Trump, Bolsonaro e José Miguel Júdice entram num bar…

No seu espaço de comentário político da passada semana na SIC, José Miguel Júdice fez, com alguma subtileza, um exercício de normalização da extrema-direita, ao colocar, no mesmo patamar, os protestos em França contra o aumento da idade da reforma e os ataques ao Capitólio e à Esplanada dos Ministérios.

O objectivo do comentador, parece-me, não é tanto condenar os protestos em França. É, isso, sim, minimizar duas tentativas de golpe de Estado, nos EUA e no Brasil, despromovendo-os à categoria de protesto inorgânico.

Não perderei muito tempo com a absurda comparação, até porque a considero normal, vinda de um salazarista que integrou uma organização terrorista de extrema-direita.

Mas há um detalhe, estrutural na narrativa construída por Júdice, que é uma mentira que o advogado introduz na história, com a qual pretende acusar os manifestantes franceses de quererem destruir a democracia, à semelhança daquilo que tentaram os apoiantes de Trump e Bolsonaro.

Segundo Júdice, as manifestações em França são um ataque à democracia porque, e cito:

do que se trata, é da violenta recusa da aceitação de uma decisão legal e legítima da Assembleia Nacional. Do que se trata, portanto, e de tentar subverter o Estado de Direito.

É mentira que a decisão de aumentar a idade da reforma tenha sido tomada pelo Parlamento francês. Foi uma decisão de Macron por decreto, que, por motivos óbvios, não quis discutida pelos deputados franceses. Porque saberia que não seria aprovada. E o que está a acontecer nas ruas de França não é uma tentativa de golpe de Estado, como aconteceu nos EUA e no Brasil, mas um protesto contra essa decisão unilateral. Comparar a legitimidade de um protesto com a absoluta ilegitimidade de um golpe de Estado é desvalorizar o que aconteceu no Brasil e nos EUA.

É certo que os protestos em França foram, em alguns casos, excessivos. Não é novidade que os franceses são peritos em manifestações que terminam em violência. Mas essa violência não surge com o propósito de derrubar o regime democrático francês. Surge com a intenção de lutar por aquilo que aqueles franceses consideram um direito, que resulta do seu trabalho e dos seus descontos. Caso muito diferente daquilo que se passou no Brasil e nos EUA, onde uma multidão decidiu ocupar pela força as instituições do país por não aceitar um resultado eleitoral, motivada por dois autocratas egocêntricos com mau perder. Júdice sabe-o, mas preferiu tomar o partido da extrema-direita. O que surpreende um total de zero pessoas.

Comments

  1. Fernando Manuel Rodrigues says:

    A habitual lógica maniqueísta da extrema-esquerda caviar. O Mendes a ser Mendes… nada de novo.

    Ou se apoia todo e qualquer levantamento popular, venha ele de onde venha, ou se condenam todos eles. Mas como o Mendes já nos habituou, ele tem dois pesos e duas medidas

    “Us and Them”: Oiçam leiam e meditem. Eu sei que as palavras são do Roger Waters, outro actual “proscrito”… talvez porque se mantém coerente, coisa que o Mendes não sabe o que é.

    • Paulo Marques says:

      O Roger Waters mandava-te à merda, tal como mandou os insurrectos.

  2. JgMenos says:

    «que resulta do seu trabalho e dos seus descontos»
    Do seu trabalho quer dizer que podem mamar dos impostos sobre tudo que mexa, porque os descontos comprovadamente não chegam.

    E como sempre na esquerdalhada nada sabem sobre os problemas mas sempre sabem o que os outros querem dizer.

    • Salgueiros says:

      Isso de descontos é contigo contabilista Salazarento

    • Paulo Marques says:

      E, como sempre, de uma tentativa de golpe de estado violento com esperança de uma futura limpeza com julgamento sumário, de preferência à bala, nada disse.

  3. Claro. Era mais o que faltava! É como querer comparar os 50 mil fuzilados pela extrema-esquerda espanhola durante a guerra civil (que perdeu) com os 100 mil fuzilados pela extrema-direita espanhola durante a guerra civil (que ganhou). Ou querer comparar o golpe de estado da extrema-esquerda espanhola contra a República de Outubro de 34, com o golpe de estado da extrema-direita espanhola contra a República de Julho de 36. Ou querer comparar o Companys a deixar fuzilar padres e o Franco a deixar fuzilar o Companys – ou o assassinato pelos porcos polícias gregos do heróico Alexandros Grigoropoulos, e a morte dos 5 trumpistas no ataque ao Congresso – 4 deles de AVC, gordos, claro está, e um abatido por um heróico polícia americano. É evidente que não há aqui maniqueísmo: o que se passa é que uns são bons e outros são maus.

    • Paulo Marques says:

      O que se passa é que um (ou dois) é uma tentativa de golpe de estado com a bosta da bófia a deixar andar, o outro exactamente o oposto.
      Pormenores, como Guernica.

  4. Anonimo says:

    Então mas as manifs em França não eram extrema-direita?

    • Carlos Almeida says:

      Os sindicatos apoiam, mas a Le Pen tambem
      Uma confusão.
      Os liberais têm toda a gente contra eles, mesmo tendo razão.
      Não faz sentido os Franceses serem o unico pais da Europa com reformas aos 62 anos.
      Se não for assim, PF corrijam-me

      • Paulo Marques says:

        Não é assim, tanto têm mais baixas como mais altas. Mas o que sei é que não aumentam 2 anos, para a larga maioria aumentam para os 40 anos de trabalho, com resultados mais altos e penalizadores para as mulheres e profissões de alto desgaste – isto de ter 2 anos em média de reforma é um luxo – , para que não tenham de taxar quem mais tem.
        Nem vem de hoje, agora é que transbordou.

  5. Paulo Marques says:

    Mas atacaram uma porta? Não atacaram, pois não? O que é a destruição de um edifício face à porta? Nada, pá.

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