Abaixo o mistério da poesia
Enquanto houver um homem caído de bruços no passeio
E um sargento que lhe volta o corpo com a ponta do pé
Para ver quem é,
Enquanto o sangue gorgolejar das artérias abertas
E correr pelos interstícios das pedras, pressuroso e vivo como vermelhas minhocas
Despertas;
Enquanto as crianças de olhos lívidos e redondos como luas,
Órfãos de pais e mães,
Andarem acossados pelas ruas
Como matilhas de cães;
Enquanto as aves tiverem de interromper o seu canto
Com o coraçãozinho débil a saltar-lhes do peito fremente,
Num silêncio de espanto
Rasgado pelo grito da sereia estridente;
Enquanto o grande pássaro de fogo e alumínio
Cobrir o mundo com a sombra escaldante das suas asas
Amassando na mesma lama de extermínio
Os ossos dos homens e as traves das suas casas;
Enquanto tudo isso acontecer, e o mais que se não diz por ser verdade,
Enquanto for precido lutar até ao desespero da agonia,
O poeta escreverá com alcatrão nos muros da cidade:
ABAIXO O MISTÉRIO DA POESIA.
António Gedeão
No mesmo sentido de desprezo pela poesia, há o célebre poema “El Hombre Invisible” de Pablo Neruda (também um comunista).
Quem é que é “também um comunista”?
Deve estar equivocado(a), pois nem o António Gedeão o foi nem eu o sou.
Creio que António Gedeão foi comunista. Mas posso estar enganado.
Fui procurar referências sobre o assunto e, ao que parece, poderemos ambos ter alguma razão.
Renunciou convite que lhe foi endereçado para aderir ao PCP.
No entanto, afirmava e cito:
« E sobre política, de Gedeão (e dele próprio) dizia não ser de esquerda nem de direita, “embora muito aprecie os fundamentos doutrinários do comunismo”.»
Não obstante esse apreço manifestado, «Ele não era capaz de se alistar em nenhum partido, em nenhuma religião ou organização secreta. Era extremamente independente, pensava por si.»
Extratos daqui:
https://www.publico.pt/2010/12/21/jornal/memorias-de-romulo-20875004