha perdido tudo nos seus jogos de casino. Acontece num país em que não existem quaisquer dúvidas nem recuos, nem avarias informáticas, nem falhas na comunicação ou nos aparelhos informáticos na hora de atribuir um ajuste directo a um amigo qualquer do sistema que precise de ganhar uns trocos com uma festa, com a construção de um passeio, com a venda de umas golas anti-fumos ou com a prestação de um serviço de completa inutilidade para a sociedade. Nesses casos os computadores não falham, os dossiers não andam a ser pontapeados de gabinete em gabinete nem tão pouco andam a ser escondidos numa gaveta à espera que alguém se lembre de os resolver. Nesses casos, não existem nacionalizações à pressa nem negociações com entidades externas, nem reduções nas ajudas, nem cortes, nem porcaria absolutamente alguma: dá-se e pronto, está tudo resolvido para o bem das pessoas de bem que nos esbulham tudo o que construímos e que continuam a fazer tábua rasa da nossa dignidade. Nesses casos, tudo parece tão fácil, tudo parece tão idílico no modo de funcionar deste país, tudo parece tão proficiente e tão claro. Tudo isto acontece, para nossa infelicidade, no nosso país. No país onde, com a nossa subserviência, quais vassalos ao mais fiel estilo feudal, quer ao nível do espírito, quer pela via da omissão, permitimos que não existam respostas sociais de urgência para as pessoas que mais dela precisam.
Despedir todos os envolvidos neste caso de incompetência é pouco. Ao longo dos anos tenho vindo a reflectir que pedir a cabeça dos incompetentes acaba por ser um verdadeiro exercício inútil. É um exercício inútil na medida em que acabamos tão e somente por trocar os tecnocratas que lá estão pela mesma espécie de tecnocratas que almeja lá chegar. Mudamos portanto o disco para que o disco toque exactamente o mesmo. Temos que continuar a insistir nos mais jovens através da formação para a cidadania. Temos de agir rapidamente, através das atitudes e dos comportamentos que praticamos. Temos sobretudo de parar e ser capazes de fazer o que parece ser tão difícil na sociedade pós-moderna: ter a competência (prática; de boca, infelizmente, tudo isto na boca de tantas centenas de milhares de pessoas não passa de teoria) de nos colocarmos ao lado do outro para entender a sua dor e o seu sofrimento.
Vemos, porque há que manter as continhas certas com muita papelada a justificar cada despesa. Se calhar não precisávamos de ilegalizar a importação pelo próprio, com ou sem histórias de “sucesso” do GoFundMe, mas também impedimos a falência por coisas banais. E conseguimos desenrascar bem noutras com muito falta de meios, como a paramiloidose.
Agora, enquanto for visto como um custo e não uma ajuda à produtividade, cá estaremos.
O texto fala apenas de burocracia e falta de empatia estatal. Então e a mama da farmacêutica? A empatia dos mamões?
Este medicamento custa 260.000 euros. Por ano. O fabricante, a Vertex, vai assim mamar milhões com cada paciente. Têm já vendas garantidas de milhares de milhões.
Cada Estado tem de negociar o seu preço com estes piratas. Tal como há anos no também célebre doente com Hepatite C que abordou o Paulo Macedo, dizendo que não queria morrer, cujo medicamento custava também uma obscenidade.
No caso da Bradell e outros doentes o Estado pode ter culpas, mas a vergonha maior é outra. E só vai piorar.
Negociar, para quê? Era sempre uma xulice. É melhor estar quieto e não comprar nada
Ai, não, espera aí, apareceu na televisão, é melhor fazer qualquer coisinha. Deixa é primeiro ver se não é familiar alargada, e se não trabalha lá nenhum, não vá o diabo tecê-las.