Ucrânia: calculismo, hipocrisia e um povo que sofre sem solução à vista

Um ano depois, ainda há países europeus a importar produtos russos, contribuindo para o esforço de guerra das tropas invasoras. A indústria dos diamantes sediada em Antuérpia segue intocável. Algumas empresas ocidentais continuam em solo russo, sem que se exija, do lado de cá, qualquer tipo de boicote. E nos paraísos fiscais, a maioria controlada ou parte integrante do território de países como o UK, o business segue as usual. And the list goes on and on.

Um ano depois, não conseguimos bloquear a economia russa. O sofrimento do povo ucraniano, e de tantos outros povos, continua uns degraus abaixo dos interesses económicos da elite global. Na guerra como na paz, o capitalismo é quem mais ordena. Muito dano foi causado, é certo, mas pouco teria acontecido sem pressão popular. A democracia, com todos os seus defeitos, continua a ser o melhor sistema. Não admira que os ucranianos também o queiram.

Quem não escapa às sanções são os europeus, como nós, que pagam mais pelos alimentos, pelos combustíveis e pelas suas casas. Os juros têm que subir, garantem-nos, porque isso travará a inflação. Taxar lucros extraordinários é totalitarismo, garantem-nos também, mas obrigar a classe média a pagar a guerra é sensato e democrático. E o descontentamento cresce, imparável, tal como Putin planeou. E os seus afilhados neofascistas, por toda a Europa, crescem com ele.

No meio disto tudo, ainda temos que levar com os war wokes, uma nova casta de censores histéricos e insuportáveis, que definem – acham eles – o politicamente correcto sobre a invasão em curso. Muito se poderia dizer sobre isto, mas acho que se pode resumir da seguinte forma: ou aceitas a narrativa do bem contra o mal, como se isto fosse o Dragon Ball, ou és putinista. E livra-te de fazer perguntas. Quem faz perguntas também é putinista.

São tempos estranhos, e perturbadores, estes que vivemos. Mas nada que se compare, do lado de cá, à destruição em curso da Ucrânia. Ou à devastação do Iémen. Ou à destruição consumada da Síria. Sim, bem sei que o sofrimento destes últimos não causa tanta comoção. Essa é a parte mais assustadora.

Comments

  1. JgMenos says:

    A treta do lamento sem outro sentido claro que não o de que ‘há quem lucre ou não seja afetado pela desgraça alheia’. Grande novidade!
    Por outra parte, a democracia é o melhor sistema, mas fica sempre por esclarecer se o bem-estar é condição para que o seja.

    • Paulo Marques says:

      E o que é o bem-estar face à liberdade de lucro?

    • POIS! says:

      Ora pois!

      Mais um revolucionário contributo de JgMenos para o avanço da Teoria Económica!

      Desta vez acaba de descobrir a “Democracia do Mal-estar”. O chamado “Badfare State”.

      O Nobel está a caminho!

  2. estevesayres says:

    Um vizinho meu quando me encontrava , dizia sempre “é pá -, isto é tudo por culpa do Putin”, Eu dizia. do Putin, e do Zelenskyy com tiques neonazistas… Pois, mas foi o Putin que invadiu a Ucrânia – pois! Foi a FR… O que é isso – é a mesma coisa que EUA/OTAN «u-é»!? Não percebi nada! Dizia ele! Hoje não falamos… Por fim; para lembrar aos hipócritas: “Lembro que Zelensky proibiu 11 partidos, têm membros do partido comunista da Ucrânia presos e desaparecidos e na nossa “maviosa” e formal AR reina o silêncio, e reina o silêncio em ambas as alas”!
    JJ

  3. Luís Lavoura says:

    não conseguimos bloquear a economia russa

    E teria sido desejável que o tivéssemos conseguido? Não!

    Os russos são pessoas, como nós. Tal como nós não devemos sofrer com as sanções, também os russos não devem arcar com elas.

    A liberdade económica é uma coisa boa. Quando ela acaba, isso é mau para todos. Para os russos, e para os europeus.

  4. Anonimo says:

    A Rússia devia ser cancelada e o Jinpin já bloqueei no Facebook

  5. Paulo Marques says:

    Claro que continua a haver comércio, e nem é pelo lucro, são as complexas cadeias de produção que não pode esperar que escolham livremente outro Iéltsin depois de bilhões a promovê-lo.
    Mas isto cansa, ai cansa, com os mesmos papagaios a afirmarem coisas incompatíveis sem serem capazes de ver nenhuma contradicção, e chamar-lhe informação, já do outro lado as incompatibilidades são exactamente ao contrário e chamam-lhe propaganda. Tá bonito.
    Vi a Clare Daly a explicar ainda pior, hoje define-se a eurolandia em torno do que não é, e cujo maior objectivo era defender-se de quem não aceita o mercado, de quem não aceita os nossos valores universais, de todo e qualquer um que possa ameaçar o paraíso vindo do pântano, e por aí. Isto não é um bocado parecido com aquilo dos valores judeo-cristãos das família brancas de bons costumes anti-comunistas, que são os únicos a colher o descontentamento?
    Vai ficar tudo bem, pá! Viva a fortaleza Europa e o exército Europa! Vamos conquistá-los para o nosso lado!

  6. estevesayres says:

    há 8 anos no Luta Popular online, texto assinado por Espártaco, pseudónimo do nosso saudoso camarada Arnaldo Matos, que verão que mantém a actualidade…
    Ucrânia: Independência a Leste
    Duas províncias do leste da Ucrânia – a de Donetsk e a de Lugansk – submeteram a referendo popular, no passado domingo, dia 11 de Maio, a questão da sua independência, com a correlativa separação do Estado ucraniano.
    (…)
    Em conjunto, os dois novos países têm uma população de sete milhões de habitantes, correspondente a 15% da população da Ucrânia, e formam uma região conhecida como Donbass, que abarca toda a riquíssima bacia carbonífera e mineira do rio Don, numa área total de 54 000 kms2, menos de 9% da superfície do Estado de que se emanciparam.
    Mais de 75% das pessoas que vivem no Donbass tem o russo como língua natal. No seu conjunto, os dois novos países criavam 20% do produto interno bruto do Estado ucraniano. É, aliás, no Donbass que se encontram as maiores empresas mineiras, metalomecânicas, metalúrgicas e químicas da anterior Ucrânia.
    Acontece que o território do Donbass, integrante dos dois novos países, só entrou na composição da antiga República Socialista da Ucrânia depois da proclamação do poder soviético. Anteriormente, o Donbass – e, por conseguinte, o Donetsk e o Lugansk – faziam parte do império russo. Na sua forma actual, a própria Ucrânia só existe há 23 anos, como resultado da implosão da anterior União Soviética, em 1991.
    Nestes termos, os dois países que no último domingo proclamaram a sua independência nunca foram ucranianos: nem pela etnia, nem pela língua, nem pela religião, nem pela história, nem pela geografia, nem pela cultura, nem pelos heróis e heroísmo que cultivam.
    Odiados pelos ucranianos do oeste, os povos dos dois países agora independentes – 15% da população, 9% da área e 20% do produto interno bruto de todo o Estado ucraniano – têm, nos últimos vinte e três anos, servido apenas para que, à conta deles, homens e mulheres do Donbass, vivam os territórios ocidentais da Ucrânia.
    Foi justa e nobre a luta dos cidadãos de Donetsk e de Lugansk pela sua independência, luta que mereceu e concitou todo o apoio da classe operária e dos povos da Europa.
    Felicitamos, pois, o povo de Donetsk e de Lugansk pela sua grande vitória.
    Mas a luta, agora para garantir e consolidar a sua independência, não terminou ainda, e pode até acontecer que, para além das dezenas de mortos que já custou, venha ainda a custar muito sangue ao povo dos novos países independentes.
    O imperialismo americano, germânico e europeu – provocadores exclusivos da crise ucraniana – não desarmará facilmente e tudo fará para aniquilar a independência dos dois novos países e submeter os seus povos à exploração e opressão dos lacaios de Kiev.

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