Até no futebol: mais capitalismo, menos amiguismo!

Houve algo que sempre me fascinou no futebol. Mais do que grandes golos, belos passes, jogadas monumentais. É o sonho. O sonho daqueles que ambicionam sempre mais um bocado e, por vezes, conseguem feitos que nos fazem querer a todos sentir um pedaço daquele momento. Quem não vibrou minimamente com a chegada do Braga à final da Liga Europa? A ida do Paços de Ferreira à Champions? A ida do Leixões à Taça UEFA por ter chegado à final da Taça de Portugal? Com o Leicester Campeão? Com a chegada do Ajax às meias-finais da Champions? Com a passagem do Porto contra a Juventus?

 

O futebol tem destas coisas. O futebol dá-nos uma certeza: ganha quem marcar mais, quem conseguir melhores resultados. As dimensões dos campos são as mesmas, as balizas também e o campo é plano.

 

Agora, pouco mais de 10 clubes vieram com uma ideia que mata toda a essência do futebol: a Superliga Europeia. Confesso que me emociona ver a pressa com que anticapitalistas primários se manifestaram a acusar o capitalismo por esta vergonha no desporto rei. Até selecionar de forma seletiva, mas mesmo bem seletiva, ideias de Adam Smith vale. O capitalismo assenta na concorrência, no mérito (por muito impossível que seja quantificar, porque todos nós temos perspetivas e circunstâncias diferentes), na competição. É essa mentalidade “capitalista” que permite aos Boavistas desta vida sonhar com campeonatos nacionais. Tivéssemos o mercado futebolístico à moda socialista e de nada valia ser melhor do que os outros ou ambicionar grandes voos. Era mais fácil ter bons amigos nas grandes instituições e andar a pedir para mudar regras consoante desse mais jeito. Pensando bem, a Superliga anda bem mais perto disso do que qualquer tipo de capitalismo.

 

Também gostei de ver uma quantidade imensa de pessoas a defender que o futebol já não é dos adeptos há muito tempo. O futebol não é dos verdadeiros adeptos, naquilo que para mim são os tais verdadeiros adeptos. Mas, felizmente, não vou ser eu a definir o que é verdadeiro ou falso, o que é adepto ou não. Os que choram que o menino Ronaldo ganha milhões por dia e o União de Leiria tem salários em atraso (suposição, suposição, pá) são aqueles que nunca viram um jogo do União, mas são capazes de já ter comprado uma camisola do Ronaldo. Sim, porque o Ronaldo sozinho vende mais do que o nosso campeonato inteiro. Não merecerá ele receber mais do que o nosso campeonato inteiro? Claro que sim, senão não compensava ser um dos melhores.

 

Outro choro idêntico que pude notar é nos que dizem que os três grandes também têm isto tudo monopolizado em Portugal. Que culpa têm os três grandes que o Zé que vive em Chaves nunca tenha ido ao Municipal de Chaves, mas que subscreve todos os meses a BTV? Que culpa têm os três grandes se as pessoas só consomem aquilo que é dos três do costume? “Mas há outros países em que há mais competição”, dizem eles. Pudera!, em países que a segunda divisão mete mais adeptos no Estádio que o Braga, por exemplo.

 

A culpa é nossa. Não nos esqueçamos que somos o mesmo país em que pouca revolta se viu contra o Cartão do Adepto, uma das maiores agressões à liberdade individual que há memória.

 

Resumindo e concluindo: uma competição que decide os seus participantes por decreto e não por mérito é tudo menos consequência do capitalismo e/ou liberalismo. Tal como na vida, só com valores liberais é que é possível enfrentar as elites. Isto é uma subversão de todos os valores do futebol. E sim, têm todo o direito em fazê-lo, tal como eu não contribuirei com um cêntimo para esses clubes e espero que as instituições que tutelam as restantes competições tenham pulso firme. Tenho a certeza que os verdadeiros adeptos de todos os que venderam a alma se unirão nesta luta de todos. Um abraço solidário de quem não conseguiu dormir com os rumores de que o seu clube iria ingressar nessa Quinta das Celebridades.

Comments

  1. Miguel says:

    Mas, a esta altura do campeonato, o senhor ainda não percebeu que os capitalistas detestam a competição e são adeptos de cartéis e monopólios?

    • Luís Lavoura says:

      Exatamente. Já Adam Smith o dizia, aliás.
      Neste caso, temos os capitalistas da UEFA, que têm umas competições que dão chorudos lucros, e querem ser monopolistas. Não querem que mais ninguém possa organizar competições de futebol em competição com a UEFA. Viva o monopólio da UEFA!

      • Miguel says:

        São dois grupos mafiosos rivais ambos com pretensões monopolistas. A diferença é que os novos querem cortar de vez os laços com a Europa para globalizarem completamente o futebol. Previsão: entre os convidados vão constar clubes chineses e do Golfo Pérsico (quer dizer, estes últimos já se convidaram, ou não estão entre os doze pais fundadores?). Poder-se-ia escrever um ensaio intitulado « A presciência de Futre: charters e tal » ou então « After the carbon democracy, the oil plutocracy » Projecto votado ao fracasso, então, deixa-os aterrar.

  2. Filipe Bastos says:

    Está a ver, Francisco? A pergunta acima irá sempre voltar até que comece a incluir a seguinte nota nos seus posts:

    Disclaimer
    O liberalismo de que falo é, tal como o comunismo de que fala a maioria dos comunistas, um sonho, um ideal: não está limitado pela realidade, ignora completamente quaisquer desvios, abusos ou falhanços, e deve ser interpretado de forma subjectiva e a-histórica, ou seja, de acordo com os meus desejos e fantasias pessoais.

    Note que isto só funciona para o liberalismo; mas nem com toda a imaginação do mundo o capitalismo é como v. deseja.

    O capitalismo é e sempre foi como esta Superliga pretende: os ricos podem tudo. A concentração de poder e riqueza é o único objectivo; o dinheiro é o único critério.

    • Paulo Marques says:

      Qual é a diferença? Por mérito ganharam no mercado mais adeptos, por mérito ganharam o jogo da especulação na matéria prima e preço, por mérito conseguiram pagar menos impostos e ter quem lhe pagasse infraestruturas, por mérito já impuseram várias alterações às regras e competições ao longo dos anos, por mérito convenceram as pessoas que patriotismo é querer saber das selecções, e agora, por mérito, entram em conluio para excluir os outros e garantir rendas, até que as contradições levem a que tudo falhe.
      Ainda bem que ninguém decidiu seguir ideias com inspiração “comunista”, como o controle de custos em desportosinhos menores e sem sucesso como NBA e F1, viva o mérito.

  3. Luís Lavoura says:

    Eu acho um bocado contraditório um liberal como o Francisco Figueiredo defender a máfia da UEFA que tem umas competições que dão chorudos lucros e que não quer permitir que mais ninguém organize outras competições que lhe retirem parte desses lucros.
    Um liberal, como o Francisco Figueiredo e como eu, não defende máfias exclusivistas, defende um mercado aberto e competitivo, no qual novas empresas possam entrar para apresentar novos produtos. Neste caso, que novas organizações possam organizar novos campeonatos, organizados segundo uma lógica diferente, e depois o consumidor logo dirá qual prefere.

    • Francisco Figueiredo says:

      A UEFA tem muitos defeitos. Mas não se entra nas competições por decreto, é por mérito. Entre muitos defeitos, não destrói isto na totalidade, concentrando o poder em meia dúzia.

      • Luís Lavoura says:

        não se entra nas competições por decreto, é por mérito

        Se o Francisco Figueiredo não gostar da Superliga por não se entrar nela por mérito, pois muito bem, não veja a Superliga na televisão. Ninguém o obriga.

        Agora, o que a UEFA está a fazer é mafiosismo puro, procurar impedir uma outra instituição de organizar um campeonato diferente.

      • Paulo Marques says:

        O mérito de ter capital para as obras necessárias, pagar os voos, não ter os patrocínios no estádio, de oferecer as melhores capacidades de evasão fiscal aos trabalhadores, e muitas outras regras comerciais, claro.
        O que não tem mal nenhum, façam dinheiro como entenderem, mas também nada tem a ver com desporto, nem se percebe como alguém acredita que sim.

  4. POIS! says:

    Pois tá a ver ó Figueiredo?

    O liberalismo é uma coisa maravilhosa!

    Sim, uma Superliga onde todos têm lugar…desde que os outros deixem. Pois eles, se a ela acederam, foi por mérito.

    Qual mérito? O mérito!
    Qual mérito? O mérito!
    Qual mérito? O mérito!

    (…)

  5. POIS! says:

    Pois saiba, Mr. Figueiredo…

    Que o FCP e o SLB também já andaram nestas andanças. Amigados com “os grandes emblemas da Europa”, para fazer uma “Liga Imbatível”!

    O Vale e Azevedo chegou a profetizar que os próprios campeonatos nacionais iriam acabar ou ser trocados por um campeonato em que meia-dúzia de apurados disputariam os títulos em mini-torneios com os Imbatíveis Superligueiros.

    Acordaram (o Vale e o Pinto…) foi quando apareceu um cozinhado de Superliga que…atirava os clubes portugueses para uma segunda divisão!

    Sim mas poderiam chegar à primeira…se algum dos clubes da dita ficasse em último três épocas seguidas!..

    Estavam à espera de quê?

    • POIS! says:

      Ou seja:

      O FCP (de Pinto da Costa) e o SLB (na altura, de Vale e Azevedo) também tentaram ter mérito.

      Só que, nestes liberais meios do mérito, só mesmo um burro chapado é capaz de achar que pode atrapalhar o mérito dos leões.

      Neste caso, dois burros chapados.

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