Uma crise humanitária sem precedentes – O Equilíbrio do Terror #12

Ouço na rádio que vem aí uma crise humanitária sem precedentes, nunca antes vista. Sorte a nossa, o Iémen não existe, não é real. Tal como não são reais os 14,5 milhões de iemenitas que passam fome, os 20 milhões a precisar de ajuda humanitária urgente e os 377 mil mortos, desde que o conflito começou, em 2014. Sim, eu sei, não passa no telejornal. Não há edifícios iluminados com a bandeira do Iémen, grandes recolhas de donativos ou manifestações com jotas abraçados em frente à embaixada da Arábia Saudita. Mas está a acontecer e 70% das vítimas mortais são crianças. 264 mil crianças, levada pela guerra, pela fome ou pela doença, que nunca souberam o que é ser criança e que não nos merecem o mínimo esforço voluntário ou indignação.

Também é por isto que estamos a perder esta guerra. Porque tratamos de maneira diferente aquilo que é igual. Porque permitimos ou apoiamos invasões e outras violações da soberania de Estados aos quais nos achamos superiores, convencidos que a maldade dos seus ditadores nos legitima a assumir o controle dos seus países e recursos, entrando à força, matando civis e destruído as suas escolas e hospitais. Depois levamos com o whataboutism, merecidamente, e ficamos muito indignados por acharmos que o nosso imperialismo, necessariamente melhor que o dos outros, é do bem. Vilões são os outros. Nós estamos apenas a exportar a democracia que liberta. Excepto quando, ao fim de 20 anos de invasão, abrimos a porta da frente para que os opressores voltem a entrar, deixando os restantes entregues à sua sorte, num país mais destruído, mais violento e mais dividido.

Comments

  1. Paulo Marques says:

    Discordo ligeiramente, o nosso imperialismo é melhor. Nitidamente; mesmo externamente, a violência física é limitada.
    Levamos é, ao mesmo, embora em boa parte orientado a pessoas diferentes, com a ideia que não existe; com a ideia que é bom por muito democrático e opcional às partes; é bom, mas tem que ser por inteiro tal como é (e os Outros querem destruí-lo); e que, é pá, lamentamos, tem mesmo que ser assim, e não é possível haver alternativa e/ou um mundo melhor, senão os donos disto tudo já tinham implementado.
    E a dissonância tem limites, principalmente quando chega à carteira e às oportunidades, nossas e dos outros.

  2. “o nosso imperialismo é melhor. Nitidamente; mesmo externamente, a violência física é limitada.”

    o pior cego é o que não quer ver, e é por isso que não temos um mundo melhor, não é por não ser possivel

    é por aceitarmos que as atrocidades são inevitáveis e por vezes desejáveis

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